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márcia lima soares

Com uma vitória clara da abstenção, com invisuais sem acesso a boletins em braille, pessoas de mobilidade reduzida, sem acessos válidos para chegar às urnas, ao passo que os/as mais jovens não votam devido à sua inércia descontente, sinto que passei mais tempo a reflectir no pós-eleições, do que propriamente no dia que antecedeu a votação.

 

Sou mulher e parece-me que muita gente ainda acredita que eu não deveria sequer escrever sobre assuntos "que não me dizem respeito." Era tudo tão mais fácil quando estávamos remetidas à cozinha, ignorantes, caladas, em meio à escuridão das tiranias. Procuro sempre não me estender, quase como se quisesse que o meu texto coubesse numa mensagem de telemóvel, cheia de abreviaturas, no entanto, falho sempre e redondamente.

No dia 23 de Setembro, tive um debate online, sobre questões LGBTIQ+ (eu sei, são muitas letras, ninguém quer saber disso). Éramos cinco pessoas, duas mulheres e três homens, para além da moderadora. Equilibrado, portanto. Entre quem estava presente, havia quem não tivesse uma única proposta, nem sequer dominasse o tema, como se fôssemos para um debate sobre Economia e não soubéssemos, sequer, o que era o PIB ou o IRC (tantas letras, que confusão). Houve quem dissesse que a tal comunidade LGBTIQ+ era privilegiada e que tinha mais direitos que os outros membros da sociedade (ainda me estão a ler? Tenho pressa de dizer tudo, de estimular questionamentos, embora não me queira alongar). A voz até se me embarga quando falo disto, por saber da solidão e dos inúmeros casos de suicídio entre pessoas trans; das relações difíceis com a família, quando uma mulher assume uma relação lésbica; ou quando ouvimos na rua "olha o paneleiro, que nojo que me mete."

Tenho pressa de dizer tudo, de estimular questionamentos, embora não me queira alongar). A voz até se me embarga quando falo disto, por saber da solidão e dos inúmeros casos de suicídio entre pessoas trans; das relações difíceis com a família, quando uma mulher assume uma relação lésbica; ou quando ouvimos na rua "olha o paneleiro, que nojo que me mete."

Discursos perigosos, larachas de café, que apelidam o primeiro-ministro de "monhé".  Não percebo o ódio que lhe têm, apesar de não votar PS. Entre cervejas, homens brancos disparam histórias que repetem de cadeira em cadeira, sem confirmarem as fontes. Como não há rasto, não se atesta a veracidade das mesmas. Podem não ter nascido nos ditos berços de ouro, porém não deixam de ser homens, brancos, heterossexuais, portugueses, que correspondem à norma mais tradicional da nossa cultura. Já se sentiram discriminados? Foram olhados ou apontados na rua, pela cor da pele, pela sua orientação sexual, por usarem uma mini-saia e "estarem a pedi-las?" Muito provavelmente não. Podem ter vivido os últimos nos da ditadura fascista, sem que sentissem a sua liberdade beliscada, por isso desconhecem os sinais que mostram o crescimento de um discurso populista e neo-fascista. Política sem propostas, que ignora diversos temas, em particular os que dizem respeito às minorias, e que sobrevive às custas de discursos que martelam as mesmas ideias, gritadas ao microfone, apelando ao nosso lado que aguarda o Messias, tal como há séculos atrás, quando tantos diziam e fingiam ser o nosso D. Sebastião. Contudo, quem falha em descodificar esses sinais, não se importa que tenhamos gente despreparada e mal-intencionada a tomar o poder (mesmo com todos os vídeos fornecidos pelo Ricardo Araújo Pereira, porque "vá lá, não é assim tão mau"; talvez também não saibam que o partido Nazi nunca teve uma maioria absoluta e que o cargo de chanceler foi "oferecido" a Adolf Hitler, achando-se que o parlamento iria conseguir "controlá-lo". Enganaram-se.

Já se sentiram discriminados? Foram olhados ou apontados na rua, pela cor da pele, pela sua orientação sexual, por usarem uma mini-saia e "estarem a pedi-las?"

Estou a alongar-me, eu sei, é por isso que o meu discurso não pode nunca ser populista, pois não consigo despejar frases feitas e pequenas ideias repetidas. É como refere Paulo Côrte-Real, "existem 28 mulheres em 308 câmaras e isto deveria chocar," por revelar o atraso que ainda enfrentamos, em matéria de género. Ora, mas ninguém quer saber disso. "Somos todos iguais, já se sabe, para quê debater estas questões em aulas de cidadania?" Pois, mas como dizia o meu amigo Tomás Barão, na noite das eleições, "relativamente a direitos humanos, não imaginei que voltaríamos a ter de discutir o óbvio."

E os tais homens, à volta da mesa do café, até são "pessoas de bem", têm famílias, pagam os seus impostos, recebem salários baixos perante uma vida inteira de trabalho, mas repetem estas ideias pré-fabricadas, as velhinhas questões do "nada contra os maricas, até tenho vários amigos", "os pretos também são racistas", "a minha mulher tem sorte, que eu não lhe bato", "os subsídios vão todos para os ciganos". 

E que faço eu, na mesa ao lado? Ignoro? Fujo? Debato? 

Serei uma contra muitos. 

Farta de levar com condescendências, deixo para outro dia e saio dali a pensar que os homens do café terão votado, irremediavelmente, mal.

 

Márcia Lima Soares, Candidata à Assembleia de Freguesia de Palmela pelo Bloco de Esquerda

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