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"O meu objectivo é criar uma igualdade e um sentimento de inclusão"

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Daniel Martins afirma que o principal objectivo enquanto professor é dar a conhecer as várias formas que permitem à criança de se exprimir quer seja através do teatro, dança, canto, origami, pintura, desenho entre outras artes.
Para além deste carácter de expansão de criatividade e expressão, em cada aula incorpora um tema de sensibilização como bullying, sexualidade, identidade de género, machismo, sexismo, autoconfiança, motivação pessoal, amor próprio entre outros temas considerados tabus.
 
 
Na primeira escola que deu aulas, no Natal, deparou-se com a seguinte situação: havia apenas dois tipos de prendas, tratores para meninos e bonecas para meninas. Iniciou-se a distribuição de prendas, mas ele notou que alguns meninos não queriam o trator assim como as meninas não queriam a boneca, assim interveio dizendo que podiam fazer troca de prendas entre eles porque os brinquedos não têm género (ou assim devia ser) e que eles eram livres de brincarem com o qur quiserem.
Neste momento, dá aulas numa escola do Norte do país e está a ensaiar uma peça teatral para o Natal com a sua turma em que as personagens são agéneros, mostrando a igualdade e a integração de todos os alunos em qualquer dos papéis. Fomos perceber o papel activo dele para combater  algumas questões tabu e conhecer melhor um professor que educa para a diversidade e que quer melhorar mentalidades.
 
 

dezanove: No momento em que aceitou o cargo de Técnico de AEC de Expressões, pensou de imediato que ia ter um papel activo a cerca das várias questões como desigualdade de género, sexualidade, machismo, bullying, etc., ou foi surgindo?

Daniel Martins: A minha jornada com as crianças começou de um modo muito natural. Para ser honesto, eu nunca tive a vontade de leccionar por mais que as pessoas ao meu redor apoiassem essa ideia. Nunca foi, de todo, a minha primeira escolha, mas como tudo na vida tem um propósito, eu descobri o meu com as crianças. Este movimento de sensibilização surgiu aos poucos através da observação e da interação com os alunos. A certo ponto comecei a ver o Daniel de oito anos em muitos deles e pensei “ quando eu tinha a idade deles gostava de ter alguém mais velho a explicar-me que sou normal, que certos comportamentos, escolhas e assuntos, são normais, que eu era como os outros”. 

 

Qual é a receptividade dos seus alunos quando aborda estas questões?

Até aos dias de hoje tem sido mais fácil do que eu imaginava, mas também se deve ao facto de eu incutir os termos de uma maneira lúdica e natural. Há sempre uma excepção à regra e às vezes surge um comentário ou outro, mas, na mesma hora, tento explicar o que está errado naquele discurso e com diálogo tudo se resolve. 

 

Tendo em consideração que existe a obrigatoriedade de celebrar algumas datas importantes e estas celebrações continuam nos mesmos moldes há alguns anos, pode dar alguns exemplos das suas intervenções nestas festividades escolares?

O meu objectivo é criar uma igualdade e um sentimento de inclusão. Por exemplo, o dia do pai e dia da mãe pode ser um assunto delicado para algum aluno. Então, quando preparei as aulas para esses dias, a primeira coisa que eu fiz foi explicar às crianças que eu não iria fazer nenhuma actividade direccionada ao pai ou à mãe, mas sim à família. Utilizei este pretexto também para explicar os vários tipos de família, desde famílias compostas por apenas uma mãe, um pai, dois pais, duas mães, um pai e uma mãe, porque no fundo família não se trata de um homem com uma mulher e crianças, trata-se de amor, respeito, aceitação e educação. 

 

"O dia do pai e dia da mãe pode ser um assunto delicado para algum aluno. Então, quando preparei as aulas para esses dias, a primeira coisa que eu fiz foi explicar às crianças que eu não iria fazer nenhuma actividade direccionada ao pai ou à mãe, mas sim à família."

 

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Sei que está a ensaiar uma peça teatral com uma das suas turmas e um dos conceitos é as personagens serem sem género. Pode desenvolver um pouco o conceito e a sua motivação para criar o espectáculo?

Comecei por pensar numa peça de Natal fora do que é o básico jingle bells. Como o Natal é uma celebração cristã, decidi utilizar quatro dos sete pecados capitais: Gula, Avareza, Ira e Vaidade. Sendo um apaixonado por mitologia grega, achei que Pandora e a sua caixa com todos os males do mundo seria uma boa escolha para o herói, assim criei uma história inspirada nas mecânicas dos videojogos, onde o personagem principal luta conta o boss de cada nível. Como eu queria que o personagem principal, neste caso a Pandora, fosse representativo de toda a gente decidi transforma-la em Pandor, que não tem género. O objectivo desta peça é vermos Pandor derrotar os pecados capitais, aprisionando-os na caixa de modo a ter o melhor Natal de sempre. Ao entendermos o lado metafórico, conseguimos perceber que a peça é uma crítica à sociedade que transformou o Natal num autêntico show consumista, onde só as grandes prendas, grandes jantares, grandes decorações vistosas são o centro de tudo.

 

Por fim, quero pedir-lhe a sua opinião sobre o que devia mudar nas escolas para se iniciar o processo de desconstrução de hábitos normativos já a partir destas idades.

Na minha opinião, a primeira coisa que se devia mudar é a interacção dos professores com os alunos. Haver algum tipo de sessão aberta onde os professores pudessem ouvir os alunos e aconselhar os mesmos. Outra das ideias é a criação de seminários onde os pais e filhos são convidados para que haja um diálogo e desconstrução destes tabus, começando pela fonte da educação - os pais. 

 

Foto inicial: O mural de desenhos são recriações do quadro "A menina com um brinco de pérola" mas com a total liberdade de criatividade e escolha de género, espécie, ....

 

Entrevista de Rita Oliveira