É de quantos queres a minha Madonna?
Abre-se o origami e aparece o “live to tell” a partir dum transístor branco na cozinha, enquanto eu encharcava o lábio a sangrar, depois do soco acompanhado do enraivecido paneleiro no regresso do liceu. “A man can tell a thousand lies” mas eu já não queria contar mais nenhuma, a partir dos 16 anos.
Noutra parte do papel, no final dos 17 anos, encontro o “facts about aids” que li e reli como um missal com o “express yourself” a picar o vinil, e que da lei da morte me foi libertando numa altura em que o desejo era lei, amo e senhor. E se os 18 anos podiam ser tristes, penosos e sombrios no Portugal profundo a entrar nos anos 90, desdobrava-se o papel e dançava o “Vogue”, convicto que a felicidade é um momento e o momento era aquele.
Quantos queres? Fosse num quarto verde azulado em casa dos pais ou no negro Incógnito quando o Tó Reis abria a porta. Caloiro tardio numa faculdade de província - sem dinheiro para Lisboa ou Porto; foi com o dinheiro do traje que financiei às idas diárias ao correio para esperar o livro metalizado com espirais em metal e, pela primeira vez, achar que Ela tinha ido longe demais. Tal como o meu avô, com uma família toda sportinguista, que morreu sem perceber a fotografia que lhe enviei trajado com um emblema do Benfica na capa académica emprestada.
Quase a perdi no meu radar mas depressa me reconciliei com o “Sex”, ao som do “Justify My Love”, e assim tem sido sempre que não consigo chegar tão depressa onde Ela já nos espera: na liturgia do “Frozen”, nas palavras sem função da Bjork no “Bedtime Story” e na autoridade das palavras em “Human Nature”, na decomposição de "Hollywood" e numa segunda juventude aos 40 anos, e regressar a Coimbra para cantar a plenos pulmões “Girl Gone Wild” e reencontrar a miúda que jogou ao “Truth or Dare” com todos nós e contra todos os que queriam esconder homens aos beijos em 1991 e em 2019, querem ignorar os 61 anos duma mulher.
E ela, "rebel heart" ralada, a desdobrar o papel: Ó menino, quantos queres? Dou-te um “Crave” por um “Messiah”.
Artigo de opinião de João Carlos Martins