Quem é o homem da relação? Quem é a mulher da relação?
Acho que todos já nos depararmos com estas perguntas. Quando digo todos, pessoas que não tem relações amorosas heterossexuais. E como fugimos do padrão arcaico imposto por uma sociedade patriarcal, surgem as perguntas sem nexo.
Não existe um homem nem uma mulher numa relação LGBTQIA+. Não existe papéis masculinos ou femininos. Não existe o modelo antiquado que a sociedade gosta de impor a casais heterossexuais e não heterossexuais. Não existe a dona de casa, nem o homem que passa o dia fora de casa a trabalhar, nem a mulher cuidadora, nem o homem autoritário. Isto é mais uma forma discriminatória de impor um modelo nas pessoas LGBTQIA+. Mais uma forma de impor restrições nestas relações amorosas.
Lembro-me de ouvir estas perguntas desde cedo. E era visto como uma piada. Mas será que tem piada? Tem piada perguntar a um casal quem é que veste as calças?
Lembro-me de ouvir estas perguntas desde cedo. E era visto como uma piada. Mas será que tem piada? Tem piada perguntar a um casal quem é que veste as calças?
Se o objectivo for invisibilizar um casal LGBTQIA+, então atingiu o mesmo, mas sem graça.
A heteronormatividade quer implementar a ideia de que somos todos heterossexuais, e que existe um papel masculino e feminino. É um sistema preconceituoso de excluir a comunidade LGBTQIA+. E é também é um sistema machista de indicar a mulher a um papel submisso, e o homem a dominante.
Mas como são realmente as relações desta comunidade? Acho que quem já esteve numa relação não heterossexual sabe que não existe um papel a desempenhar, senão o compromisso de partilhar a vida com alguém que gostamos e de entre ajuda. De quem nesta economia, consegue ter uma casa, e assim divide as tarefas domésticas.
De ter o apoio da família, e celebrar datas importantes e quadras festivas todos juntos. São relações de partilha e apoio, tal como devem ser as relações heterossexuais.
Tanto na comunidade LGBTQIA+ e fora dela, devemos reforçar a ideia de igualdade entre as pessoas, sejam elas homens e mulheres hetero, não binários, gays, bissexuais ou assexuados.
Acho que no fundo, tanto como noutros planos da nossa vida, também queremos que haja inclusão e igualdade nas nossas relações. O casamento entre pessoas do mesmo sexo foi aprovado em 2010, e a adopção por casais do mesmo sexo em 2016. Mas pressinto que não são direitos seguros e que temos de continuar a batalhar para os defender e não recuarmos no progresso feito.
Infelizmente em Portugal, temos um governo que está mais preocupado em mudar as cores de boletins de vacinas, rosa para mulheres e azul para homens, do que a criar inclusão e mudar preconceitos. Mas nada se pode esperar de um governo liderado por um primeiro-ministro quer libertar a disciplina de cidadania de projectos ideológicos.
O que quer esta sociedade portuguesa? Criar o papel de dona de casa? Salvar as crianças? De quem?
Salvamos crianças se ensinarmos conceitos como empatia, inclusão e igualdade.
Salvamos adolescentes se ensinarmos o poder da escolha, autonomia sobre o corpo e aceitação.
Salvamos adultos se ensinarmos a viver como iguais, apesar das nossas diferenças.
Espero que quem ler isto, perceba que apesar de vermos ameaçados alguns dos nossos direitos, tenha ainda assim esperança em lutar por um mundo onde não haja este tipo de perguntas tontas, onde é normal ver crianças com dois pais ou duas mães, em que respeitamos os pronomes pelas quais as pessoas querem ser tratadas, em que o mundo é mais neutro para com estas pessoas, em que o mundo é mais justo e igualitário.
Como escreve o Saramago, “A esperança, só a esperança, nada mais, chega-se a um ponto em que não há mais nada senão ela, é então que descobrimos que ainda temos tudo.”.
Sara Correia