O discurso de ódio não é liberdade de expressão
Estamos no mês do orgulho LGBTQI+, um mês em que por todo o mundo são diversos os eventos que celebram o orgulho e cultura LGBTQI+. São também, neste contexto de celebração da diversidade, das lutas e direitos alcançados, que surgem inúmeras expressões de intolerância e de ódio contra o reconhecimento legal das pessoas LGBTQI+.
Circulando entre a comunicação social, o espaço online e as redes sociais, o uso de expressões estereotipadas, de representações negativas contra determinados grupos sociais, por via do género, orientação sexual, religião, etnia, cor ou nacionalidade, mostram favorecer um ambiente público de desordem e desinformação, onde são normalizadas as formas de violência e desigualdade contra grupos historicamente marginalizados.
Nos últimos dois anos de pandemia vimos o agravar das desigualdades em todo o mundo e, sob especial medida, sobre as pessoas LGBTQI+. Expostas a ambientes de violência, privadas de recursos fundamentais como a saúde e a habitação, demonizadas como vectores da doença, as vidas das pessoas LGBTQI+ mostraram servir de combustível ao ódio. Mais recentemente, a comunicação do vírus Monkeypox na comunicação social, desvelou o estigma existente contra homossexuais, associando uma vez mais a orientação sexual a uma doença. Um estigma que facilmente nos lembra o flagelo do VIH SIDA e a perseguição às pessoas LGBTQI+.
Nos últimos dois anos de pandemia vimos o agravar das desigualdades em todo o mundo e, sob especial medida, sobre as pessoas LGBTQI+.
As pessoas trans, não binárias e de género diverso, mostram ser um alvo preferencial ao discurso de ódio online. Lado a lado com o crescendo das forças de extrema direita e de grupos anti-“ideologia de género”, constrói-se a abjecção e não reconhecimento da fluidez ou não conformidade de género, apontando-a como uma “grave perturbação mental” e defesa das “terapias de conversão” LGBTQI+. As formas de violência são naturalizadas e reproduzidas através da procura de uma “cura” para o que não é doença.
Considerando a vulnerabilidade e discriminação social que estas pessoas estão sujeitas, o risco de suicídio mostra ser proporcionalmente maior quando comparadas com a população heterossexual. A perseguição e bullying online, os comentários e piadas negativos, a violência LGBTQI+fóbica não só alimentam o medo, a vergonha, o isolamento social destas pessoas, como as matam.
A perseguição e bullying online, os comentários e piadas negativos, a violência LGBTQI+fóbica não só alimentam o medo, a vergonha, o isolamento social destas pessoas, como as matam.
Existe uma linha ténue entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio. O argumento da liberdade de expressão deve ser reconsiderado quando mostra colidir com a salvaguarda da dignidade e integridade do próximo. O preconceito disfarçado de liberdade de expressão não deixa de ser preconceito. Em Portugal as condutas de ódio e discurso de ódio são punidas com pena de prisão pelo Código Penal, no entanto, o aperfeiçoamento e robustecimento legal nesta matéria, especialmente quando falamos da motivação ao ódio na esfera digital, mostra ser mais que necessário, urgente.
O preconceito disfarçado de liberdade de expressão não deixa de ser preconceito. Em Portugal as condutas de ódio e discurso de ódio são punidas com pena de prisão pelo Código Penal, no entanto, o aperfeiçoamento e robustecimento legal nesta matéria, especialmente quando falamos da motivação ao ódio na esfera digital, mostra ser mais que necessário, urgente.
Importa reconhecer o discurso de ódio como um perigo para todos. Um perigo que paira sobre as liberdades democráticas, no acesso e participação plena na sociedade (online/ offline), na desconfiança sobre os canais de comunicação e informação na partilha de “fake news”, do risco da polarização dos discursos e narrativas promotoras da violência e marginalização social, da erosão dos princípios de solidariedade e igualdade que regem os direitos humanos. Importa, portanto, denunciar as condutas de ódio de forma a combater e prestar apoio às vítimas que sofrem deste tipo de violência.
O Observatório do Discurso de Ódio, criado pelo Conselho Europa, mostra esta iniciativa internacional, a “No Hate Speech Movement”, em denunciar o discurso de ódio e respeito pelos direitos humanos, promovendo ainda um conjunto de ferramentas para a literacia digital e mediática que combatam o fenómeno.
Parafraseando um dos rostos de Stonewall, Marsha P. Johnson dizia: “Quantos anos as pessoas levarão para perceberem que somos todos irmãos e irmãs e seres humanos na raça humana?”.
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+ e activista pelos Direitos Humanos.
Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.