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O mártir São Sebastião, padroeiro dos gays

Imagem do mártir São Sebastião.jpg

São Sebastião. Jan van Scorel, 1542, óleo sobre tela. Museu Boijmans Van Beuningen (Roterdão, Holanda)
 

A imagem do mártir São Sebastião é das que mais existem nas igrejas portuguesa, em pinturas e em esculturas, e em algumas vilas e aldeias portuguesas há mesmo festas em honra do mártir São Sebastião. Dentro das igrejas está representado como santo, mas pouca gente sabe que ele é o padroeiro dos gays. Isso não significa que ele fosse gay, provavelmente não o era, mas os gays fizeram dele o seu padroeiro. 

O mártir São Sebastião foi um santo que viveu, segundo a tradição, no século III d. C.  Descendente de uma família nobre, terá nascido em Narbona, sul de França, mas partiu com os seus pais para Milão, em Itália, onde cresceu e  onde enveredou pela carreira militar, para defender os cristãos. De Milão partiu para Roma, e o imperador Diocleciano, desconhecendo a sua religião, nomeou-o capitão general. Era querido do imperador, que o queria sempre próximo de si, ignorando que ele era cristão,  por isso fez dele capitão da sua guarda pessoal. Lembremos que na Roma antiga a homossexualidade era mais livremente vivida e aceite, e que portanto muitos imperadores romanos também tiveram sentimentos ou relações com indivíduos do mesmo sexo. No entanto, São Sebastião não terá correspondido, pois era um fervoroso cristão.

Num contexto de perseguição contra os cristãos, São Sebastião foi executado alegadamente devido ao facto de ter apoiado os cristãos na sua fé, e de o imperador ter descoberto que ele também era cristão. Foi preso ao tronco de uma árvore, quase nu, e trespassado por flechas por guardas romanos. Foi dado como morto e atirado nu a um rio, mas mesmo assim não faleceu. Encontrado e socorrido, apresentaram-no e novamente diante do imperador Diocleciano, que ordenou então que ele fosse morto de outra forma, e veio a morrer no ano de 288, em Roma. 

Durante a Idade Média São Sebastião foi muito representado na pintura, mas de forma pouco nítida. A partir do Renascimento dá-se um desenvolvimento da pintura, abrindo espaço para uma pintura que suscita um certo erotismo, como por exemplo a pintura de Miguel Ângelo, e a de Caravaggio. Em muitas pinturas e esculturas no mundo há uma  erotização das representações de São Sebastião não somente na sequência  do Renascimento, mas também ao longo da História da arte até aos dias de hoje. 

Muito artistas  foram atraídos pela história de São Sebastião e pelo olhar extático que eles presumiram que ele deveria ter no rosto, cuja expressão  se confunde entre um “êxtase místico” e a expressão de um orgasmo, como se vê por exemplo na escultura místico-erótica de Bernini, “O êxtase de Santa Teresa”.  Entre os grandes artistas que pintaram São Sebastião, temos por exemplo Botticelli, Ticiano, Pollaiuolo, Giovanni Bellini, Hans Memling, Gerrit van Honthorst, Luca Signorelli, El Greco, Honoré Daumier, John Singer Sargent e Louise Bourgeois. Mantegna o pintou três vezes, Perugino quatro vezes e Guido Reni sete vezes, entre outros. Nessas pinturas, não se trata simplesmente da representação do martírio de São Sebastião, e em algumas não parece sequer ser um santo,  mas  sim uma representação carnal de São Sebastião, servindo a religião apenas como pretexto, até porque dantes a Igreja Católica era quase a única instituição que encomendava obras de arte aos artistas.

Alguns observadores mais puritanos queixaram-se de que muitas imagens de São Sebastião, a partir do Renascimento, estavam a despertar sentimentos pouco adequados aos que as contemplavam. Ao longo da História da arte o corpo jovem, nu e atlético de São Sebastião, deu dado azo a sentimentos e a interpretações homoeróticas. Por exemplo, a flecha se tornaria um símbolo fálico e São Sebastião uma vítima voluntária. Também há quem o interprete no sentido sadomasoquista, e há ainda quem associe o seu martírio (morrer pelos seus sentimentos), ao caso de muitos homossexuais que foram martirizados ao longo da História, e como dissemos atrás, o próprio “êxtase” da expressão do seu rosto, confunde-se com a expressão de um orgasmo. Seja como for, os gays fizeram dele o seu padroeiro, e hoje ele é um dos ícones gay, conforme mostram bem os livros que sobre isso escreveram alguns autores.

São Sebastião, desde o Renascimento até hoje, é representado com porte atlético e atraente, e sua tanga a tapar-lhe o pénis é geralmente ousada, por vezes muito pequena e frágil, dando a impressão de que está prestes a tombar do corpo. Em algumas pinturas São Sebastião está mesmo completamente nu, como por exemplo na pintura que ilustra este texto. A combinação do seu físico forte e sem camisa, o simbolismo das flechas penetrando o corpo e o olhar no seu rosto de dor prazenteira, ou de prazer doloroso e arrebatador, intrigaram muitos indivíduos (gays e não gays) ao longo dos séculos, e no século XIX começou o culto explicitamente gay a este santo.  Muitos gays contemporâneos viram também em São Sebastião simultaneamente uma expressão do desejo homoerótico e um retrato típico de “armário torturado”. 

É de notar também que o mártir São Sebastião é o único santo,  representado dentro das igrejas, em que a quase nudez do corpo é permitida, pois ele foi martirizado quase nu. No entanto, embora ele lá esteja como santo, é impossível, em muitos casos, ficar indiferente à beleza e ao erotismo das pinturas de São Sebastião, e houve casos, na História da Arte, em alguns países da Europa, em que as pinturas de São Sebastião foram mesmo recusadas para ficarem dentro de igrejas, ou foram mandadas refazer, devido ao seu erotismo.  

Embora o objectivo não fosse apresentá-lo como homossexual, muitas pinturas e esculturas de São Sebastião suscitam sentimentos homoeróticos, e muitos homossexuais hoje vêem com agrado a sua presença na arte antiga,  não só nas igrejas como no recheio de palácios e no espólio de alguns museus. Em algumas pinturas e esculturas de São Sebastião, incluindo as existentes em Portugal, este santo aparece também representado totalmente imberbe, e com traços femininos, ou quase como os anjos, que tanto se parecem com indivíduos do sexo masculino, como com indivíduos do sexo feminino, e outros com a representação masculino-feminino na mesma representação artística. Em algumas pinturas e esculturas parece mais um andrógino, ou um “terceiro sexo”, do que um indivíduo do sexo masculino, por isso o mártir São Sebastião não é apenas o “patrono dos gays”, mas também uma “figura queer”. 

 

Víctor Correia