Nova edição de "Para acabar de vez com Eddy Bellegueule” de Édouard Louis
“As injúrias acompanhavam os socos, e o meu silêncio, sempre. Paneleiro, bicha, rabeca, maricas, panasca, roto, larilas… ou o homossexual, o gay. Às vezes cruzávamo-nos nas escadas a abarrotar de estudantes, ou noutro sítio, no meio do pátio. Não me podiam bater à vista de todos, não eram assim tão estúpidos, poderiam ser expulsos.”
Esta é a estória de Eddy Belleguele, um jovem adolescente natural da região rural de Picardia, norte de França, que entre os finais da década de 1990 e inícios dos anos 2000, nos é retratado entre as aventuras e desventuras de uma adolescência vivida em conflito, desvelando algumas das memórias pessoais do jovem autor Édouard Louis. Neste seu primeiro romance, que lhe valera reconhecimento da crítica internacional com apenas 19 anos, Édouard Louis mostra-nos através de Eddy Belleguele, mais do que um jovem “com nome duro” mas, a partir da personagem, o retrato de uma sociedade rural monótona, marcada pela miséria, pela ignorância, pelo tabu, pela falta de perspectivas que acabariam por conduzir e justificar uma infinidade de formas de violência que determinariam o rumo da vida deste jovem.
Eddy, mostrava desde cedo ser um jovem diferente de todos os da sua aldeia. A sua expressão e fascínio pelo feminino, o furto das roupas e acessórios da irmã às escondidas da família, aquando os escassos momentos de liberdade em casa, a delicadeza dos seus gestos e forma de se exprimir, a paixão e dedicação pelo teatro como fuga aos hábitos masculinos daquela idade, valiam-lhe a desvantagem de tratamento pela sua família e pelos colegas de escola. Entre humilhações, ameaças e a irremediável incompreensão dos seus pais, com um pai alcoólico irascível e, sua mãe, cansada e alheada pela rotina doméstica, acrescia-lhe o bullying e perseguição homofóbica na escola. Entre puxões de cabelo, pontapés e escarros na cara, os ecos dos corredores da escola eram preenchidos por insultos como “paneleiro”, “bicha”, “rebeca”, “maricas”, “roto”, “larilas”, sancionatórios da sua fraca expressão masculina.
Posto isto, Eddy mostra crescer preso a uma contradição entre a estima e o repúdio da pessoa que se via tornar. Entre o desejo de descoberta do seu corpo e sexualidade, por contraste ao asco e vergonha de um quotidiano repressivo, que o olhava com estranhamento, que lhe dizia que a homossexualidade era abjecta, nojenta, enferma, motivo de condenação em vida e na morte, conduzindo-o ao inferno. Para se proteger, a personagem começa a mostrar ser alguém que não é. Por medo das suas inclinações femininas, encena comportamentos de masculinidade predatória, afirma o seu ódio pela homossexualidade, procura relações heterossexuais que despreza, de forma a agradar a família e a ser reconhecido pelos colegas. A busca pela liberdade e reconhecimento, marcada pelos códigos de feminilidade e masculinidade que a família lhe incutia, levariam à fuga e repressão da sua identidade, inclusive a sexual.
A estória de Eddy poderia ser a minha estória. Poderia ser também a tua. A adolescência, período de descoberta, de mudanças físicas, psicológicas e sociais, de transição da juventude para a maioridade, é muitas vezes vivida como um momento de crise, especialmente quando os jovens revelam diversidade sexual, de género, racial, classe ou outra. No lugar da auto-estima e do amor próprio, com o expectável apoio familiar e rede de amizades, surge um vazio emocional, sintomas de depressão, isolamento social, fruto da pressão social relativamente aos seus papeis de género, às formas de violência experimentadas na escola e em casa, determinando a forma como vivem e experienciam o mundo. O próprio contexto e condição social, mostram a influência de como se descobre e experiência a homossexualidade. Esta não é meramente a estória de descoberta da sexualidade de Eddy Belleguele mas, um esboço de uma classe social afectada pela pobreza e desemprego, do uso do álcool e violência doméstica, da falta de acesso a cuidados de saúde familiar e reprodutiva, sobre os estereótipos relativos à “diferença”, do racismo, xenofobia e homofobia, do retrato da região Norte de França nos finais daquele séc. XX que, poderíamos dizer, não estar assim tão distante de um Portugal dos dias de hoje.
A estória de Eddy poderia ser a minha estória. Poderia ser também a tua. A adolescência, período de descoberta, de mudanças físicas, psicológicas e sociais, de transição da juventude para a maioridade, é muitas vezes vivida como um momento de crise, especialmente quando os jovens revelam diversidade sexual, de género, racial, classe ou outra.
Esta é uma obra que nos faz pensar na importância da adolescência enquanto momento de aprendizagem e descoberta da diversidade, de respeito pela diferença, da procura e invenção da liberdade individual.
Um esboço de uma classe social afectada pela pobreza e desemprego, do uso do álcool e violência doméstica, da falta de acesso a cuidados de saúde familiar e reprodutiva, sobre os estereótipos relativos à “diferença”, do racismo, xenofobia e homofobia, do retrato da região Norte de França nos finais daquele séc. XX que, poderíamos dizer, não estar assim tão distante de um Portugal dos dias de hoje.
Uma leitura que promete fazer-te sair do teu lugar de conforto agora editada com a chancela da Elsinore do grupo editorial Penguin Random House.
Daniel Morais