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“Lei trans” da autodeterminação de género e novos direitos LGBTQIA+ aprovados em Espanha

lei trans espanha

O Congresso dos Deputados espanhol aprovou por 188 contra 155 votos a chamada “lei trans”, na que representa mais uma significativa conquista de direitos para a comunidade LGBTQIA+. Apesar de ser conhecida pelas disposições referentes à autodeterminação de género, o diploma inclui ainda novidades em questões como terapias de conversão, parentalidade, pessoas intersexo, inclusão em meios rurais, entre outras. 

 

O debate ao longo dos últimos meses foi tenso e conflituoso, indo muito além da tradicional cisão esquerda e direito. No próprio partido do governo, PSOE, constituiu-se uma frente de oposição à nova lei. No movimento feminista espanhol, a clivagem parece ser irremediável. Haverá agora de espera pela aprovação no Senado e sobre um eventual pedido de inconstitucionalidade por parte do PP.

 

Autodeterminação de género 

A «Ley para la Igualdad Real y Efectiva de las Personas Trans y para la Garantía de los Derechos de las Personas LGTBI» fica conhecida como “lei trans” já que as principais inovações referem-se a questões de autodeterminação de género. À cabeça, institui-se a possibilidade de alteração de nome e género no registo civil através da apresentação de uma simples declaração pessoal e do preenchimento de um formulário. Oficializa-se a despatologização da transexualidade, abolindo-se a obrigatoriedade de atestado médico a conclusão de um ano de tratamentos hormonais. A mudança no registo passa a depender apenas da vontade pessoal, estimando-se que todo o processo se concluía num prazo de quatro meses. A lei prevê ainda a reversão da decisão tomada sem qualquer impedimento até ao terceiro pedido.

Este é o regime que se aplica a todas as pessoas maiores de 16 anos. No caso de menores, entre os 14 e 16, anos a alteração fica sujeita à aprovação dos pais (em caso de desacordo, o menor poderá recorrer a apoio judiciário). Entre os 12 e os 14 anos, será necessária a confirmação pelo tribunal. Com idade inferior a 12 anos, poderá haver mudança de nome e tratamento nas escolas, mas não será ainda possível alterar o género no registo. 

 

Terapias de conversão, parentalidade e pessoas intersexo

Mas a nova lei não se limita a este âmbito. São proibidas as chamadas terapias de conversão ou práticas que, por meios físicos, psicológicos ou recorrendo a fármacos, «tenham por finalidade modificar a orientação sexual, a identidade sexual, ou a expressão de género das pessoas, independentemente do consentimento que as mesmas, ou os seus representantes legais, possam ter prestado». 

Sobre parentalidade, no cenário de duas pessoas não casadas que constituem família, equiparam-se os direitos do membro não gestante à situação análoga num casal cis heterossexual. Quer isto dizer que, tomando por exemplo duas mulheres sem vínculo de casamento, torna-se mais imediato o perfilhamento pela mãe não biológica e dispensa-se o moroso processo de adopção, durante o qual esta não tem qualquer tipo de direito parental.

Visando as pessoas intersexo, proíbe-se qualquer prática de modificação sexual em menores de 12 anos (salvo por questões de saúde). Até aos 16 anos, essa intervenção apenas será permitida a pedido do próprio e sempre mediante decisão informada. 

A lei prevê ainda o desenho de políticas públicas que diminuam o “sexilio”, isto é, a saída de pessoas LGBTQIA+ das zonas rurais para as grandes cidades, reconhecendo que tal êxodo é em geral forçado por problema de inclusão nos pueblos.

 

A oposição das Direitas e do “feminismo clássico”

Como já seria de esperar, a direita votou em pleno contra o diploma. O principal partido da oposição, o Partido Popular, afirma que a lei foi feita à pressa e sem consultar os especialistas em diversas áreas, com o mero propósito de cumprir o calendário do Governo, que queria a aprovação consumada até ao final do ano. O partido liderado por Alberto Núñez Feijó ameaça agora levar a lei ao Tribunal Constitucional, convencido que a mesma será chumbada pelos juízes. 

Mas o bloco oposicionista conta com outros aliados improváveis. Um grupo de deputados socialistas, liderado por Carmen Calvo, antiga vice-presidente do governo de Pedro Sánchez, tem combatido a lei negociada entre a Ministra da Igualdade, Irene Montero, e os deputados do Unidas Podemos. Calvo dá voz a uma frente que exige que a lei seja menos radical, reforçando, por exemplo, as condições levantadas à autodeterminação em menores de 16 anos. Esse caminho foi rejeitado pelo governo e pelos partidos de esquerda e contou com o apoio de vários colectivos LGBTQIA+, que ao longo das últimas semanas se manifestaram em 17 cidades espanholas contra o bloqueio e o retalhamento da lei.

Juntam-se ainda à causa anti-“lei trans” as que acusam o governo de contribuir para o «apagamento das mulheres» («borrado de las mujeres», no original). No último 8 de Março houve, pela primeira vez na história da manifestação do Dia da Mulher, duas marchas autónomas, concretizando-se a cisão entre “feminismo clássico” e “feminismo progressista”. Esta divisão aprofundou-se no passado 25 de Novembro, Dia Internacional contra a Violência de Género, em que a presente lei foi o principal ponto de desacordo entre as duas facções. Aproveitando o ambiente de conflito, o PP tem procurado uma aproximação aos grupos feministas mais conservadores, numa clara tentativa de arregimentar o bloco oposicionista. 

 

Y ahora... ¿qué?

A lei será entretanto debatida e votada no Senado, a câmara alta do Parlamento, onde os partidos de esquerda contam também com maioria. Caso se introduzam alterações ao diploma, o projecto terá de baixar novamente à Câmara dos Deputados para que as alterações sejam aprovadas. A estratégia do PP de levar a exame a inconstitucionalidade da lei também poderá avançar como medida dilatória. 

A ser aprovada no início do próximo ano, Espanha passará a integrar o grupo de 15 países onde é possível às pessoas trans pedir a alteração dos seus documentos oficiais recorrendo a uma simples declaração pessoal. 

 

Pedro Leitão

 

PS: como os dois assuntos se relacionam, fechamos este artigo com o anúncio publicitário que a J&B Espanha criou para esta temporada das festas. Embora seja um filme comercial, é de contos de Natal assim que nós, e as pessoas trans em particular, mais precisamos.