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Orgulho LGBT+: de Stonewall à contemporaneidade brasileira

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Na madrugada de 28 de junho de 1969, um grupo de policiais de Nova York fez uma rotineira e violenta batida no Stonewall Inn, bar onde a hostilização e abusos policiais eram frequentes. O local reunia gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans, drag queens e outras figuras marginalizadas.

 

Nesse dia, porém, os frequentadores ficaram revoltados e decidiram resistir: foram dois dias de confrontos com a polícia, movimento que acabou se espalhando por todo o bairro de Greenwich Village.  Naquele dia, as pessoas LGBTs escancararam a violência do Estado e a apatia da sociedade perante a situação.

Foi um momento de virada em que o orgulho da nossa comunidade passou a ressignificar o lugar de marginalização e estigma no qual a sociedade havia nos colocado. Ali surgia a primeira faísca do que viria a ser o movimento LGBT contemporâneo no Ocidente.

Duas figuras são importantíssimas para entendermos as origens da mobilização: Marsha P. Johnson e Sylvia Ray Rivera.

Marsha P. Johnson foi uma drag queen negra, transgênera e ativista dos direitos da comunidade LGBT em Nova York, onde viveu a maior parte da vida e militância. Foi encontrada morta em 1992 no rio Hudson, tida como “suicída”. Foi ao lado da amiga Sylvia Ray Rivera, também drag queen e transgênera, que fundou a Frente de Liberação Gay, organização de combate à violência contra pessoas LGBTs; e a Street Transvestite Action Revolutionaries (S.T.A.R), Ação Revolucionária de Travestis de Rua, em tradução livre, dedicada a dar moradia a jovens da comunidade.

Marsha P. Johnson (à esquerda) e Sylvia Rivera (à direita)

É sempre importante citar os nomes de Marsha e Sylvia, pois o próprio movimento deu um jeito de invisibilizá-las. O estigma de serem mulheres trans, mesmo dentro da comunidade, tomou conta de tornar suas figuras ainda mais marginalizadas. Basta ver filmes que retratam Stonewall, sempre “higienizados” e liderados geralmente por homens gays brancos cisgêneros. 

O legado e a trajetória de ambas podem ser vistos no documentário “The Death and Life Of Marsha P. Johnson” (A vida e a morte de Marsha P. Johnson), disponível na Netflix.

O contexto social da época girava em torno de algumas questões: a homossexualidade era considerada doença nos Estados Unidos e na maior parte do mundo, a segregação racial era brutal e a guerra do Vietnã era o catalizador fundamental da contracultura. Uma combinação explosiva para o surgimento de uma revolução.

Foi a partir da Revolta de Stonewall que a data de 28 de junho passou a ser comemorada como o Dia do Orgulho LGBT. Na maior parte do mundo, as paradas do orgulho acontecem nesse mês, dando suporte à luta globalmente.

 

Violência: o país que mais mata travestis

De todas as pautas enfrentadas pelo movimento LGBT, a mais urgente no Brasil hoje é a violência.

Segundo o Grupo Gay da Bahia, em 2017 foram registrados 445 casos de homicídios de lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans, sendo o país que mais mata travestis no mundo. O número cresceu 30% em relação ao ano passado, que registrou 343 casos.

A instituição é uma das poucas que fazem esse levantamento no país. A contagem é realizada sem dados oficiais, pois o Estado brasileiro não tem mecanismos para esse procedimento. As ONGs que fazem esse trabalho atuam basicamente com notícias veiculadas na mídia, portanto, os números podem ser maiores.

 

O paradoxo da criminalização da LGBTfobia

Enquanto a violência motivada por ódio cometida contra pessoas LGBTs é uma questão urgente, as alternativas para resolvê-la parecem não ser unânimes nem dentro do ativismo. Nos últimos anos, a comunidade tem lutado pela criminalização da homofobia, que aqui chamaremos de LGBTfobia para incluir todas as cores do arco-íris.

Existe um projeto de lei (122/2006) no Congresso Nacional, que puniria com até cinco anos de cadeia os crimes de injúria, humilhação e agressão verbal contra os LGBTs, em termos parecidos com os da lei contra o racismo.

O debate sério levantado é: prender é a melhor alternativa? Será que não é possível resolver a violência por meio da educação, da conscientização? O encarceramento em massa que já ocorre no Brasil é política de Estado, política racista com viés higienista. Será que é isso mesmo que queremos? Aprisionar não seria uma medida apenas paliativa? As respostas ainda são dispersas.

Aprisionar parece uma medida dura, mas também é legítima a demanda pela criminalização, visto que mais de uma pessoa LGBT é morta por dia no país. A proposta está engavetada no Congresso Nacional, barrada pela bancada da Bíblia, que inclui evangélicos e católicos fundamentalistas.

Muitos ativistas defendem mudanças no texto do projeto de lei com penas amenizadas, por exemplo, até que se chegue a um consenso.

O debate sério levantado é: prender é a melhor alternativa? Será que não é possível resolver a violência por meio da educação, da conscientização?

 

Casamento: união homoafetiva no Brasil não tem forma de lei

De lá para cá, muitas bandeiras do movimento foram conquistadas graças à pressão que a militância faz nas ruas, nos parlamentos e governos, nas ações coletivas e por onde a luta ressoar. Isso não quer dizer que as conquistas cessaram, ainda há um longo percurso para a obtenção da igualdade nesse campo.

Desde o início do século XXI, por exemplo, apenas 27 países permitem que pessoas do mesmo sexo se casem. Em contrapartida, mais de 70 nações proíbem por lei não só o casamento, mas a homossexualidade em si. Em alguns lugares as punições podem chegar à pena de morte.

No Brasil, a regulamentação do casamento entre pessoas do mesmo sexo aconteceu em 2013, por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Apesar de os cartórios não poderem se recusar a casar pessoas do mesmo sexo, a norma não tem forma de lei e pode ser contestada por juízes.

 

Desde o início do século XXI, por exemplo, apenas 27 países permitem que pessoas do mesmo sexo se casem. Em contrapartida, mais de 70 nações proíbem por lei não só o casamento, mas a homossexualidade em si. Em alguns lugares as punições podem chegar à pena de morte.

 

Homosexualidade e Transexualidade na psicologia

A homossexualidade deixou de ser considerada doença apenas em 1990, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, o chamado CID, em sua edição 10.

O sufixo “ismo” era utilizado na palavra “homossexualismo” como denominador de doença, por isso hoje a palavra usual é homossexualidade.

Após 28 anos, uma nova atualização do CID (11) retirou também a transexualidade do catálogo de transtornos mentais. No entanto, inclui o tópico específico para "incongruência de gênero de adolescente ou adulto" que é entendida como "uma incongruência acentuada e persistente entre o sexo experimentado pelo indivíduo e o sexo atribuído", e estabelece que o "diagnóstico" não pode ser realizado antes da puberdade.

"A lógica é que, enquanto as evidências são claras de que [a transexualidade] não é um transtorno mental, de fato pode causar enorme estigma para as pessoas que são transexuais e, por isso, ainda existem necessidades significativas de cuidados de saúde que podem ser melhores se a condição for codificada sob o CID", justifica a OMS em nota publicada em seu site oficial.

 

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Estatuto da Família

Projetos que tentam equiparar direitos de minorias no Congresso brasileiro costumam ser barrados, principalmente os que são voltados aos direitos LGBTs e de outras minorias políticas. A atual composição do Congresso Nacional é um indicativo de alerta: é a mais conservadora desde 1964, quando o Brasil sofreu um Golpe Militar.

Alguns projetos de lei que tramitam no Legislativo Federal tentam, inclusive, privar direitos da comunidade. O “Estatuto da Família”, por exemplo, definiria como entidade familiar apenas “o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável”, diz o texto.

A medida negaria direitos às famílias formadas por casais homoafetivos, além de outras estruturas familiares como as formadas apenas por mãe solo e filho, tios e sobrinhos cujos pais tenham falecido, crianças criadas por avós, etc. Por enquanto, o texto está parado no Congresso.

 

Escola sem Partido e Gênero nas escolas

Os avanços no campo progressista nos debates de gênero têm recebido respostas bastante perigosas dos conservadores. A identidade de gênero, em especial, sofre retaliações e distorções profundas com a criação do errôneo termo “ideologia de gênero”.

A disputa de narrativas é bastante perigosa enquanto intenção de instruir a sociedade acerca de temas como a transexualidade. Em “O segundo Sexo”, Simone de Beauvior disse a seguinte frase: “não se nasce mulher, torna-se”. A partir desse excerto, muitas teóricas, principalmente feministas, foram a fundo estudar o conceito do que é ser mulher e do que é ser homem dentro da sociedade ocidental.

Segundo Judith Butler, as identidades feminina e masculina são construídas socialmente a partir da genitália. Por exemplo, quando se nasce com pênis, uma série de estereótipos são atribuídos àquele corpo, o enquadrando no que se considera ser homem: virilidade, força, heterossexualidade e uma série de comportamentos que teoricamente os homens devem seguir. O mesmo seria válido para as mulheres.

No entanto, os estudos demonstram que essa construção social não abarca a todos. As pessoas transgêneras, por exemplo, são excluídas desse padrão. Quando um corpo nascido com uma vagina se identifica socialmente enquanto homem, as barreiras de gênero começam a cair.

Nesse sentido, os conservadores tentam obstruir essa discussão e distorcem o que de fato as teorias de gênero dizem. Criou-se o termo “ideologia de gênero” e simplificou-se tudo a uma suposta “doutrinação de gênero”. Segundo os fundamentalistas, a intenção seria transformar as crianças em gays e incentivar a “mudança de sexo”. Geralmente pautam-se por questões religiosas e basicamente por distorções.

Na esteira dessa discussão avançam no Congresso Nacional projetos como o “Escola Sem Partido”, capitaneada pela bancada da Bíblia e pelo Movimento Brasil Livre (MBL), com texto assinado pelo deputado federal Flavinho (PSC/SP).

O documento proíbe o uso da palavra "gênero" e da expressão "orientação sexual" em sala de aula, mesmo em disciplinas "complementares ou facultativas". Além da questão de gênero, a proposta prega a neutralidade do professor em sala de aula e ameaça a liberdade de expressão.

Pelo texto apresentado, o professor "não fará propaganda político-partidária em sala de aula, nem incitará seus alunos a participarem de manifestações, atos públicos e passeatas". Há ainda a previsão de um cartaz em classe com os “deveres do professor” afixado na parede.

 

E o Orgulho?

De Stonewall (1969) em diante, a luta por direitos de pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transgêneras e intersexuais tem se construído a cada dia. O movimento político que conhecemos hoje tem base no episódio, mas a luta individual e coletiva sempre esteve presente.

Bandeiras foram levantadas, direitos foram conquistados após o derramamento de muito suor e de sangue, mesmo que o caminho ainda seja longo. As identidades e sexualidades consideradas desviantes buscam seu espaço dentro da norma como forma de sofrer menos opressão e com o objetivo de alcançar a cidadania plena.

Celebrar o Orgulho LGBT é um ato político, de resistência, dentro de uma sociedade que tenta fazer as pessoas LGBT terem vergonha de ser quem elas são, que em muitos lugares as incrimina. O Orgulho é uma resposta clara a isso.

A partir do reconhecimento do que se é, orgulha-se. Esse é o caminho que percorremos e que precisamos passar. O Orgulho é a nossa principal arma para conseguirmos ter forças de questionar, de lutar e de exigir os direitos que nos têm sido negados.

 

Celebrar o Orgulho LGBT é um ato político, de resistência, dentro de uma sociedade que tenta fazer as pessoas LGBT terem vergonha de ser quem elas são, que em muitos lugares as incrimina. O Orgulho é uma resposta clara a isso.

 

William Galvão, tem 28 anos é jornalista e ativista em S. Paulo, Brasil