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Progresso ou retrocesso? A extrema-direita europeia como ameaça à  comunidade queer

miguel máximo

O continente europeu é, tipicamente, descrito, em círculos políticos, como um lugar democrático, de inclusão, de solidariedade e de paz entre nações e indivíduos (por mais inconsistente que esta concepção seja). No entanto, em que ponto estamos na defesa dos direitos LGBTQIAP+? 

 

Todos os dias, observamos indivíduos que se identificam dentro das convenções sociais e “do bem”. Nem todas, mas algumas destas pessoas dão mãos, abraçam-se, beijam-se, casam, têm filhos, algumas praticam uma religião ou aderem a um partido político. À luz “do bem”, os seus direitos estão protegidos. 

Em contrapartida, observamos pessoas que se inserem no mesmo grupo a desviar o olhar, a revirar os olhos, a tapar os olhos aos filhos, a fazer interpelações ofensivas, a repudiar atos de amor, quando avistam, pessoas reais, com tudo e tanto para dar, mas que se identificam e expressam como queer

Segue-se um resumo, em formato informativo e opinativo, sobre o que está a acontecer na Europa às pessoas LGBTQIAP+ e aos seus direitos, face às pessoas que se calam, que desviam o olhar e que decidem atirar todas as pedras a quem sair à rua é um ato de resistência. 

 

Rússia: uma prisão a céu aberto ou um projecto de selecção natural? 

É legítimo falarmos sobre uma nação que se localiza em vinte e cinco por cento do seu território na Europa, mas que é uma das superpotências mundiais e que provoca um enorme impacto nas vidas de tantas pessoas. 

Outrora comunista, vira-se a página após cair Berlim e após Iéltsin, com o surgimento do putinismo, que instala o terror em diversos sectores da sociedade russa, acabando por visar todos os grupos minoritários, incluindo as pessoas LGBTQIAP+.

De acordo com o Rainbow Map, em 2024, a Rússia posicionou-se no último lugar da tabela, com apenas dois por cento de percentagem no que consta o cumprimento de normas e políticas de integração e defesa da comunidade queer

É difícil desviar o olhar ou tapar os olhos a um país que persegue, encarcera e oprime pessoas queer apenas por existirem. Não existe protecção contra o preconceito e a discriminação que pessoas com uma identidade e/ou expressão de género, orientação sexual e características sexuais não-normativas são alvo. 

Em Novembro de 2023, o Supremo Tribunal russo anunciou uma medida que considerava os activistas da causa LGBT como extremistas. Esta medida fez a causa LGBT ser incluída numa lista de organizações extremistas e terroristas, onde constam nomes de membros da Al-Qaeda, da empresa Meta de Zuckerberg e de membros da oposição russa de Navalny. 

A comunidade queer russa sofre com um presidente e um governo profundamente conservadores, que insistem na conservação das noções basilares da família tradicional (seja lá o que isso queira dizer). Além da medida apresentada, Putin e o Kremlin aprovaram leis que proibiram relações sexuais “não tradicionais” e também mudanças legais ou médicas de género, fundamentais para a afirmação de género de pessoas trans.  

 

Polónia e Hungria: há tempo para lutar ou a regressão é inevitável? 

Além da Rússia, a Polónia e a Hungria são dois países controversos e fundamentais para esta discussão, mas mais polarizados no que toca a direitos LGBTQIAP+. Ambos os países são governados por forças políticas conservadoras e de extrema-direita, mas a contestação popular tem servido de grande apoio à comunidade que quer ser vista e não empurrada de volta para a clandestinidade. 

Na Polónia, situada em quadragésimo primeiro lugar do Rainbow Map com cerca de dezoito por cento de percentagem, continua a ser dos países mais opressores a nível europeu, no que toca a direitos queer. A presidência de Andrzej Duda e a governação de Donald Tusk não têm ajudado na implementação de medidas de protecção da comunidade, o que tem vindo a preocupar activistas LGBT sobre a segurança dos seus camaradas. O governo polaco marca-se pela sua resistência à legalização do casamento e da adopção entre pessoas do mesmo sexo, tal como se mostram muito apreensivos com a comunidade  trans ter acesso à autodeterminação de género. 

No caso da Hungria, o país não foge à tendência da Polónia, face à monopolizada governação de Viktor Orbán, primeiro-ministro aliado a forças neofascistas, desde o século passado. A comunidade queer revela-se assustada (mas vigilante) em relação aos avanços e recuos do país, sendo de salientar a censura dos conteúdos assumidamente queer nos meios de comunicação social, considerados “nocivos” para as camadas mais jovens, e, ainda mais gravoso, desde 2020, a negação da possibilidade das pessoas trans m udarem o seu género nos registos identitários. 

 

E Portugal? Como reage a comunidade? 

Portugal, considerado um dos países mais queer-friendly do mundo e classificado em nono lugar no Rainbow Map, cresce na valorização e aceitação das pessoas LGBTQIAP+. No entanto, a emergência da extrema-direita, no panorama europeu e mundial, através de figuras políticas reacionárias, como Trump, Milei, Putin, Meloni e Abascal, transfere para o nosso país, uma frustração retrógrada e saudosista (e com cheiro a mofo), que põe em causa a validação de pessoas LGBT. Até a senhora Alice Weidel, a nova candidata do AfD, o partido de extrema-direita alemão, quer dar o ar da sua graça, mas, curiosamente, a incongruência evidencia-se, quando se revela que esta é casada com uma mulher imigrante.  

Entre os partidos da extrema-direita portuguesa e os movimentos neonazis, o perigo ressurge na comunidade e o medo instala-se nas ruas, mas a resistência popular sempre se fez ouvir e continuará a fazê-lo. Em Portugal, o preconceito e a discriminação persistem, face a uma sociedade profundamente enraizada na religião e no patriotismo, mas, ao longo do tempo, a mudança tem vindo a ultrapassar o medo e as pessoas LGBTQIAP+ já contam com uma série de direitos constitucionais, que deviam ter sido garantidos desde 1990 ou desde 1974 ou, mesmo, desde sempre. 

A insurgência do medo na comunidade queer europeia surge face a uma demanda de desconhecimento e de targetização de minorias. Em outras instâncias históricas, foram perseguidas mulheres comparadas a bruxas, pessoas de diferentes religiões associadas a anticristos, imigrantes da América Latina, de Ãfrica e da Ásia comparados a criminosos e pessoas queer associadas a pessoas degeneradas. 

Os conflitos geopolíticos e as repercussões sócio-económicas de diversos campos geram a necessidade de culpabilização e de vilanização de comunidades minoritárias, sem responsabilidade sobre as falhas sistémicas de governos corrompidos pelo ódio e pela luta de poder. No entanto, nem a influência republicana dos Estados Unidos da América nem a caminhada identitária cega de tantos países conduzidos pelo conservadorismo (de destacar no continente europeu) vão levar avante o apagamento e o silenciamento de uma comunidade que tanto lutou para agora ter um lugar à luz. 

Já não é sobre tolerância ou sobre respeito, é sobre pleno direito à verdade e à existência. Não se fez Stonewall para agora a normatividade vencer o inconformismo. 

A caminhada é longa e não há tempo para retrocesso, por mais que individualidades o queiram. 

 

Miguel Máximo 

Mestrando em Estudos Literários, Culturais e Interartes, na FLUP

 

Fontes: 

https://www.publico.pt/2024/03/22/p3/noticia/russia-inclui-movimento-lgbt-lista-organizacoes extremistas-terroristas-2084574

https://expresso.pt/internacional/russia/2023-11-29-Russia-tem-restringido-direitos-LGBT-e quer-proibir-movimento-denuncia-relatorio-493a5866

https://www.rtp.pt/noticias/mundo/comunidade-transgenero-e-lgbt-da-hungria-vive-dias dificeis_v1613769

https://pt.euronews.com/2024/04/05/novo-governo-polaco-traz-esperanca-a-comunidade-lgbt https://rainbowmap.ilga-europe.org/ 

 

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