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Paulo Gabriel Nóbrega: "Não podemos julgar o mundo segundo a nossa "bolha"."

quase igual

Fomos falar com Paulo Gabriel Nóbrega, encenador e protagonsita da peça "Quase Igual" que aborda questões sobre sexualidade e aceitação na sociedade.

dezanove: O que te levou a escrever e interpretar "Quase igual"?

Paulo Gabriel Nóbrega: Eu já estava a pensar fazer a minha primeira criação há algum tempo e neste momento da minha vida fez-me sentido escrever um monólogo. Tinha noção de que podia ser um processo difícil, mas queria muito escrever e interpretar algo com o qual me identificasse. E com todas a transformações socio-culturais que temos vindo a acompanhar, achei que faria sentido falar sobre as dificuldades que muitas pessoas da comunidade queer passam.

Com o avanço político de alguns partidos de direita, cresceu em mim uma urgência para abordar esta temática e tornou-se ainda mais evidente para mim que a Liberdade não é um "bem" adquirido.

 

Tendo em conta que foi baseada em testemunhos reais, podes levantar um pouco o véu de como fizeste a pesquisa e chegaste ao resultado final?

Comecei por ler alguns livros e artigos que falavam sobre a comunidade LGBTQIA+.

O passo seguinte foi entrevistar alguns desses membros, de modo a fazer um recolha de vários testemunhos de vida. Ao longo deste processo fui-me apercebendo que existiam alguns momentos transversais à história de todas estas pessoas e baseado nisso comecei a escrever o texto que daria origem ao espectáculo.

Quando o primeiro esboço do texto ficou concluído, passei à fase dos ensaios. Nesta fase, recorri sobretudo à experimentação e fui aprimorando o texto à medida que os ensaios avançavam até chegar a uma proposta final.

Digo "proposta" porque acredito que um espectáculo nunca está totalmente terminado, a cada nova apresentação vamos descobrindo novas coisas, e, consequentemente, vamos adaptando o espectáculo a essas novas descobertas.

 

A personagem principal, o Bernardo, é um activista LGBTQIA, de 37 anos de idade. Tu sendo mais novo criaste a personagem a partir das tuas vivências ou partindo da pesquisa que fizeste?

O Bernardo foi projectado com base no trabalho de pesquisa. À medida que ia recolhendo os vários testemunhos fui-me apercebendo do condicionamento social sentido por cada faixa etária da comunidade queer.

Em termos de idade e profissão, esta personagem foi inspirada num dos testemunhos que recolhi porque essa pessoa em concreto contou-me a sua história sem filtros. E o seu discurso foi muito pautado de uma consciência temporal...ou seja, ele tinha perfeitamente a noção do quanto a sua idade influenciou a sua vivência da sexualidade.

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Para mim não me foi difícil representar uma personagem mais velha porque no meu círculo de amigos tenho muitas pessoas da faixa etária do Bernardo e sempre senti que tinha uma maturidade superior às pessoas da minha idade.

Quanto à construção desta personagem (enquanto intérprete), posso dizer que foi algo doloroso porque me revi muito na sua história.

 

Achas que a orientação sexual de cada um de nós, ainda que em pleno século XXI, continua a condicionar a nossa vida em sociedade?

Sem dúvida. Creio que ao longo do tempo temos vindo a conquistar direitos muito importantes mas ainda existe algum preconceito em relação às sexualidades que divergem da norma.

Acredito que o meio onde vives e as pessoas que tens à tua volta influenciam muito a tua percepção em relação a este assunto.

Aliás, eu senti isso na pele... Nasci numa pequena cidade no Algarve e quando me assumi a maior parte da minha família cortou relações comigo. Cresci num meio muito conservador e castrador. E com este espectáculo tive a oportunidade de conhecer pessoas com histórias semelhantes à minha. Conto-te isto porque gostaria que as pessoas que vão ler esta entrevista conseguissem perceber que em pleno século XXI ainda acontecem estas coisas. Felizmente, ao longo da minha vida tenho encontrado pessoas fantásticas e que me aceitam tal como sou. 

Nasci numa pequena cidade no Algarve e quando me assumi a maior parte da minha família cortou relações comigo. Cresci num meio muito conservador e castrador.

Não podemos julgar o mundo segundo a nossa "bolha".

Quem está a ler isto e está a passar por uma fase difícil (porque as pessoas que amas não te aceitam como és), ainda há esperança! Tenho a certeza que encontrarás pessoas incríveis que te vão fazer sentir aceite.

No "Quase Igual" integrei esta parte da minha história! Achei que faria sentido. E foi algo que me permitiu "fazer as pazes" com o meu passado. Quero muito que este espectáculo mostre as dificuldades mas também, que inspire muitas pessoas a continuarem a lutar para serem felizes. Porque AMAR NÃO É PECADO! AMAR NÃO É CRIME!

Foi algo que me permitiu "fazer as pazes" com o meu passado.

 

Para quando novos projectos e, como não poderia deixar de perguntar, a reposição de "Quase igual"?

Ainda este ano vou apresentar a minha segunda criação.

Quanto ao "Quase Igual", está previsto a sua reposição no final de Setembro deste ano  num festival de artes performativas que está a ser organizado pelo Instituto de Formação,Investigação e Criação Teatral (Lisboa-Santa Apolónia).

 

Entrevista de Ricardo Falcato