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"Mr. Loverman" ou “e se a vida começasse aos 70?”  

mr loverman livro

"Mr. Loverman" é a mais recente obra de Bernardine Evaristo a chegar a Portugal pela chancela da  Elsinore. Natural do Londres, filha de mãe britânica e pai negeriano, Bernardine Evaristo é poetisa,  autora de contos e peças de teatro, conhecida pelos seus romances que lhe valeram a distinção de  primeira escritora negra a receber o British Book Awards 2020 com a obra “Girl Woman Other”. Através da sua escrita ousada, provocativa e hilariante Bernardine mostra o seu comprometimento activista em dar a conhecer a cultura e diásporas africanas ao qual "Mr. Loverman" não deixa de ser  exemplo. 

Numa altura em que assistimos ao aumento da violência e intolerância motivada por  comportamentos racistas, xenófobos, LGBTQI+fóbicos, quer no espaço digital como nas diferentes  geografias contemporâneas, "Mr. Loverman" mostra-nos alguns dos preconceitos, tabus e medos que  continuamos a enfrentar em sociedades democráticas e pró-direitos LGBTQI+. A começar pela  desigualdade de género, raça, sexualidade e, mais especificamente, pelo retrato interseccional destas  categorias com a ideia de que os corpos “seniores” não possuem práticas ou prazer sexual, o factor  sexualmente limitador idadista associado à perda da líbido. 

Mas, e se a vida começasse na realidade aos 70 anos? E se a vida começasse após décadas do  despertar das sombras e perseguição social? Esta é a hipótese que os dois septuagenários desta  narrativa nos colocam. Barry Walker e Morris de La Roux, naturais de Antigua, a viver em Londres  desde os anos 1960, escancaram a dura realidade que é ser LGBTQI+ numa fase da vida em que se  dissociam quaisquer práticas afecto-emotivas, sexuais ou de prazer físico do comportamento  humano. Uma história que nos dá conta das dificuldades da descoberta e “coming out” para quem  nasceu, cresceu e descobriu a sua sexualidade numa geração e sociedade onde os comportamentos  sexuais e de género eram fortemente vigiados, regulados e punidos pelas estruturas de controlo  social que definiam “a norma” sexual como reprodutiva e heterossexual. 

Em "Mr. Loverman" conhecemos não só a relação proibida de Barry e Morris, um relacionamento  amoroso com mais de 60 anos, assim como da necessidade em construirem vidas paralelas ao seu  romance onde fossem socialmente reconhecidos e afastassem os perigos de um passado marcado  pela escravatura e perseguição racial. Para isso, teriam de encenar o protótipo masculino afro caribenho. O protótipo de uma masculinidade viril, trabalhadora, chefe de família, que mostra ela  própria não só ser conservadora, como tóxica e patriarcal.  

Flutuando entre o ponto de vista de Barry e de Carmel, a mulher com quem o protagonista casara e  tivera duas filhas diametralmente opostas, a narrativa é contada de forma a percebemos as  consequências que este casamento de “fachada” trouxe a cada elemento da família. Entre as  aventuras e desventuras de um amor proibido que se fazia cumprir em encontros às escondidas,  Bernardine, mostra-nos ao longo do livro a sucedânea de episódios que levariam a uma ruptura  inevitável da estória até ao grande momento da sua reviravolta. Uma reviravolta que embora  desejada desde o inicio da estória não deixa de surpreender o leitor mais atento e dedicado. Através  de diferentes provocações, entre o uso do drama e recurso ao humor, Bernardine desafia-nos através  da sua escrita à subversão de preconceitos e normas socialmente instauradas, mostrando-nos a força  transformadora dos afectos, da esperança e da coragem para o salto emancipatório da humanidade. 

 

Editor: Elsinore 

Idioma: Português 

Dimensões: 154 x 233 x 22 mm 

Encadernação: Capa mole 

Páginas: 336 

Classificação Temática: Romance 

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.