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O João não é meu amigo, o João é meu namorado

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Um raio de luz caminha em pés de lã pelo quarto. Os lençóis emaranhados escondem-se no lusco-fusco. A cama adormecida protege uma massa de dois corpos colados. Umas mãos seguram um tabuleiro decorado com comida. Bom dia, meninos. A voz da tua mãe abraça-nos. Depois do pequeno-almoço, desçam. Sim, mãe. Dizem os teus braços enquanto seguram o meu corpo no teu. Estamos em Abril. Somos namorados há quatro meses. Não quero sair desta cama. Não vou sair desta cama. Não saio desta cama. Nesta cama dorme o amor. 

No amor, caminham uns pés que uma noite foram cruxificados. A palavra amor não insulta a divindade, mas foi a sua sentença. Blasfémia. Disseram eles. Blasfémia. Os braços abertos choram o sangue dos pregos nos pulsos, até à última gota. Sem lençóis, braços ou tabuleiros, ao terceiro dia ressuscitou. 

Um raio de luz gesticula em mãos de lã à minha frente. A tua mãe está sentada na nossa cama. É fim-de-semana de Páscoa, a tua mãe tem saudades tuas. Diz-me a tua mãe. Não quero sair desta cama. Não vou sair desta cama. Não saio desta cama. Da cama saímos os três, em direcção à Beira Alta. As tuas mãos no volante, a tua mãe ao teu lado e eu atrás. Nesta sexta-feira, deixo a tua cama e sento-me no sofá da minha mãe. A minha mãe segura um tabuleiro decorado com chá. Sentas-te ao seu lado. Conversamos os quatro. Ele estava a passar o fim-de-semana com o João, mas é fim-de-semana de páscoa. Diz a tua mãe. É fim-de-semana de Páscoa. Diz a minha mãe. Despeço-me de ti, na consciência que depois deste fim-de-semana, tudo será diferente. 

Diferente. Sou diferente. Digo à minha mãe, na coragem de quem não pretende continuar a deitar-se na tua cama em segredo. Diferente, como? O João não é meu amigo, o João é meu namorado.

Diferente. Sou diferente. Digo à minha mãe, na coragem de quem não pretende continuar a deitar-se na tua cama em segredo. Diferente, como? O João não é meu amigo, o João é meu namorado. E eu quero uma mãe. Tenho sempre medo. Tenho sempre vergonha. Choro em silêncio e nunca me deste um abraço. Pela primeira vez, os braços abertos choram o amor dos meus braços. O sofá envergonhado protege o nosso abraço. O teu avô nunca me abraçou. A tua avó nunca me deu um beijo. Não fui criada assim. Não falávamos sobre estas coisas. Naquele tempo tudo era diferente. Diferentes, ficamos nós, depois destes três dias. Quero falar-te de mim. Quero ouvir de ti. Quero contar-te os meus segredos e os meus sonhos. Não quero ter medo. Quero o teu abraço e quero o teu beijo. Quero sentir-me ao teu colo, todos os dias, como era quando estava nos teus braços. Quero uma mãe. Quero uma mãe de verdade e quero ser teu filho. Limpo as tuas lágrimas, ao som de todas as promessas que fazemos. Eu sou o mesmo e sou o teu filho. Tu és o mesmo e és o meu filho. Neste dia, a minha mãe ganhou um filho e eu ganhei uma mãe. 

Quero falar-te de mim. Quero ouvir de ti. Quero contar-te os meus segredos e os meus sonhos. Não quero ter medo. Quero o teu abraço e quero o teu beijo. Quero sentir-me ao teu colo, todos os dias, como era quando estava nos teus braços. Quero uma mãe. Quero uma mãe de verdade e quero ser teu filho. Limpo as tuas lágrimas, ao som de todas as promessas que fazemos. Eu sou o mesmo e sou o teu filho. Tu és o mesmo e és o meu filho. Neste dia, a minha mãe ganhou um filho e eu ganhei uma mãe. 

Uma mãe é um porto de abrigo. Uma mãe é uma casa segura. Uma mãe é um ninho em forma de braços. E a minha mãe é tudo isso, e muito mais. Não nos traz o pequeno-almoço à cama, porque não dormimos aqui. O teu pai. O teu pai não iria perceber. Dizem os seus olhos que nunca me esquecem. Mas trazem-nos todos os dias a bênção ao nosso amor. 

Amor era a palavra. A palavra não insulta a divindade, mas foi a sua sentença. Eu recebi a palavra e recebi o amor. Recebi a bênção de uma vida nova. Recebi a verdade. Matei os segredos e o medo. Um raio de luz dança hoje pelo quarto. Ao terceiro dia ressuscitei. Eu sou a ressurreição e a vida.

 

Peter Pina