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"NÓS XS INADAPTADXS. Representações, Desejos e Histórias LGBTIQ na Galiza" 

livro INADAPTADXS

O livro "NÓS XS INADAPTADXS" publicado pela Através Editora propõe-nos um desafio: desconstruir conceitos,  rever padrões e abrir espaço para novas narrativas. A citação inicial – “Não me  defina, não foque os seus medos em mim, reveja conceitos e assuma que somos  assim” – resume perfeitamente esta obra, que recusa a imposição de rótulos e  questiona o conformismo perante o padrão heteronormativo. 

O prólogo, escrito pela activista portuguesa Daniela Bento, acrescenta um olhar  pessoal e profundo ao abordar a vida queer como um constante equilíbrio entre o  "eu" interior e o “eu” exterior. A sua visão sobre o livro como uma ponte de debate  entre Portugal e Galiza reforça a nossa ligação ibérica. 

Dividido em seis partes – Mapeamentos, Desafios, Percursos, Arquivos,  Linguagens e Colectividades, o livro apresenta uma análise rica e diversificada da  cultura queer galega. Em Mapeamentos, destaco as dificuldades que os escritores  queer enfrentaram, muitas vezes silenciados ou compreendidos superficialmente  pela crítica, onde a orientação sexual dos autores era mais relevante do que sua  obra. Por consequência, a identidade de género era um tema explorado de forma tímida, revelando a necessidade de um debate mais profundo. 

No campo artístico, o livro apresenta também uma realidade desafiadora. Realço a influência do corpo docente da Faculdade de Belas Artes de Vigo, em que 50%  do mesmo vinha de fora da Galiza, e tinham um foco importante nas questões  relacionadas com género, feminismo, identidade sexual. No entanto faltava-lhes um compromisso com a cultura galega. O que origina uma tensão entre a cultura  local e a necessidade de abordar questões globais de género e identidade sexual.  

Saliento também as artes cénicas, revelando-se um terreno fértil para a  desconstrução de papéis de género. A prática cénica é descrita como um espaço  lúdico, onde o humor e a irreverência são usados para romper preconceitos. Experiências como a proposta de Natalia Outeiro, Patricia de Lorenzo e Fany Bello,  na qual convidam um grupo de mulheres a assumirem papéis masculinos,  revelam o género como uma construção social, susceptível de ser modificada. 

A crítica de Gracia Trujillo à visão que a sociedade tem das minorias sexuais como  meras cópias defeituosas do modelo heterossexual é particularmente perspicaz.  Esta observação denuncia a persistência de um sistema que marginaliza e inferioriza aquilo que não compreende, algo que a obra combate ao proporcionar  voz e espaço a essas narrativas. 

Outro ponto relevante são as referências a Portugal e Lisboa, que ampliam a  discussão e conectam as lutas LGBTIQ galegas a um contexto mais amplo. Esta  abordagem transfronteiriça enriquece o livro, fomentando trocas culturais e debates essenciais, como refere Daniela Bento. 

Visto que tive um percurso académico ligado as artes, para mim, tem bastante  importância o poder transformador da arte e da cultura na desconstrução de  normas e na promoção da diversidade, um ponto essencial para o progresso social. 

"NÓS XS INADAPTADXS" é um convite à reflexão, ao debate e à acção. Com uma  abordagem interseccional e inclusiva, a obra desafia o domínio heteronormativo,  propõe novas narrativas e reforça a importância de espaços artísticos e culturais  na construção de uma sociedade mais plural e justa. Trata-se de uma leitura  essencial para quem deseja entender, desconstruir e contribuir para um mundo  onde a diversidade não seja apenas tolerada, mas celebrada.

 

Sara Correia