Prémios dezanove: Os melhores de 2020
Num ano de pandemia e de confinamento demos especial atenção às notícias LGBTI. Mais do que nunca importa usar fontes fiáveis de informação e apoiarmo-nos enquanto comunidade. Ao longo de mais um ano falámos com os protagonistas das histórias que têm de ser conhecidas, apresentamos novas iniciativas e informamos como vão os Direitos LGBTI em Portugal e no mundo.
O site de notícias e cultura LGBTI dezanove.pt volta a distinguir as personalidades e acontecimentos que marcaram a actualidade. Estas são as nossas escolhas e o balanço de 2020:
Eram os primeiros meses de confinamento e o 25 de Abril também já tinha sido à janela. A ideia começou com os autores da série “Dois” e rapidamente se espalhou nas redes sociais. Uma onda de bandeiras arco-íris para assinalar a luta contra a homofobia, a bifobia e a transfobia. Em confinamento, mas não no armário.
Pela primeira vez a Comissão Europeia propôs uma estratégia para combater a discriminação contra as pessoas LGBTIQ nos 27 Estados-membros. Este é um plano fundamental numa altura em que a pandemia afecta cada vez mais os Direitos das pessoas LGBTI e há um ressurgimento de valores muitos pouco europeus que se faz sentir em países como a Polónia, a Hungria ou a Lituânia. Esta é a materialização necessária de um discurso inédito proferido por Ursula von der Leyen dois meses antes. “Não descansarei enquanto a União Europeia não for um lugar de igualdade”.
2020 foi realmente um ano de muitas desilusões e perdas, mas quando estas se referem a pessoas que estimamos o sentimento é, obviamente, acentuado. É impossível não falar da história LGBTI de Lisboa sem falar da discoteca Trumps. E falar da discoteca Trumps é falar de Pedro Dias, que ao longo das últimas décadas soube dirigir, inovar como ninguém e inspirar os que com ele privaram. Pedro Dias faleceu, mas o seu legado permanecerá e fará parte da história LGBTI.
Fabíola Cardoso foi ao longo do ano de 2020 uma voz presente na defesa das pessoas LGBTI. Este nome histórico do activismo LGBTI em Portugal não baixou os braços e o seu espaço de actuação extravasou em muito o Parlamento. Organizou e participou em inúmeras tertúlias online relacionadas com os Direitos LGBTI, promoveu uma versão alternativa (online) da marcha de Santarém, esteve presente na marcha de Viseu. Mais recentemente não deixou de alertar e actuar para os casos que afectaram as pessoas LGBTI.
Se há heróis sem capa e sem espada… em 2020 conhecemos um. João Pedro Anjos fez exclamar todos os que o viram levantar orgulhosamente uma bandeira do arco-íris numa manifestação do Chega. “Não posso deixar que um partido com este tipo de pensamentos retrógrados tenha poder no nosso país… Voltava a ir lá as vezes que fossem precisas.”
Tomando a dianteira de defesa das pessoas LGBTI+, a comissão das Marchas do Orgulho promoveu um rastreio das necessidades enfrentadas pelas pessoas LGBTI+ e uma campanha continuada de angariação de fundos destinadas às pessoas mais fragilizadas pela pandemia. Os Parabéns são bem merecidos!
No ano em que se assinalavam 15 anos de um episódio homofóbico na cidade viseense, os activistas da cidade de Viseu estiveram particularmente activos na defesa da igualdade. Num ano de pandemia conseguiram cumprir com todas as normas de segurança e realizar a única marcha presencial pelos Direitos LGBTI+ do país. A plataforma Já Marchavas, composta por vários cidadãos e de colectivos unidos na defesa de direitos Humanos e Animais e de causas Ambientais, beneficiou de uma data tardia em que um maior conhecimento e controlo da situação permitiu levar à rua as vozes pela igualdade. Mesmo assim um especial reconhecimento tem de ser prestado a todas as restantes marchas de cidades como Leiria, Santarém ou até Funchal, entre outras, que em datas anteriores fizeram das plataformas online o seu palco de luta e encontro da comunidade.
Figuras públicas como Ana Zanatti, Joana Barrios, Sónia Tavares, Alex D'Alva Teixeira, Rui Maria Pêgo, Tiago Braga e Mariama Barbosa e Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, juntaram-se numa campanha pela efectiva associação entre Direitos LGBTI e Direitos Humanos junto da sociedade em portuguesa. "Só combatendo o ódio poderemos construir um país mais inclusivo", defende Rosa Monteiro.
Luciana e Pri foram a harmonia e um balão de oxigénio nos meses em que a pandemia nos atirou para casa. No horário nobre da televisão pública e especialmente apoiadas por Marisa Liz e Catarina Furtado, as artistas Luciana e Pri partilharam com Portugal a sua história de vida e de amor. “Eu só gostava de pedir a toda gente, sejam felizes. Estamos a falar de música, estamos a falar de seres humanos, há guerras a acontecer, sejam felizes por favor!”, disse Marisa Liz combatendo os comentários negativos que então surgiram. Um casal que admiramos pela sua coragem transatlântica e, claro, pelo seu talento.
A marca Control passou a representar a sexualidade como ela deve ser: universal! Mesmo que meramente simbólica, a alteração de logótipo afirma a igualdade e o respeito por todas as orientações sexuais.
O primeiro musical drag interactivo do mundo é português e até contou com a participação de Filomena Cautela. Conduzidas por Teresa Al Dente estão várias drags portuguesas de enorme talento desde a DJ Filha da Mãe, a Babaya Samambaia, Cher No-Billz ou Lexa BlacK, entre muitas outras. Um sucesso de bilheteira internacional em que ficou provada a capacidade de reinvenção da equipa Drag Taste para fazer face a uma crise sem precedentes e que permitiu continuar a dar emprego a toda uma equipa.
O programa The Voice Portugal conseguiu a proeza de integrar e defender as pessoas LGBTI+ junto de todas as gerações. O programa teve em cima do palco vários concorrentes LGBTI+ a quem foi dada mais do que voz, mas também visibilidade! Quem não se lembra do discurso de indiscutível força de Sylvia Koonz? Da prestação da guerreira Favela Lacroix. Dos multifacetados Tiago Braga, Mari Segura, Francisco Vicente e, claro, das quase finalistas e incríveis Luciana e Pri? A diversidade e o respeito por estes e muitos outros concorrentes foram sempre defendidos pelos apresentadores e jurados e servem de exemplo educativo para o grande público. Se uma síntese fosse precisa, aqui está: "O ser humano julga muita coisa que não faz mal a ninguém, mas depois não julga o que deveria", afirmou a mentora Marisa Liz.
Da autoria do jornalista Bruno Horta e com ilustrações de Helena Soares, "António Variações -- Uma biografia" dá-nos a conhecer outros elementos para além dos que habitualmente circulam acerca do artista. "Era uma pessoa muito solitária, arisca, não gostava de pensamento de grupo. Dificilmente ele fez parte deliberadamente dessa movida lisboeta da década de 1980, era uma pessoa muito à margem de tudo", considera o jornalista.
Barahona Possolo não pede licença ao politicamente correcto. Os seus trabalhos são de uma realidade impressionante, são cavernosamente explícitos e de uma frontalidade fetichista que incomoda os puristas. Num ano de pandemia Barahona não temeu em pôr-se à prova e levar ao público uma das poucas exposições de temática gay do ano. Precisamente tendo como cenário um WC público, também ele de porta verde, em processo de requalificação como galeria de arte, foi um conhecido local de encontros sexuais masculinos, várias vezes alvo de rusgas policiais durante a ditadura do Estado Novo.
Se assinalar datas do calendário LGBTI começa a ser cada vez mais frequente na Grande Lisboa, seja por câmaras ou juntas de freguesia, o mesmo não se passa quando se sai de uma esfera geográfica que é quase vista como uma bolha de privilégio. A autarquia da Lousã assinalou o Dia Internacional da Memória Trans iluminando o edifício do Paços dos Concelho com as cores da bandeira trans para lembrar a “importância de respeitar os cidadãos e cidadãs transgénero e a urgência de cessar os crimes de ódio”. A iniciativa estava inserida no âmbito dos “7 Dias pela Igualdade” e alargou-se inclusive às freguesias deste concelho.
Nos poucos meses em que foram permitidas as reaberturas condicionadas e adaptadas dos estabelecimentos comerciais houve um espaço que se reinventou. O Finalmente Club, palco do transformismo em Portugal, alterou horários, colocou mesas, serviu refeições e colocou em palco as artistas da casa e muitos convidados através de uma curadoria dos Fado Bicha num cabaret contra a amorfia e contra a resignação.
Mesmo num estado laico é indissociável a importância e o peso das palavras do Sumo Pontífice para a mudança de mentalidades em relação às famílias LGBTI. As palavras inéditas do Papa Francisco fizeram eco junto de crentes e não crentes em todo o mundo. Oxalá sejam mesmo novos tempos.
A crise pandémica não foi necessariamente transversal a toda a sociedade. Houve sectores como a cultura e a diversão nocturna francamente afectados, apesar de alguns destes terem sido os primeiros a tomar medidas preventivas. Passado um ano, as discotecas, por exemplo, não voltaram sequer a reabrir. Protestos e petições ficaram sem respostas concretas. Atrás de cada negócio ou evento cultural estão vários empregos directos e indirectos. Para a comunidade LGBTI a falta de espaços de socialização e liberdade, para além de hipotecar o seu emprego, pode ainda afectar seriamente a sua saúde mental. Respostas que tardam no presente e condicionam o nosso futuro.
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