Radicais - Queers que fizeram História em podcast para ouvires
Hoje chamamos-lhes queer. A História já lhes chamou coisas piores. Mas uma coisa é certa: sempre cá estiveram.
7 histórias, 7 pessoas que desafiaram o seu tempo e viveram a sua sexualidade de forma radical.
"Radicais: Queers que fizeram História" é um podcast da série Sapiens produzido pela Bruá Podcasts narrado por Luís Moreira e que podes encontrar em todas as plataformas de podcasts e em bruapodcasts.com
É esta a sinopse deste conjunto de podcasts que não vais querer perder. Cada um narra história LGBTI+ de uma figura histórica, fica a par de tudo aqui:
Letra L – Felipa de Sousa contra a Inquisição: Felipa de Sousa, a primeira lésbica de que há registo no Brasil, era a costureira mais requisitada da Baía. Os seus dedos mágicos percorriam os corpos quentes das mulheres baianas e nenhuma cliente saía insatisfeita. No entanto, o seu atelier escondia um segredo. Felipa de Sousa gostava muito de ser costureira porque gostava mesmo muito de mulheres; e graças aos seus encantos, dezenas de baianas descobriram o prazer que só uma mulher experiente lhes podia dar. Era um segredo à vista de todos, uma consequência natural do ambiente tropical. Mas quando a Inquisição portuguesa visitou o Brasil pela primeira vez à caça de hereges e perversos sexuais, os amores de Felipa viraram pecado. Será uma única costureira capaz de fazer frente ao Santo Ofício?
Letra G – Frederico da Prússia e o palácio dos prazeres: Reino da Prússia, 1768. Frederico, o Grande, era um dos maiores líderes europeus. Herdou do pai um reino optimizado para a guerra, com regimentos de soldados bem treinados e fardas impecavelmente passadas a ferro; e em poucos anos, expandiu o território da Prússia e pôs toda a Europa a temer o seu temperamento irrascível. Mas este era apenas um dos Fredericos. Nos bastidores do poder, atrás das linhas de batalha e das reuniões de estratégia militar, o Rei alargava o colarinho, despia a farda e refugiava-se no Palácio Sanssouci, o seu paraíso na terra. Repleto de maravilhosas esculturas e pinturas de deuses e heróis gregos, o palácio era um verdadeiro monumento ao corpo masculino; e era ali, escondido do mundo, que Frederico dava asas ao segredo que sempre procurara esconder do pai, dos seus generais e do resto da Europa: a sua homossexualidade. Poderá um dos mais poderosos Reis europeus viver em pleno a sua sexualidade?
Letra B – Julie D’Aubigny e as suas descaradas, inacreditáveis, obscenas e loucas aventuras: França, 1670. A vida de Julie D'Aubigny não dava um filme, dava uma série com várias temporadas. Ela fez de tudo. Foi educada no meio dos estábulos reais, onde aprendeu a fazer esgrima. Foi amante de um amigo do seu pai, um Conde com quem fugiu para Paris. Apaixonou-se por um playboy criminoso. Andou de tronco nu em tabernas enquanto lutava com o seu amante em espectáculos encenados. Tornou-se estrela da Ópera de Paris, duelou com aristocratas, vestiu-se de freira para raptar uma noviça e até pegou fogo a um convento. A sua vida foi um turbilhão, e chegou-nos na forma de relatos e rumores contados nas tabernas e palácios franceses. Mas o mais incrível é que Julie encontrou ainda tempo amar quem quis. Era claramente bissexual, apaixonando-se por homens e mulheres com a mesma voracidade. Mas também amou jovens e velhos, aristocratas e saltimbancos, condes e condessas, sem que ninguém conseguisse resistir aos seus encantos. Julie amou sem olhar ao sexo e ao género, deixando-se levar exclusivamente pela sua vontade. E pelo caminho, testou até aos limites os ditames da sociedade em que vivia.
Letra T - O Cavaleiro D’Éon, uma grande mulher: França, 1777. Charles D'Éon usou muitas máscaras. Foi soldado e cavaleiro na Guerra dos Sete Anos. Foi embaixador de França, primeiro na Rússia e depois em Inglaterra. Foi espião para Luis XV, planeando nas sombras a invasão da Inglaterra. Foi bibliógrafo obsessivo, gastando fortunas em livros. Foi bon vivant profissional, maravilhando os gentlemen ingleses com as suas festas regadas a vinho. Mas a maior máscara que alguma vez usou na vida foi o próprio corpo. D'Éon era, na verdade, uma mulher presa ao corpo de um homem, uma verdade que só descobriu depois de anos de reflexão. No entanto, recusou-se a viveu em segredo: em vez disso, reuniu uma coragem inimaginável e exigiu ao Rei de França que o deixasse mudar de sexo e viver com uma mulher. A partir daí, D'Éon passaria a viver, para todos os efeitos, como uma pessoa transgénero, não às escondidas mas à frente de todos, fazendo duelos de saia e usando vestidos quando ia a Versalhes. E mesmo quando as dificuldades de ser mulher em pleno séc. XVIII ameaçaram a sua vida, D'Éon nunca voltou atrás, transformando-se numa verdadeira celebridade e num exemplo de coragem inspiradora.
Letra Q – Njinga Mbandi, a Rainha Guerreira: África Ocidental, 1624. Njinga Mbandi, a Princesa do Ndongo, nasceu com o cordão umbilical preso à volta do pescoço, e toda a sua vida procurou soltar-se. Aguentou de tudo. Cresceu como princesa e guerreira, aprendendo desde cedo a lutar com um machado. Assistiu à invasão de homens pálidos vindos de terras longínquas, que se apresentavam como "portugueses". Perdeu o filho às mãos do próprio irmão, o medroso e paranóico Rei dos Ndongo. Foi embaixadora junto dos colonizadores, impressionando-os com a sua sofisticação. Mas um dia, fartou-se. Depois da misteriosa morte do seu irmão Rei, que pode (ou não) ter sido envenenado, Njinga assumiu os destinos do Ndongo e apressou-se a confundir ainda mais os pobres portugueses. É que os seus inimigos não esperavam muito de uma Rainha negra; mas Njinga desafiava todas as convenções. Usava roupas masculinas. Tratava os maridos como concubinas. Tornou-se líder dos guerreiros imbangalas, uma honra que até então nunca coubera a uma mulher. Aos olhos do Europeus, Njinga era algo estranho, algo absolutamente Queer. Como podia uma mulher africana combater ao lado dos homens e liderar um Reino? Fugindo a todas as expectativas de género, Njinga Mbandi transformou-se numa das mais respeitadas e lendárias líderes africanas.
Letra I – Eleno de Céspedes, o cirurgião preso ao próprio corpo: Espanha, 1584. Eleno de Céspedes, o grande cirurgião, prepara-se para casar. A sua vida não foi fácil. Filho de um homem rico e de uma escrava mourisca, conquistou a liberdade, sobreviveu a um casamento de terror, fez-se soldado e finalmente estudou medicina. Para ele, o corpo humano não tinha mistérios: purgava, sangrava e amputava como ninguém, e depressa conquistou a sua reputação e, mais importante ainda, o coração da sua jovem mulher. No entanto, Eleno escondia um segredo: era "hermafrodita", isto é, intersexo. Os seus genitais eram ambíguos, para sempre um meio-termo entre o masculino e o feminino. E quando este facto veio a público, tanto o casamento como a própria vida de Eleno foram postos em causa. Julgado pela Santa Inquisição, Eleno foi forçado a despir-se e a ver o seu corpo exposto, discutido e escrutinado. Padres e juízes analisaram os seus genitais e discutiram a que sexo correspondiam. Será que Eleno foi, na verdade, Elena? E poderá a identidade de alguém ser reduzida apenas ao seu corpo?
Letra A - Londres, 1558. Isabel I, filha do lendário Henrique VIII e da decapitada Ana Bolena, subiu ao trono de Inglaterra na pior altura possível. O país estava dividido ao meio entre católicos e anglicanos. A norte, os escoceses ameaçavam descer até Londres e tomar a Coroa. E no resto da Europa, Espanha e França fortaleciam as suas posições, deixando Inglaterra para trás. No entanto, Isabel I surpreendeu todos: acalmou os ânimos, derrotou inimigos, reconquistou o respeito internacional e até resistiu à temida Armada Invencível. Mas por mais extraordinário que fosse o seu reinado, Isabel I falhava nas duas principais obrigações de qualquer boa Rainha: casar e ter filhos. Sem herdeiros, a dinastia dos Tudors e o trono de Inglaterra ficavam em risco; e da Igreja Anglicana ao Parlamento, todo o país pedia a uma só voz que Isabel parasse de recusar pretendentes e engravidasse de uma vez por todas. Mas Isabel disse que não: não e não, vezes sem conta. Recusou qualquer intimidade com qualquer homem. Morreu como "A Rainha Virgem". E na defesa do seu próprio corpo, mostrou que o "não" de uma única mulher podia mudar os destinos da História mundial.
O dezanove.pt quis saber a razão da escolha destas personagens e não outras. A produção dos podcasts faz saber que "a escolha destas personagens deu-se por vários motivos. Por um lado, quisemos evitar recorrer a histórias mais modernas ou contemporâneas precisamente para validar o ponto que sempre existiram pessoas que seriam LGBTQIA+ mesmo que na altura não existisse essa terminologia. Quanto mais para trás no tempo fossemos mais conseguiríamos validar essa afirmação. Por outro lado, quisemos fazer justiça e valorizar algumas das histórias mais obscuras e pessoas esquecidas do imaginário coletivo, como Eleno de Céspedes ou Filipa de Sousa, histórias de enorme resistência perante os mais cruéis tratamentos e que merecem ser contadas hoje em dia" e os responsáveis da Bruá prosseguem: "Por último, achámos importante que cada narrativa trouxesse um ângulo próprio e diferenciador. No caso de Frederico da Prússia foi a ligação entre a homossexualidade e o poder, num contexto simultaneamente de domínio e de segredo. No caso de Njinga Mbandi a ideia de queerness como um olhar externo imposto por uma força que desconhecia as realidades locais. No caso de Julie D´Aubigny a energia contagiante da liberdade absoluta mas também as consequências das mesmas. Em cada episódio há uma meta-temática que serve de fio condutor e que emana naturalmente da história, quase como se pedisse para ser contada ao invés de moldada por nós".
Também quisemos saber se a Bruá pensa numa nova edição deste projecto, mas com nomes nacionais: "Sim, seria sem sombra de dúvidas uma coisa que gostaríamos de explorar. Há todo um manancial de histórias infelizmente esquecidas que devem ser preservadas e analisadas no contexto de uma historiografia LGBTQIA+ portuguesa. Algumas histórias cada vez mais conhecidas, como o caso de Gisberta ou de Valentim de Barros, algumas que foram importantíssimas na época mas hoje em dia um pouco ignoradas, como o escândalo das publicações de "Decadência" de Judith Teixeira, "Canções" de António Botto e "Sodoma Divinizada" de Raul Leal, outras que permanecem completos mistérios ou suposições como o caso de Leitão de Barros, D. Sebastião ou o próprio Infante Dom Henrique. Seja quais forem as histórias, continuamos a acreditar que é preciso trazer luz sobre a historiografia LGBTQIA+ portuguesa e que o podcast pode e deve ser o formato por excelência para o fazer".