Sob o pseudónimo de Laure Angstelle, Brossard narra a história de Mélanie, uma adolescente de 15 anos que vive entre o motel, adquirido e renovado pela sua mãe, Kathy Kerouac, e o seu carro, com o qual percorre o deserto. O motel, um local tipicamente de passagem, constitui o seu universo familiar, onde vive com a mãe e companheira. Nas travessias pelo deserto, Mélanie vivencia tanto a nostalgia e o medo quanto a bravura e a necessidade de descoberta, típicas da adolescência.

Na obra, predominam personagens femininas independentes: a mãe, que gere o motel; Lorna, que movimenta o seu corpo musculado pelos espaços; e Angela Parkins, cujas ideias fortes são uma presença constante no motel. Estas personagens conferem à obra uma dimensão tanto feminista como lésbica. O erotismo lésbico está evidenciado entre as personagens, como na relação entre a mãe de Mélanie e Lorna:

“Durante as trovoadas, Kathy Kerouac fica com medo e aninha-se nos braços de Lorna Myher. Então, conversam de perfil (...) as mãos entrelaçadas como que para exorcizar o medo impreciso de Kathy Kerouac, o tremor do corpo musculado de Lorna Myher.”

Também no olhar de Mélanie sobre Angela Parkins:

“Há olhos postos em cada um dos nossos movimentos, dos nossos olhares. A beleza está suspensa, a beleza que precede a realidade. Angela Parkins canta apaixonadamente (...), a boca arredondada pelos sons estridentes. As suas mãos dão reviravoltas por cima das nossas cabeças. A palma das nossas mãos, por vezes, a sua mão desliza pelas minhas ancas, por vezes, os nossos dedos acrobatas e aéreos agarram-se como que para enrolar o sentido dos sons por cima das nossas cabeças, ali à nossa volta, por vezes o seu olhar, a sua face.”

Uma outra dimensão presente na obra é a da linguagem, representada pela personagem Maude Laures, através da qual Brossard traduz a sua própria história. Esta personagem releva a componente interpretativa da palavra e o fascínio de quem a lê, Maude Laures por quem escreve, Laure Angstelle.

"O Deserto Malva" foi uma sugestão que, para minha surpresa, se revelou certeira. Por esse motivo, deixo aqui também esta recomendação: trata-se de uma obra que, de forma despretensiosa e subtil, explora com profundidade o universo feminino.

Daniela Alves Ferreira