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“Ouçam as vossas crianças, amem-nas e validem-nas”

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O Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC) recebeu nos dias 11 e 12 de Dezembro aquele que foi o 1º Encontro Nacional de Sexologia em Pediatria, tendo como tema principal a diversidade de género na infância e adolescência.

O objectivo fulcral do evento foi debater sobre pessoas transgénero, transexuais e intersexuais, já que são “as mais descriminadas, por não se reconhecer a sua existência na pediatria” segundo Luís Januário, director do serviço de urgência do HPC e membro da comissão científica.

Este tema conseguiu reunir sexólogos, pediatras, psicoterapeutas, investigadores, jornalistas, professores de direito, associações e pessoas LGBTQI bem como os seus familiares, o que proporcionou uma abordagem completa e multidisciplinar para a discussão deste assunto, sendo que foi considerado “um pontapé de saída fundamental”, sublinhou a investigadora do Centro de Estudos Sociais, Ana Cristina Santos, também ela membra da comissão científica, Doutorada em Estudos de Género e Mestre em Sociologia.

A primeira sessão do Encontro teve como palestrante a socióloga Sandra Saleiro (ISCTE–IUL) moderada precisamente por Ana Cristina Santos, que abordou conceitos de género e sexualidade numa contextualização sociocultural, dando a achega de que “as crianças trans ou crianças diversas em termos de género estão a emergir com uma nova identidade, não porque não tivessem existido antes mas porque só agora estão a ser reconhecidas enquanto tal”, apontando à necessidade de “trabalhar com os pais, porque não se muda a criança mas sim o que está à sua volta”. A frase mais marcante desta sessão foi a afirmação “Espero que não exista na medicina uma tentativa de cura, forçando a criança olhar ao espelho e dizer-lhe que ela é X em termos de género e por isso tem de se comporta como tal; espero que não haja “receita” para que a criança brique com o brinquedo x porque é para o sexo ou género x”.

Na segunda sessão, com moderação de Inês Luz, a psicóloga Ana Alexandra Carvalheira (ISPA) debruçou-se sobre “Por que razão falar de sexologia em Pediatria”, afirmando que em qualquer idade a “dificuldade sexual pode causar grande sofrimento”, sendo que neste momento a sociedade está “presa em novos comportamentos e velhas atitudes” fazendo alertar para o preconceito envolto na temática central do Encontro.

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Na última sessão da manhã de sexta-feira, moderado por Luís Januário esteve o conhecido Júlio Machado Vaz (Sociedade Portuguesa de Sexologia), tento falado na construção da sexualidade na Medicina, abordando a questão de forma histórica, numa espécie de cronologia dos acontecimentos.

Na parte da tarde, a sessão 4 teve como tema o Desenvolvimento e Género, em dois pontos: o pediatra Mário Cordeiro (através de vídeo) abordou o tema da sexualidade na infância e o pediatra Paulo Fonseca.

Mário Cordeiro afirma a necessidade da criança “perceber melhor o branco e o preto antes do cinzento”, referindo-se a género, apontando para que não “se censurem comportamentos que não correspondam ao padrão de género”.

Paulo Fonseca falou dos comportamentos sexuais de risco nos adolescentes que raramente são abordados pelos médicos por diferirem da norma do que é tido como “sexo”, abordando a virgindade através de dois conceitos de “sexo vaginal e sexo não vaginal”, sendo que estas estatísticas mostraram que os adolescentes tem comportamentos sexuais de risco, porque como é sabido o sexo oral e anal também são meios de transmissão de doenças e infecções sexualmente transmissíveis, sendo que esta forma de distinção foi motivo de discussão quando a palavra foi passada à plateia.

Na 5ª sessão do dia sobre as “Alterações de diferenciação sexual: abordagem multidisciplinar” contou com as oradoras Joana Serra Caetano (Embriologia, HPC), Joana Rosmaninho Salgado e Lina Ramos (Genética, HPC) e Rita Cardoso (Endocrinologia, HPC) moderadas por Jorge Saraiva (HPC), tendo um discurso mais científico e médico, vocacionado exactamente para médicos das mais diversas áreas.

No dia 12, Sábado, Sandra Borges (Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho) deu voz à 6ª Sessão deste Encontro, moderada por Rita Gonçalves (HPC). Tendo como tópico central as “Variações de Identidade de género em crianças e adolescentes” apresentou casos concretos de crianças, onde uma delas conseguiu mudar sexo e receber a certidão, caso ocorrido na Argentina a 9/10/2013 e o caso viral de Josie Romero, que aos oito anos mudou de sexo e foi muito apoiada pela sua família.

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Também numa esquematização explicou conceitos como sexo, género, identidade de género, papel de género, orientação sexual diferenciando variabilidade de género com disforia. Afirmou que “Os pais têm as suas crenças e expectativas em relação ao sexo dos seus filhos o que influencia a percepção de como se devem relacionar com eles” sendo que “o sexo anatómico da criança e os conceitos parentais sobre género e comportamento irão interferir na sua interacção com a criança desde o nascimento”. Citou Zucker, 2004, onde este autor refere que “Nos países ocidentais os rapazes são referenciados em maior número do que as raparigas”, questionando se “poderá estar relacionado com uma maior tolerância para comportamentos de género cruzado em raparigas?”.

Alertou para que “52% das crianças com disforia de género têm um ou mais diagnósticos associados, predomínio de psicopatologia internalizada, como a ansiedade e depressão (37%)”.

Quanto à intervenção, dividiu-se em individual, que deve trabalhar sobretudo a resiliência e diminuição do isolamento social provocado, familiar, que deve apoiar a criança ao longo do seu desenvolvimento, atenuando os factores que criam conflitos como os factores individuais de cada pessoa que interfira no desempenho de papel parental e psicossocial, onde a intervenção ao nível escolar, psicoeducacional e comportamental são de estrita importância, sendo que tudo isto “deverá ser adaptada às necessidades particulares da criança e da família”.

A sessão nº 7, moderada por Zélia Figueiredo, Jano, teve como tema “O Papel da família e da comunidade” – Maria da Luz Gois, Amplos, num discurso emotivo falou do “papel da família e da escola”, afirmando a necessidade que existe das escolas terem um papel activo e reforçando a ideia de que os pais devem amar os seus filhos incondicionalmente.

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Alexandra Santos (rede ex aequo) teve como tema “O papel das associações”, com uma oratória descontraída e divertida, afirmou que “A rede ex aequo mudou a minha vida”, tendo entrado na associação devido ao “Projecto Educação LGBTI”. Alexandra afirmou que “já chegaram a algumas zonas do país, porém não todas, uma vez que Portugal é maior do que a área de Lisboa” mas que para isso “precisamos que nos convidem a ir a outras zonas do país”. Numa dinâmica por ela estabelecida, pediu que todos se levantassem e fossem sentando à medida do que foi por ela estabelecido, no final de “quem está com uma peça azul que se sente” e “quem usa soutien que se sente”, tendo ficado apenas quatro pessoas levantadas, três homens e uma mulher, onde ela afirmou “não é através de isto que se vê quem é LGBTQI, por isso para quê olhar para a cara de uma pessoa que passa na rua e afirmar que ela é isto ou aquilo? Isso está escrito na testa?”.

Na 8ª sessão, foi a vez de ouvir “Por voz própria – partilha de experiências”, Daniela Bento falou da sua experiência, tendo contado partes da sua história, afirmando que “a única coisa que faço para ser mulher é existir”, sendo que os médicos questionaram-lhe, numa visão estereotipada e clássica de género, coisas como se usava saia, roupa intima feminina ou se se maquilhava. Daniela contou também que “o profissional que me acompanhou por 14 anos foi invalidado por ser psicólogo e não da área da sexologia”. Neste momento o processo de mudança de sexo está estagnado por dois motivos, um deles foi porque contou ao médico que namorava com uma rapariga e este considera que “só é possível ser uma verdadeira mulher quando se subjugar às características de uma personalidade masculina” e devido a pretender a conservação de sémen seu, algo que os médicos ainda não entenderam, tendo duvidas quanto à sua “feminilidade”.

Vicente Paredes falou sobre si, naquela que foi a sua primeira vez enquanto orador, referindo que este processo não foi fácil porque “nunca tinha ouvido falar, no mundo, de uma pessoa que nasceu com um género que lhe foi atribuído à nascença do qual discordasse”.

Kayl Worska começou por mostrar um vídeo com o título In/Operável em que dizia “não me sinto homem ou mulher, sinto-me pessoa, percebi que o corpo é transmutável mas que a identidade é inoperável”, identificando-se como uma pessoa não-binária e não sente urgência em recorrer a hormonas ou cirurgias para alterar a sua forma física, algo que não considera que seja um “factor de emergência médica, mas pela opressão sistemática isto pode gerar situações clinicas, o que já passa a ser”. Através da frase “Deve ser desgastante imaginar os genitais de toda a gente” referindo-te à seposição dos genitais de alguém como um dos factores mais relevantes de diferenciação no tratamento de alguém.

Kayl afirma também que a necessidade que alguém tem de se "justificar constantemente vulnerabiliza-a e pode criar um estado permanente de stress e defesa”, dando conta a taxa de homicídio e de suicídios é enorme em pessoas trans pela sensação de inadequação e a própria falta de aceitação, “Já se perguntaram porque é que há tão poucas pessoas trans a manifestar-se? Porque poucas sobrevivem para isso.”. para terminar, refere que existe a necessidade para que “ouçam as vossas crianças, amem-nas e validem-nas. Sobretudo, protejam-nas, porque elas precisam que lhes seja feito isso”.

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Alice Cunha, activista gender queer, explicou no seu ponto de vista que a maior problemática seria o percurso de auto-identificação, tendo-se afirmado como pessoa não binária, referindo que ela não tem “disforia de género mas tenho uma euforia de género”. Pela plateia foi questionado o porquê de se vestir “como uma mulher” e manter traços gerais “masculinos” onde relembrou uma resposta de Eddie Izzard que referia “porque é que usas roupa de mulheres? Elas não são roupas de mulher, são as minhas roupas, fui eu que as comprei”.

A última sessão teve como oradora Teresa Pizarro Beleza (Faculdade de Direito da UNL), moderada por José Garrido (HPC) onde falou da “Perspectiva jurídica sobre as questões de género”.

 

Marta Santos