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Porque comecei a fazer PrEP

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Nasci no ano em que a SIDA se passou a chamar SIDA. Quando ainda não se sabia o que a provocava. Primeiro foi o “cancro gay”, depois o “GRID” (imunodeficiência associada aos gays). A seguir conhecemos o VIH. E logo as campanhas moralistas impulsionadas pelo silêncio assassino de Ronald Reagan que proclamavam a SIDA como o “castigo” pelos gays serem gays – quem não se lembra da famosa frase “A SIDA cura a homossexualidade”? Já no final da década e inícios dos anos 90 vieram as mortes dos famosos, histórias de solidariedade e luta, o AZT e as grandes manifestações em Nova Iorque do Act Up.

Sou da “geração preservativo”. A que chegou à adolescência já sabendo o que era o VIH, como se transmitia e o que tínhamos de fazer para o prevenir. Nessa mesma altura ainda se morria de SIDA. Pensávamos a doença como uma sentença de morte. Assistíamos no cinema ao “Philadelphia” e víamos Freddy Mercury morrer diante de todos os ecrãs do mundo. De certa forma crescemos a pensar em sexo e SIDA, em SIDA e sexo, sem nunca dissociarmos um do outro. O sexo gay era ainda um grande “tabu” e motivo de chacota na escola e na universidade. E em cima disto tudo, a SIDA. O milénio acabou e novas realidades apareceram. Famosos a assumirem-se, o mercado rosa em ascensão, prides gigantes por todo o mundo, os primeiros beijos na televisão e as primeiras imagens sexualizadas no grande cinema. E depois o casamento, a adopção, direitos iguais nos grandes partidos dos governos. E ao mesmo tempo os novos anti-retrovirais e com eles a certeza de que já ninguém morre de SIDA – vive-se com o VIH.

Mas o VIH não despareceu - as novas infecções voltaram a subir, sobretudo entre os gays. E com ele manteve-se o principal fantasma que nos acompanha desde o início da epidemia – o fantasma do medo. Sou da “geração preservativo” e isso quer dizer que sou daqueles que sempre encararam o sexo como “um perigo”. Cada acto, cada atitude, cada comportamento que suscite dúvida traz consigo dias e semanas de angústia, à espera de um resultado que vai mudar o nosso futuro. Não, não sou de ferro nem sou SEMPRE perfeito. Não somos infectados porque temos muitas relações desprotegidas – somos infectados porque temos uma única relação desprotegida. Basta uma vez, uma falha, um desleixo, uma noite de Verão ou um copo a mais. Quem nunca, nunca??? Este medo tolhe-nos, vulnerabiliza-nos e rouba-nos o gozo pleno daquilo que faz parte indispensável das nossas vidas: o sexo.

O preservativo? Claro, só quem nunca o usa é que acredita que ele é infalível! Hoje já sabemos que ele só funciona em 70% dos casos – dizem-nos todos os estudos feitos sobre adesão no mundo. Esquecemos? Algumas vezes. Usamo-lo mal? Muitas vezes. Rompeu? Ocasionalmente. Saiu do sítio durante o sexo? Já aconteceu. Bastava apenas uma destas vezes para sermos infectados. Para haver sexo, têm de existir pelo menos duas pessoas e o preservativo depende também do outro, não é uma escolha só nossa – afinal quem se esqueceu? Fui eu? Foi ele? E assim passamos a ser três a negociar na cama: eu, ele e o medo!

Então e se aparecesse uma coisa que me protege de uma forma muito eficaz, não depende do outro mas apenas de mim mesmo, não precisa de ser lembrada, planeada e pensada no momento mais “quente” em que estamos vulneráveis – durante o sexo, não rompe, não sai do sítio e não é preciso saber “usar”? Pois essa coisa já apareceu. Chama-se PrEP e consiste apenas na toma de um comprimido por dia. Tem efeitos secundários como qualquer medicamento, aliás como a própria pílula anti-conceptiva ou o Ben-u-ron. Não protege contra outras infecções de transmissão sexual, mas nada me impede de a usar em conjunto com o preservativo – pelo menos quando este falhar, estará lá a PrEP para me proteger. E, ao contrário do VIH, as outras infecções têm cura! Acima de tudo a PrEP está aí para nos ajudar a eliminar o medo. Basta de viver a minha sexualidade coartada com medo da infecção. Quero estar protegido, sabê-lo e viver a plenitude das minhas relações com todo o prazer e felicidade a que todo o ser Humano tem direito.

A PrEP devolve-nos dignidade e poder sobre os nossos corpos. Dignidade porque nos liberta deste medo permanente da infecção, porque nos torna completos na nossa sexualidade. Poder porque é uma estratégia individual que depende apenas de nós mesmos e de mais ninguém. A PrEP é uma responsabilidade única e pessoal e isso dá-nos autonomia e auto-determinação nas nossas escolhas. Permite-nos tomar decisões sobre os nossos próprios corpos e sobre o que fazemos com eles sem a interferência dos outros.

A PrEP não está disponível em Portugal, apesar de estar actualmente recomendada pela OMS, pelo CDC, pela EACS entre muitas outras autoridades mundiais de saúde. Mas eu decidi não esperar por Portugal: encomendei PrEP online e fui ao CheckpointLX para manter seguimento médico. Não quero adiar a plenitude da minha vida sexual mais semanas, meses ou anos, à espera que as nossas autoridades de saúde façam aquilo que forçosamente vão ter que fazer mais tarde ou mais cedo.

Comecei a fazer PrEP porque quero manter-me VIH negativo, é óbvio. Mas também comecei a fazer PrEP porque ela representa uma revolução na vida sexual de cada um de nós. Para acabar com o medo, adquirir autonomia e ganhar dignidade. Para ter uma vida sexual plena, responsável, livre de grilhões.

Muitos de nós lutaram muito para se libertarem da “culpa” de sermos gays. Está na hora de nos libertarmos do medo de termos sexo!

Bruno Maia PREP Portugal VIH SIDA.jpg

 Bruno Maia, sob PrEP desde 1 de Dezembro de 2015

 

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