Márcia e Ana sobre PMA: "Só vamos festejar quando a lei sair em Diário da República"
A aprovação, esta quinta-feira, dos projectos de lei sobre a procriação medicamente assistida em grupo de trabalho parlamentar devolveu a esperança a muitas mulheres portuguesas que aguardavam há décadas uma lei semelhante à da vizinha Espanha. O dezanove.pt foi falar com um casal de portuguesas que se viu na contingência de só poder engravidar do lado de lá da fronteira.
Márcia Santana e Ana Santana da Silva conheceram-se em 2009 e estão casadas há cinco anos. Márcia é professoa de inglês e tem 33 anos, Ana trabalha na área dos transportes e turismo. Tentaram engravidar duas vezes via PMA. Fomos conhecer o seu caso e o que sentiram com o avanço conhecido esta semana:
dezanove: Ter filhos sempre foi um projecto de ambas ou foi algo que surgiu mais recentemente?
Márcia: No meu caso sempre fez parte dos meus planos e sempre quis muito ser mãe.
Ana: Eu fui amadurecendo a ideia com o tempo, até decidirmos avançar.
Atravessaram duas vezes a fronteira para recorrer à PMA, uma realidade acessível a todas as mulheres desde 1988. Podem descrever alguns pormenores? Como foram recebidas pelos clínicos?
Fizemos primeiro uma pesquisa sobre as clínicas espanholas que também estivessem representadas em Portugal, o que nos levou até à clínica IVI, em Sevilha, uma vez que era a mais próxima. Fomos muito bem recebidas pelo corpo clínico, até porque eles estão muito habituados a receber mulheres de outros países onde não é possível recorrer à PMA. Explicaram-nos o processo desde o primeiro momento e acompanharam-nos de uma forma muito próxima.
O que vos diziam familiares e amigos em vosso redor? Incentivavam ou tinham outro tipo de reacções?
Os amigos mais próximos incentivaram-nos muito, no entanto acabámos por não incluir grande parte da nossa família no processo.
Márcia: No meu caso, sabia que, por motivos religiosos, a família mais directa não iria apoiar-nos, com excepção dos meus irmãos que estão sempre presentes.
Ana: Eu preferi resguardar-me mais e manter alguma discrição.
Têm uma ideia de quanto dinheiro despenderam em todo este período?
Gastámos cerca de cinco mil euros, entre consultas, exames, medicação, tratamento, refeições, alojamento, combustível e as duas inseminações.
Foram duas vezes a Espanha tentar engravidar e ambas as tentativas falharam. Como se sentiram?
Sentimo-nos tristes, desapontadas, frustradas e houve alguns momentos em que nos sentimos completamente devastadas porque o investimento financeiro, mas principalmente emocional foi muito grande e foi extremamente difícil lidar com o sentimento de perda. A clínica IVI em Espanha disponibilizava uma psicóloga, mas a distância dificultava o facto de poder recorrer a esse apoio.
Como receberam a notícia de ontem da aprovação em grupo de trabalho parlamentar da PMA e cuja aprovação em plenário deverá acontecer já agora em Maio?
Ficámos muito felizes por este pequeno passo, no entanto só vamos festejar quando a lei sair em Diário da República. Gostamos de pensar que motivámos o debate na sociedade e que contribuímos para este desfecho.
Vão tentar aceder à PMA novamente?
Neste momento as condições financeiras não são as melhores e ainda não recuperámos emocionalmente do desgaste ao qual fomos sujeitas. Acreditamos que ao ser possível recorrer à PMA em território português, o processo será mais fácil, menos dispendioso e poderemos vir a colocar essa hipótese novamente.
E se recorrerem à PMA, preferem a um dador anónimo ou alguém vosso conhecido?
Preferimos um dador anónimo.
O projecto de maternidade de gestação conhecido "barrigas de aluguer" não será aprovado neste momento. O que pensam sobre este assunto? Os casais de gays, por exemplo, não deveriam também aceder a essa possibilidade?
Nós somos totalmente favoráveis a esse projecto, tanto no que diz respeito a casais gays, como a qualquer outra pessoa que necessite de recorrer a esse método.
Entrevista de Paulo Monteiro
Fotos: Márcia e Ana