Menopausa e Andropausa nas relações LGBTQIA+: Desafios, curiosidades e o silêncio que precisa de ser quebrado
O tempo passa para todas as pessoas, mas nem todas vivem os efeitos da idade da mesma maneira. A menopausa e a andropausa são fases naturais do envelhecimento, mas a forma como são experienciadas e discutidas varia muito dependendo do género, da orientação sexual e do contexto social. Para a comunidade LGBTQIA+, essas mudanças trazem desafios particulares que raramente são abordados, seja pela falta de estudos, seja pelo tabu que ainda envolve o tema.
O silêncio sobre a menopausa e a andropausa na comunidade LGBTQIA+
O discurso tradicional sobre envelhecimento foca-se, quase exclusivamente, em pessoas heterossexuais e cisgénero. A menopausa é discutida como um marco na vida de mulheres cis, enquanto a andropausa é frequentemente tratada como um mito ou apenas uma questão de perda de testosterona nos homens cis. Mas onde ficam as vivências de pessoas trans, não binárias e intersexo? E como estas mudanças hormonais afectam as relações queer?
A falta de representação não significa que a menopausa e a andropausa não existam na comunidade LGBTQIA+. Significa, sim, que muitas pessoas atravessam essas fases sem informação, sem apoio adequado e, muitas vezes, sem médicos preparados para atender às suas necessidades específicas.
Menopausa: muito além das mulheres cisgénero
A menopausa acontece em qualquer pessoa com ovários, mas a experiência pode ser bastante diferente conforme a identidade de género e o contexto social.
Mulheres lésbicas e bissexuais podem enfrentar desafios distintos nas relações. Quando ambas as parceiras passam pela menopausa ao mesmo tempo, os sintomas podem ser amplificados. Por outro lado, há mais empatia e compreensão mútua sobre as mudanças no corpo, no desejo e na energia.
Homens trans e pessoas não binárias que foram designados como mulheres ao nascer também passam por mudanças hormonais similares à menopausa. Aqueles que fazem terapia hormonal com testosterona muitas vezes deixam de menstruar precocemente, mas isso não significa que estejam imunes às ondas de calor, às mudanças de humor ou à redução da densidade óssea. Para muitos, os sintomas podem ser agravados por sentimentos de disforia de género.
Pessoas intersexo podem viver a menopausa de forma ainda mais complexa, já que muitas não tiveram um desenvolvimento hormonal típico e podem experienciar sintomas de forma imprevisível.
Andropausa: muito mais do que perda de testosterona
Ao contrário da menopausa, a andropausa é um processo mais gradual, mas os seus efeitos não devem ser ignorados. Embora a queda nos níveis de testosterona aconteça em todos os homens com o tempo, nem todos sentem sintomas significativos. No entanto, quando ocorrem, podem incluir fadiga, perda de massa muscular, alterações de humor, dificuldades sexuais e uma sensação de desmotivação geral.
Homens gays e bissexuais podem sentir que a andropausa afecta a sua autoestima e o desejo sexual. Como a aparência e a performance sexual ainda são bastante valorizadas dentro de alguns círculos da comunidade gay, o envelhecimento pode ser vivido com ansiedade e pressão social.
Homens trans que fazem terapia hormonal com testosterona podem não experienciar a andropausa da mesma forma que homens cis. No entanto, ajustes na dose de testosterona com a idade podem influenciar o bem-estar emocional e físico.
Impacto na sexualidade e nas relações queer
Uma das maiores preocupações sobre menopausa e andropausa é a forma como afectam a sexualidade. Mas, ao contrário do que muitos pensam, estas fases não significam o fim da vida sexual – apenas uma transformação.
A libido pode diminuir, mas isso não significa ausência de desejo. O prazer continua a ser possível, e explorar novas formas de intimidade pode fortalecer as relações.
Mudanças na resposta sexual exigem adaptação. Secura vaginal em mulheres e pessoas com vaginas, dificuldades de erecção em homens e alterações na sensibilidade podem ser desafios, mas há soluções médicas e comportamentais para gerir esses sintomas.
O diálogo e a empatia tornam-se ainda mais importantes. Em relações queer, onde muitas vezes já houve a necessidade de desconstruir padrões de género e sexualidade, pode haver mais flexibilidade para encarar estas mudanças sem culpa ou vergonha.
Mitos e curiosidades sobre menopausa e andropausa na comunidade LGBTQIA+
“A menopausa e a andropausa matam a vida sexual.” Mito. O desejo pode mudar, mas não desaparece. A descoberta de novas formas de prazer é uma possibilidade real.
“Só mulheres cis passam pela menopausa.” Falso. Homens trans, pessoas não binárias e intersexo também vivem processos similares.
“A andropausa é só uma desculpa para vender suplementos.” Nem sempre. Embora nem todos os homens sintam sintomas graves, a queda hormonal pode afetar o bem-estar emocional e físico.
“Homens trans que fazem testosterona nunca vão ter sintomas da menopausa.” Falso. A gestão hormonal a longo prazo precisa de acompanhamento médico, e sintomas podem surgir dependendo dos ajustes na dose.
A importância de falar sobre estes temas
Menopausa e andropausa ainda são temas pouco discutidos, tanto na sociedade em geral quanto dentro da comunidade LGBTQIA+. O envelhecimento, por si só, já enfrenta estigmas e invisibilidade, e quando somado às mudanças hormonais e às particularidades das identidades de género e orientações sexuais, torna-se um desafio ainda maior.
Garantir que estas questões sejam abordadas com seriedade e representatividade é essencial para promover saúde, bem-estar e qualidade de vida. Mais do que nunca, é necessário diálogo, investigação e profissionais de saúde preparados para atender às diversas realidades da comunidade LGBTQIA+. O envelhecimento não deve ser sinónimo de solidão ou incerteza, mas sim de novas descobertas e de um caminho percorrido com dignidade, respeito e orgulho.
Letícia David, Psicóloga