“O amor vence sempre”: A polémica em torno do casamento do Militar da GNR António Rebelo com Hugo Oliveira, DJ e produtor de música
A aprovação da lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal conta já com 12 anos. Foi a 5 de Junho de 2010 que a Lei 9/2010 entrou em vigor, tendo a 7 de Junho desse ano sido celebrado o casamento entre Helena e Teresa, o primeiro casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal.
Segundo dados oficiais do INE, nos últimos anos o número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo mostrou ter disparado, tendo em 2021 sido registados 549 casamentos, num total de 5100 casamentos nos últimos 11 anos.
Também, segundo os dados estatísticos o número de casamentos civis entre pessoas do sexo masculino mostra ser tendencialmente maior do que entre casais do sexo feminino, tendo em 2021 sido registadas 287 uniões masculinas face às 262 femininas.
Em Setembro deste ano tornou-se pública a notícia do enlace entre o militar da GNR, António Rebelo, e o seu companheiro, o DJ Hugo Hasani. Uma decisão que mostrou ser tomada após quatro anos do casal viver em união de facto, afirmando o casal que “o amor vence sempre”.
Sendo conhecidas as dificuldades que a comunidade LGBTQIA+ continua a enfrentar nos tempos correntes, da falta de adequação entre a Lei e as práticas sociais, da cultura machista, misógina e patriarcal presente em tantas profissões, entre as quais as mais masculinizadas, decidimos desafiar António Rebelo a responder a algumas questões sobre o impacto deste acontecimento na sua vida pessoal e profissional.
dezanove: Ao longo da vida as pessoas LGBTQIA+ passam por diferentes processos de coming out perante a esfera social e privada. Como descreves o teu processo de coming out perante a família/amigos e no trabalho?
António Rebelo: Nunca tive qualquer problema em “sair do armário”, embora tenha esperado 8 anos para o fazer… Tive uma relação com outro homem durante todo esse tempo, e ele não queria “sair do armário”, respeitei! Alguns meses depois de terminar essa relação, conheci o meu marido Hugo, que já era “assumido”, então não tive mais a necessidade de continuar no “armário”. Agi naturalmente, sempre apresentei o Hugo como meu namorado a toda a gente, para uns foi surpresa, para outros não… mas toda a gente, amigos, família e colegas de trabalho na GNR reagiram com naturalidade e respeito. O meu marido Hugo foi bem recebido por todos.
Sentes que tua orientação sexual pode ter causado algum constrangimento enquanto militar da GNR?
A mim não causou nenhum constrangimento, sou a mesma pessoa que sempre fui, e as relações de amizade que tinha, continuaram da mesma forma. Ninguém que já me conhecia, agiu de forma diferente depois de saber que sou homossexual e vivo com outro homem. Na GNR continuo a desempenhar as mesmas funções que desempenhava antes, nada mudou, os colegas que lidam comigo diariamente em nada mudaram o seu comportamento para comigo. Constrangimento causou a algumas pessoas que se manifestaram nas redes sociais, talvez não por ser mais um simples casamento gay. Mas por ter sido um casamento gay, em que um dos noivos é militar e casou fardado. Mas quanto a isso lidamos bem, ignoramos completamente.
Enquanto militar da GNR sentes que os profissionais estão preparados para lidar com as questões de género/LGBTQI+?
Embora já tenha pensado que não, sim, estão. Na minha opinião, basta viverem de perto esta situação. Passo a explicar; de todos os que trabalham nas mesmas instalações que eu, todos agem com a maior e esperada naturalidade. Mas quando o nosso casamento foi notícia, houve comentários de colegas nas redes sociais, menos agradáveis. Talvez, penso eu, por não lidarem com isso de perto, então é fácil falar quando não se conhece as pessoas em questão pessoalmente.
Para lidarem com as questões de género/LGBTQI+ da população civil, sim, também estão preparados, se alguém necessitar de ajuda, sim, pode e deve dirigir-se a um Posto da GNR ou Esquadra da PSP.
Num ano em que se assinalam os 40 anos da despenalização da homossexualidade em Portugal, quais achas serem os maiores desafios para esta população no país?
Os maiores desafios, penso que não os há no geral, pois em casos pontuais, vai sempre haver “alguém do contra”, mas no geral penso que não há. Ser LGBTQI+ em Portugal não é novidade nenhuma, temos legislação específica para nos defender “dos casos” pontuais. A população portuguesa no geral, já não quer saber se a nossa sexualidade é diferente da maioria.
Mas talvez haja um grande desafio e único! Não permitir que os direitos conquistados ao longo das últimas décadas se percam com populismos. Pois são esses direitos conquistados que nos permitem viver normalmente como qualquer cidadão pleno de direitos e deveres em democracia.
Daniel Santos Morais
Mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.