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Quem foi Antónia Rodrigues, a “Amazona Portuguesa”?

Antónia Rodrigues

Apesar do início do movimento LGBTQIA+ se ter iniciado há menos de sete décadas, da proliferação de Marchas e celebrações do Orgulho que trariam a visibilidade da luta pelos Direitos LGBTQIA+ pelo mundo, a História da Sexualidade mostra estar repleta de personalidades que marcaram o seu tempo, quer por via da transgressão das convenções sociais, da inversão dos códigos binários de género assim como da heterossexualidade compulsória. 

Poderíamos relembrar figuras históricas como Sócrates, Julio César, Ricardo Coração de Leão, Leonardo da Vinci, Maria Antonieta, Virginia Woolf, Lili Elbe, entre muitas outras figuras que ocupam os nossos imaginários mas a historiografia tende a omitir a sua sexualidade.

A figura que aqui pretendemos resgatar é de seu nome Antónia Rodrigues, também conhecida como Antónia de Aveiro, mulher notável dessa terra assim como da história de Portugal. Nascida no séc. XVI, filha de uma casa pobre de pescadores, é pela sua condição social obrigada a ir viver com a sua irmã e cunhado para Lisboa com apenas 11 anos. De espírito irrequieto, génio lascivo, Antónia recusava-se às tradicionais tarefas domésticas, ao cortejo dos rapazes que se maravilhavam pela sua figura esbelta, admirando antes a vida dos marinheiros que atracavam as caravelas junto ao Tejo, confessando com eles o desejo e mágoa que sentia por não ter nascido homem e não poder participar com eles na descoberta de novos horizontes. Não será preciso dizer que tais confissões rapidamente se virariam contra si, sendo considerada como louca.
Aos 15 anos, com algum dinheiro que juntara das feiras onde vendera as suas poucas roupas e/ou trocara por outras masculinas, Antónia decide finalmente aventurar-se numa incursão marítima, agora "vestida de homem", de cabelo cortado e apresentando-se pelo seu nome masculino “António Rodrigues”. Conseguindo embarcar na caravela com destino a Mazagão (actual El Jadida, cidade em Marrocos), passara rapidamente de grumete de caravela a aspirante de marinheiro, obtendo o reconhecimento do capitão.
Chegando a Mazagão, antiga possessão portuguesa no Norte de África, Antónia parte numa nova aventura. Desta vez decide alistar-se como soldado e apoiar as batalhas que ali se desenrolavam contra os mouros. Adquirindo facilmente o manejo das armas, é lhe reconhecida esta habilidade pelo Governador que cedo lhe entregara as suas tropas para combater os mouros no qual sairia vitoriosa.
Rapidamente Antónia, agora, António Rodrigues, ganhara popularidade entre as damas da corte, entre as quais, D. Beatriz de Meneses, filha de um dos principais fidalgos da região, que se apercebendo da paixoneta e das qualidades militares e de cavalaria de Antónia/o, incentivara o casamento e reconhecimento do casal pelo Governador.
Quando chamada à presença do Governador para tal notícia, Antónia Rodrigues corou, chorou, e perdendo a coragem em manter a sua falsa identidade revela a sua estória.
Rapidamente a notícia se espalharia pelo reino, mas ao contrário do que se poderia esperar, do habitual castigo por heresia da Inquisição, Antónia é aclamada pelo povo no qual lhe atribua o epíteto de “cavaleira aveirense”.
Acabando por casar com um oficial do reino no qual tivera um filho, regressaria com a família a Lisboa anos mais tarde, tendo sido já em viúva convidada a fazer parte da corte de Filipe II em Madrid. O rasto de Antónia perde-se depois do seu regresso a Portugal e consecutiva saída da corte, sendo-lhe atribuída a data da morte o ano de 1641 ou 1642, com 61 ou 62 anos.
Antónia Rodrigues é, sem margem de dúvidas, uma figura ímpar na história de Portugal. Pela sua valentia e coragem tornar-se-ia num símbolo do povo. Mitificada, renegada, mostra ter sido esquecida pela historiografia portuguesa no qual o feminino mostra ainda não encontrar lugar ou apenas um espaço de mero observador. Antónia Rodrigues, ou António Rodrigues, decidira não ser mera personagem contemplativa da sua vida, arriscando, transgredindo e desafinado os limites do legal e socialmente aceitável, acabaria por se tornar uma lenda que não devemos esquecer.

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.