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O rapaz obcecado pelos namorados do João

peter pina

Uma carta. Não é um email. Não é uma mensagem. Uma carta. Um manuscrito num envelope, daqueles que encontramos dentro da caixa do correio, depois de ouvirmos, é o carteiro. As minhas mãos abrem o envelope. Sei que gostas de Madredeus e adoras o mar. Eu não reconheço aquela letra torta e envergonhada. A carta estava na caixa do correio. A carta não tem remetente. Uma carta sem remetente, não espera resposta. Sei que gostas de escrever e de ficar deitado no chão. As minhas mãos sentem o tacto de cada um daqueles caracteres. Quem é o misterioso escritor de cartas? Como é que tem a minha morada? O que é que pretende de mim?

 

Os envelopes em cima da mesa tornam-se numa torre. Toda a informação sobre mim constrói uma enciclopédia sobre a minha vida. Quero dizer ao carteiro, não coloque mais cartas na minha caixa do correio. Mas não o faço. Não o posso fazer. Estou assustado. A frase é essa. Estou assustado. 

Uma carta. Uma nova carta. Os olhos são surpreendidos por metade de um envelope debaixo da minha porta. As mãos abrem a porta. Os pés descobrem a outra metade do envelope. São mais frases que iniciam com, eu sei que tu gostas de. Uma carta. Uma nova carta. Este envelope não traz estampado no canto superior direito, um selo carimbado. O misterioso escritor de cartas esteve dentro do meu prédio. O misterioso escritor de cartas esteve junto da porta do meu apartamento. Estou assustado. A frase é essa. Estou assustado.

Em cada uma dessas cartas, o misterioso escritor de cartas menciona a lista de coincidências. Os mesmos gostos. As mesmas músicas. E mesmo o hábito de se abraçar às árvores. O misterioso escritor de cartas tem um nome. André. André é um nome. André é um nome como tantos outros. Derivado do termo "Andreas", que é derivado da palavra grega "anér" ou "andrós", que significa "homem". Nenhuma novidade até agora. E de repente, como um vento que bate um frio na cara e estala uma lâmpada, sei que já ouvi este nome. 

João, tu tiveste um namorado chamado André? Tive. Porquê? Há dois meses, que todas as semanas recebo uma carta de um André, que pretende ser a minha cópia, ou apenas assustar-me. O meu ex-namorado. O rapaz obcecado pelos meus ex-namorados. Depois do fim, eram mensagens. Depois, visitas inesperadas. Uma pergunta. Tinha sempre uma pergunta intrigante sobre os meus ex-namorados. Eu falo com ele. 

Nessa conversa, o André deixou de ser apenas o misterioso escritor de cartas. Tornou-se numas mãos frágeis fascinadas em juntar as peças de um quebra-cabeças. Um puzzle. Umas mãos, solitárias, que pareciam criar um laço imaginário com cada um dos antigos amores do João. Existia uma insistência nos detalhes. Uma tentativa de criar conexões baseadas em gostos. Um ser empenhado em moldar-se para caber em cada história, como se fosse um espelho dos amores passados de João. 

E tive pena dele. Este misterioso escritor, era agora alguém triste e rejeitado, que acreditava que ao coleccionar partes de um passado, se pudesse tornar num presente. Como se fosse possível voltar a receber o João na sua vida, ao receber partes das vidas que nele viveram. A caixa do correio está vazia. Nenhuma notícia do rapaz inseguro e obsessivo. O que será feito do rapaz obcecado pelos namorados do João? 

 

Peter Pina