Quebras de padrões nos videoclipes de Big Dipper
Gordo e míope, o rapper americano, Big Dipper (codinome que alude à constelação Ursa Maior, e brincando, com o grupo dos Ursos) é uma presença dissidente no cenário da música pelo globo. Entre uma rima e outra, das suas canções, das esporádicas entrevistas e dos podcasts solta ter ideia o que representa, como vive a representatividade. Tornou seu estilo, algo que questiona as normas estabelecidas dentro e fora do arco-íris – pluraliza, as questões do empoderamento dos corpos, das fluidezes de gêneros, sem recorrer ao esperado, ampliando o comportamento alternativo.
Desde o videoclipe Meat Quotient, talvez o primeiro que lhe impulsionou na cena de modo internacional, revigora a singularidade. O homem gay gordo, como agente das situações, em um mesmo corpo que deseja, e é desejado. Equilibra suas mensagens Big Dipper, ademais com humor nos videoclipes, as pessoas distantes de status quo, fazem as pazes com a galhofa. Nesse mesmo vídeo de música, filmado por Tobin Del Cuore, traz duas drags barbadas vivendo sua “maternidade”, acrescenta a referência do cruising, sendo um grande açougue, apesar do clichê inicial, esse mesmo é implodido, quando a carne mais procurada, vira o próprio rapper.
Nascido no ano de 1985, com o nome de Dan Stermer em família judaica, cresceu em Evanston Illinois, Big Dipper passou boa parte de sua vida odiando a própria individualidade – idem, inúmeras pessoas gordas. Alocado no consumismo, o diverso (neste caso o corpo dissidente) sente inferior, mais rende lucro. No videoclipe Meat Quotient, por sua vez, ludibria o estereótipo do lenhador americano, considerado ali a liderança do açougue. Após Big Dipper, foge com outros homens, que já o acompanhavam, até que nas próximas cenas, as mais criativas, destacam os americanos clubes de sexo, no lugar do prazer-rápido, depara-se com aquelas mesmas carnes, como aponta a narração do vídeo de música, para uma luta de gel entre iguais.
Também humorado, o videoclipe Vibin, Big Dipper se fantasia de pequena sereia, personagem da Disney, que em si está cheia de lugares comuns, perpetuados também no arco-íris. De novo, o cantor faz crítica através de sua figura e música, em que é flertado por corpos dentro das normas da comunidade. O gordo, desta vez escolhe, pelo fato do protagonismo que assoma em cada segundo da gravação. Além do videoclipe, o making-of disponível na internet, causa ainda mais risadas e pensamentos, na estética sonora e visual do cantor.
No fim do videoclipe, Big Dipper reuni com um grupo de homens à beira de uma fogueira. O clima sugere uma espécie de luau, não apenas, para festejarem seus comportamentos e individualidades – o artista é alvo de vontade. Acarreta, isto posto, outras pessoas gordas, independente do gênero, criarem autoestima. Desconstrução e amor-próprio, percebe-se da minutagem inicial desse vídeo de música, de onde o cantor está com um “tridente de tritão” em suas mãos, compartilhando desse mesmo corpo, que passa na esfera geral por rejeições, do feminino ao masculino.
Quando raramente o homem gordo é tolerado, na sociedade de consumo, exige ser masculinizado ou masculinizante. Big Dipper opõe, este chavão, fluindo no feminino e masculino, em vários de seus videoclipes há comparecimentos de drags queens (apesar dessa arte ter encontrado nos últimos anos o mainstream, como realitys shows, que foram desencadeados por RuPaul's Drag Race). Lançado em 2017, o vídeo de música Chunkita, que tem parceria com a drag Meatball, nos primeiros segundos ambos saem perguntando na rua às pessoas, caso: “Like bananas?/ Gostam de bananas?”.
Entre esquivos, aparece outro homem gordo, esse por sua vez, masculinizado, e o artista almeja saber da relação das bananeiras nas vidas americanas. A ironia em Big Dipper – sempre consiste de duplo sentido – sem retorno, a drag gorda e o rapper gordo mergulham até onde conseguem na música. Mastigam bananas na frente da câmera, escondem-se atrás de árvores, fazem desproporcionais e impetuosas caretas, tudo com o intérprete fantasiado dessa fruta. Criando seu espaço dentro do vestuário, o vídeo de música tem um intervalo proposital, de repente o cantor vai comer tacos mexicanos, e depois volta ao canto.
Moda gorda
Em Nah Boo, apesar de não ser um videoclipe, tido como teaser, as referências ao beijo-grego em um homem negro, fora da posição sexual ativa, entretanto, passiva desagrega paradigmas. Carregado de humor, o rosto avantajado de Big Dipper olha para câmera, defronte aquelas nádegas, que dançam e balançam, que estão vestidas ao passo que chamativas com jockstrap, acessório esportivo popularizado através dos Estados Unidos, na sequência entre os gays em volta do mundo. A música continua, no videoclipe de parceria com Tobin Del Cuore, como se o público estivesse atrapalhando o prazer ali, de repente um adesivo colado, do rapper, causa mais reflexos e vontades.
Talvez, por ser Big Dipper, de uma corrente que questiona os padrões do arco-íris. Diante disso, percebe-se em Nah Boo, quem divide com ele a câmera, romper as barreiras criadas, enquanto rebola cada vez mais. O artista que assina, à apresentação, critica em poucos minutos, a relação do homem gordo e magro, os espaços instituídos na pornografia gay, a relação inter-sexual, a moda difundida do dinheiro rosa, e o imperialismo cultural estadunidense, que na globalização analógica e digital, é implacável.
Já no videoclipe Why We Can´t feat com a cantora Rena, do ano de 2018, Big Dipper sai caminhando tranquilamente em uma área comum, à medida que traja uma jardineira, espécie de macacão jeans, este de tamanho curto, durante o momento que as câmeras estavam ligadas, e sem receio de estar à vontade com seu corpo e a moda. Deitado na grama, em cima de uma árvore, com vários trejeitos faciais e de óculos escuros, dividindo espaço corporal em áreas comuns – toma banho de sol. E depois, continua o passeio pelas vias de uma cidade californiana, fazendo turismo, e de maneira alguma perde o desprendimento.
Moda e corpo gordo, ainda vivem entre indisposições, mesmo que existam espaços, vide algumas marcas e profissionais, o pensamento convencional, ainda é o gordofóbico. De novo na vanguarda, Big Dipper acredita em uma convivência pacífica, ou até harmônica. Em outro momento, a cantora Rena, através da música conta sobre afetividades, que viram outra substância, caso se fosse um tipo de mote, para chegar ao assunto principal, o ir e vir: a liberdade GG.
Fatores ligados com as vestes aparecem também, no vídeo de música Lookin, desta vez com os shorts jeans brevíssimos. Big Dipper, está no centro, da homenagem ao corpo gordo, tendo desde homens, mais novos, mais velhos, musculosos, sem músculos, etc. A dissidência ganha apogeu, e o rapper, novamente mostra, a probabilidade do gordo ser feliz, descrevendo em alto e bom som/imagem. Na sonoridade provinda dos quadros em movimento, o artista aproxima de uma estética, que calha, misturando rap e pop.
Prossegue entre corpos gordos, e outros que não estejam em privilégios, a lavagem dos carros possantes, que fazem menção ao ser grande. A mescla dos versos do rap e das batidas do pop, ficam mais evidentes, ao passo que a faixa brinca, inclusive consigo. No centro, Big Dipper continua, depois que abre espaço para outros gordos transitarem, e renegarem os cantos. Borbulhas, danças, seduções, festas – tudo alimenta essa força, proposta através deste clipe do artista.
Gordo que remexe
Big Dipper, no videoclipe Thiccness, destaca a gordura contida do prazer múltiplo. A dança do corpo gordo mais velho, como desejável, e causando desejo, enquanto o cantor materializa a troca de carinhos com um homem dentro de uma hidromassagem, salvaguardados pelo perecível. Decerto, o rapper aparece conhecendo outras masculinidades, essas são fora de uma estética que cabe em roupas comuns, cujo admiram suas massas corporais.
Corpulências, piercings, coreografias, barbas, tatuagens, pelos, calções, cuecas, e Big Dipper paquerando um casal de dois senhores, ambos já grisalhos, um maduro negro e um maduro branco, vendo qual deles empurra o carrinho no supermercado. Trocadas afinidades, a filmagem singulariza, à proporção que seu fim é justamente os dois longevos, servindo uma lasanha ao rapper, que não perde oportunidade de gracejar, talvez em revanche às opressões vividas.
Duo com Radio Boy, no videoclipe Like This, Big Dipper mostra o remelexo do homem gordo, dançando em uma tomada, apoiado de uma equipe de gênero-fluido. Mulheres-masculinas, homens-femininos, o rapper performa entre essas pessoas integrantes do vídeo de música, e talvez sendo o que mais movimenta. Evidencia sutilezas, de poder estar no intermédio de dois polos, feminino e masculino, gordo e magro, negro e branco. Com as curvas balançando, o artista não tem receio de apontar outras possibilidades no cenário musical, menos filtradas.
Sedução rompe com um dançarino mais jovem, enquanto o rapper arruma seus óculos, em um dos frames, o que importa, é a curtição – em todo instante reafirma, na obra audiovisual de Big Dipper. Mesmo que alguns retrocessos, em todo o planeta, não restritos ao governo americano garantam antagonismo, dentro do universo do vídeo de música existe ar otimista. A trupe dançante vai embora, no ínterim quem estava com distração, busca carona, um estatelado beijo recíproco.
Outros vídeos de música, preservam coerência, Skank, Drip Drop, Back Up Off Me, Summertime Realness e Da Money. Mais insaciável seja o LaCroix Boi, em que o artista surge, não apenas consumindo refrigerante, além da intensa dança, como literalmente vestido de refresco. Faz do livre uma bandeira, à medida que sentido dissidente, em um mundo que legitima a normatividade, nada tendo a ver com as quebras de padrões nos videoclipes de Big Dipper, fica melhor apreciar, saboreando qualquer bebida gaseificada. Gás na carreira desse artista, que não falte.
Diogo Mendes, no Brasil
Diogo Mendes é escritor e jornalista. Atualiza toda a semana o blog de cultura e arte, Pontofervura. Nasceu, e vive no Brasil. Colabora para mídia brasileira e portuguesa. Tem lançado o livro de poemas, “emboloração”(2020) pela editora Chiado Books.
Foto: Reprodução/ Rakeem Cunningham