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J.K. Rowling diz que cumpriria "de bom grado" pena de prisão por opiniões controversas sobre  transgéneros

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A autora de Harry Potter voltou a expressar as suas opiniões controversas sobre a comunidade trans e a utilização dos pronomes de género. Desta vez, a autora publicou uma fotografia nas redes sociais com o texto: "Repitam connosco: As mulheres trans são mulheres". Em resposta, ela escreveu:  "Não". 

 

Ainda, quando um comentador pareceu fazer referência a um relatório sobre o Partido Trabalhista  do Reino Unido que estava a trabalhar para incorporar o abuso transfóbico - incluindo referir-se a  alguém com um pronome que não usa - na legislação sobre crimes de ódio que tornaria as ofensas  puníveis com até dois anos de prisão, Rowling disse essencialmente que iria cumprir a sua pena: 

"Cumprirei de bom grado dois anos se a alternativa for o discurso forçado e a negação forçada da realidade e da importância do sexo. Que venha o processo em tribunal, digo eu. Vai ser mais divertido do que alguma vez fui numa passadeira vermelha", escreveu ela no X, anteriormente conhecido como Twitter.” 

A autora troça do assunto e ainda indaga onde poderia passar o seu tempo na prisão:  

“Espero que seja na biblioteca, obviamente, mas acho que me posso dar bem nas cozinhas. A lavandaria pode ser um problema. Tenho tendência para encolher as coisas ou torná-las cor-de-rosa acidentalmente. Mas acho que isso não será um grande problema se for sobretudo roupa de cama  e lençóis.”

Porém, as posições extremistas de Rowling em relação às questões trans mostram não ser novidade, tampouco originais. Através de tweets, soundbites, posts, a autora tem mostrado o seu apoio aos  discursos feministas radicais trans excludentes (TERFs), feministas liberais também conhecidas como  "radfems", que lançando o medo explícito a pessoas trans, particularmente a mulheres trans, insistem que estas são uma ameaça inerentemente perigosa para as mulheres cisgénero, afirmando  que mulheres trans fazem parte de um grupo "de corpo masculino" que é perigoso.

 

É em Junho de 2020 que os comentários de Rowling começam a ganhar popularidade e uma onda  maior de contestação nas redes sociais. Em Junho desse ano Rowling utilizava o Twitter para  ridicularizar a frase trans-inclusiva "pessoas que menstruam" num artigo sobre a saúde menstrual pandémica, insinuando que a frase, destinada a englobar homens trans e pessoas não binárias, apaga, substitui ou obscurece a palavra "mulheres” e a “realidade vivida das mulheres". 

Já em Dezembro de 2021, a autora partilha um artigo do Sunday Times que ridiculariza a polícia  escocesa por reconhecer a identidade transgénero. No seu tweet, ela parodia a obra orwelliana, 1984, escrevendo: "Guerra é Paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força. O indivíduo com pénis que te violou é uma mulher". 

Com este post Rowling afirma que permitir que as mulheres trans tenham igual acesso a esses  espaços irá corroer os actuais direitos legais das mulheres e raparigas cisgénero. Lógica que não só  desconsidera mulheres e raparigas trans como mulheres e raparigas como gera o pânico em torno  dos corpos e identidades trans como se estes orbitassem em torno do mundo pérfido e criminoso do assédio e violação sexual para negar o seu acesso a espaços públicos marcados pelo género. 

Mais recentemente, a 8 de Março de 2022, no Dia Internacional da Mulher, Rowling publica mais uma série de tweets difamando a linguagem inclusiva de género, afirmando que, no futuro, este dia  seria conhecido como "O Dia Daquela Que Não Deve Ser Nomeada", criticando explicitamente a  legislação sobre a inclusão do género. 

J.K. Rowling, assim como as suas comparsas terfistas, fazem parte de um longo caminho que tenta  diabolizar as pessoas trans enquanto monstros, parasitas, assassinas e caricaturas corporais.  Segundo argumentos biológicos essencialistas defendem a construção da identidade de género a  partir do sexo atribuído à nascença (M/F) , e mesmo que sujeito a intervenções cirúrgicas os corpos  trans femininos nunca deixariam de ser corpos masculinos visto terem sido socializados enquanto tal. Na verdade, o que assistimos aqui é se não ao retorno dos princípios misóginos, sexistas e  machistas porque feministas lutam contra há largas décadas. 

J.K. Rowling ao atacar os direitos de mulheres trans não está a defender os direitos das “mulheres  biológicas”, está sim, numa tentativa desesperada e cruel , em manter o seu status quo enquanto mulher cis, branca e multimilionária com horror à diferença. Não existirão coisas mais importantes com que nos preocuparmos do que com o facto de os homens se disfarçarem de mulheres para  acederem a espaços de sexo único?  

Neste dia internacional da despenalização trans urge concentrar-nos no que nos une, nas alianças  possíveis de forma enfrentar problemas reais: a misoginia, o sexismo, a homofobia, a transfobia, o  assédio e agressão sexual, a desigualdade nos cuidados de saúde, entre tantos outros.  

O problema não está nas pessoas trans, mas nos mecanismos em que nos fazemos socorrer para  perpetuar a desigualdade e colonialidade de género. 

 

P.S: Se Rowling acha que uma estada na prisão seria mais divertido do que as suas charadas nas red carpet, talvez não fosse pior fazer-lhe a vontade e arredar-lhe a ingenuidade quanto à vida em meio prisional. Talvez nesse contexto percebesse a multiplicidade de experiências que consta no termo  “mulheres”. 

 

Foto: Daniel Ogren, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer