Realizadoras Portuguesas: Cinema no Feminino na Era Contemporânea
“No caso em questão, bem se pode dizer que em torno das realizadoras portuguesas, até há bem pouco tempo, sempre se fecharam vários círculos de ferro difíceis de quebrar num país com as características de Portugal, justamente encarado na introdução deste ensaio como nação pequena. (...) Portugal, país de dez milhões de habitantes, situado no extremo oeste da Europa, com uma história de grande expansão pelo mundo, mas que chegou ao final do século xx atrasado em vários aspectos da vida cultural, encontra na tremenda batalha pela produção do cinema produzido por mulheres uma história que o tipifica.”
Lídia Jorge, Realizadoras Portuguesas: Cinema no Feminino na Era Contemporânea (ICS, 2023)
De acordo com o estudo “A Condição da Mulher nos Sectores do Cinema e Audiovisual em Portugal”, pela associação MUTIM - Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento, revela a desproporcional vulnerabilidade das mulheres nos sectores do cinema e do audiovisual quando comparadas com o género oposto.
Os dados mostram não só uma muito maior proporção de Homens face a Mulheres a beneficiar de salários mais elevados no sector e muito mais Mulheres do que Homens nos escalões remuneratórios mais baixos; como também são mencionadas outras formas de discriminação de género (41,6%) e de assédio no local de trabalho e/ou no desempenho de funções (37,6%); assim como da falta da representatividade feminina nos júris dos concursos promovidos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (2022) assim como do financiamento de projectos liderados por mulheres.
Percebemos a remota posição do feminino no cinema e audiovisual português no que toca ao caminho para a igualdade de género. Nesta obra colectiva, Realizadoras Portuguesas: Cinema no Feminino na Era Contemporânea, na qual participam dez ensaístas que estudam vinte filmes de catorze realizadoras portuguesas dos últimos cinquenta anos, mostra-nos não só como as mulheres realizadoras portuguesas se encontram no centro de várias marginalidades como nos sensibiliza para a transição democrática concebida com o 25 de Abril de 1974 para o surgimento do lugar das mulheres no cinema português e na produção cinematográfica.
Segundo Mariana Liz, organizadora ensaísta desta obra que nos sensibiliza a ligação do cinema português e o feminismo, se olhássemos para o cinema português do ponto de vista feminino - não considerando o trabalho de Bárbara Virgínia, a primeira mulher a realizar uma longa-metragem de ficção sonora no Portugal do Estado Novo (1946) -, o cinema português só nasceria 80 anos depois do nascimento do cinema com a longa-metragem de Noémia Delgado, Máscaras, em contexto democrático (1976).
Ainda assim, olhando para a leitura afirmativa do cinema português do ponto de vista feminino nas últimas décadas, temos em Portugal um tipo de cinema no feminino ou feminista? A obra elucida-nos para esta questão que é simultaneamente um problema político a solucionar como uma característica própria do cinema que se faz em Portugal.
No prefácio, por Lídia Jorge, logo nos dá conta da inexistência de uma filmografia feminista portuguesa ainda que da produção de curtas e longas metragens, documentários, reportagens, filmes de todo o género, com figuras de mulheres como protagonistas. A recusa das realizadoras em Portugal em se identificarem como “feministas”, ou mesmo como “mulheres”, mostra como a complexidade da questão do género paira como uma “não questão” sobe o cinema e audiovisual português.
Ainda assim, através do encontro com as práticas cinematográficas das catorze realizadoras é possível encontrar uma análise crítica feminista sobe a forma como a mulher surge enquanto sujeito temático em cada uma das produções das realizadoras e como os seus filmes possibilitam alcançar novas linguagens, perspetivas de estudo e análise no cinema português. O que as autoras chamam de “reterritorialização do cinema feminino português”.
Máscaras (Noémia Delgado, 1976)
Anjo da Guarda (Margarida Gil, 1998)
Rasganço (Raquel Freire, 2001)
Kuxa Kanema: O Nascimento do Cinema (Margarida Cardoso, 2003)
Cartas a uma Ditadura (Inês de Medeiros, 2006)
48 (Susana de Sousa Dias, 2010)
Yvone Kane (Margarida Cardoso, 2014)
YVONE KANE de Margarida Cardoso TRAILER from Midas Filmes on Vimeo.
Ama-San (Cláudia Varejão, 2016)
Um Campo de Aviação (Joana Pimenta, 2016)
Balada de um Batráquio (Leonor Teles, 2016)
Eldorado XXI (Salomé Lamas, 2016)
Correspondências (Rita Azevedo Gomes, 2016)
Colo (Teresa Villaverde, 2017)
Tempo Comum (Susana Nobre, 2018)
Este é um livro de mulheres que falam sobre obras de mulheres e que, entre outras coisas, permitem a qualquer leitor/a redescobrir o cinema português através de novas realizadoras e produções cinematográficas que reflectem a riqueza e diversidade da Sétima Arte portuguesa.
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer.