Estudei desde os 3 aos 18 num colégio católico, maioritariamente de pessoas de direita; tinha uma paróquia onde fiz campos de férias e por isso, até me ter mudado para Coimbra, à minha volta o que muitas vezes ouvia era como o que eu sou era menor, odiável, reprovável, absurdo, contra-natura, nojento.
À custa de ser como sou já me cuspiram, bateram, insultaram, enxovalharam, perseguiram e me fizeram muitas vezes acreditar que eu era menor por isso.
E adorava poder dizer que isso já não acontece mas até mesmo entre homossexuais já ouvi dizer para me deixar de paneleirices, que os homens não choram, que sou um mariquinhas.
Até mesmo na minha área, que supostamente é mais liberal, já me disseram que não queriam trabalhar comigo porque eu era muito bicha ou simplesmente porque era gay.
E por isso custa-me ver colegas a abdicarem do que são para se conformarem com a norma, que escondem os abraços e os beijos, os trejeitos e o à vontade, a sua liberdade para se ajustarem ao que está errado e que precisa de ser mudado.
E tem que ser mudado para que as pessoas não tenham que esconder o que são, para sentirem o à vontade de mostrarem quem são. Para que o médico, o advogado, o futebolista, o trolha, o actor ou o padre possam simplesmente ser.
É à custa de tanto ser ocultado e nada aceite que apanhei miúdos em desespero, sem saber o que fazer, com medo de represálias no seio familiar; para quem, tal como eu, o escape seguro é o padre que está ali ao lado e com quem se tem uma relação (que no meu caso mesmo não sendo pedófila, foi de poder) e que no dia seguinte está na homilia a criticar aquilo que se fez na noite anterior.
A primeira vez que tive uma interacção consciente com outro homossexual senti-me tão mal que me lavei com lixívia e tudo porque eu precisava de ser desinfectado.
Tive uma família que me amou e que me ama, que me aceita. Aceitou quem levei lá a casa. Fui também fazendo a minha família através dos meus amigos e das pessoas que me acompanham e com as quais eu discuto estes temas e que têm como eu a mesmo vontade de mudar o mundo, de o deixar melhor: mais compreensivo, mais amoroso, menos preconceituoso.
Isto tudo para dizer: amem mais, critiquem menos e apoiem cada um a ser como é e o resto que se foda.
João Villas-Boas, actor