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Reino Unido bloqueia Lei de Reconhecimento Legal de Género do Parlamento Escocês

  

transgender

No passado dia 16 de Janeiro, o governo do Reino Unido decidiu bloquear o  projecto de lei escocês destinado a facilitar a mudança de género legal na Escócia. 

Após uma aprovação de 86 votos contra 39, o parlamento escocês, aprovou em  Dezembro de 2022, um projecto de lei de Reforma do Reconhecimento Legal de  Género que previa simplificar a alteração de género em documentos legais na  Escócia. Em linha com o conselho da Organização Mundial da Saúde (OMS) este  projecto de lei eliminaria a necessidade de um diagnóstico médico de disforia de  género para a obtenção de um Certificado de Reconhecimento de Género por  pessoas Trans e Intersexo, assim como reduzia o limite de idade de 18 para 16  anos para solicitar este certificado. 

Contudo, apesar das salvas levantadas pelo movimento Trans e associações  LGBTQIA+ no Reino Unido sobre esta medida, vários líderes políticos de ala  conservadora manifestaram-se contra a proposta de lei. Entre o secretário  escocês do governo conservador, Alister Jack, o líder trabalhista Keir Starmer, e o líder do governo conservador, actual primeiro ministro, Rishi Sunak, levantaram  fortes oposições à Lei de Reconhecimento Legal de Género, salientando o seu “impacto adverso” nas políticas de igualdade e reconhecimento de género em  todo o Reino Unido, tal como das alegadas situações de abuso de assédio sexual  e violência masculina possíveis de serem motivadas pelo novo sistema legal,  decidindo assim bloquear o seu avanço legal. 

Eram já conhecidas as intenções de Rishi Sunak em alterar a legislação sobre o  reconhecimento legal de género no Reino Unido, ao qual se materializa agora em  resposta à proposta de reconhecimento legal de género da Escócia. Lembramos  que Sunak, após a saída de Boris Johnson de Downing Street, em 2022,  declamava um conjunto de opiniões transfóbicas acerca das identidades trans,  alegando que "a biologia é extremamente importante" para discutir questões trans  assim como apontava a lei de reconhecimento de género como uma “ameaça" aos direitos das mulheres-cis, nomeadamente através do acesso a espaços demarcados por sexo. 

As actuais declarações sobre a lei de reconhecimento de género proposta pelo parlamento escocês mostram as diferenças ideológicas sobre os direitos trans no Reino Unido. Enquanto partidos conservadores defendem posições transfóbicas  justificados pelo determinismo biológico e ataque aos direitos de igualdade de  género no Reino Unido, os partidos de esquerda (Scottish National Party e o  Scottish Green Party) levantam-se contra o veto de Westminster sobre o projecto de lei que, não só imputa negativamente a autonomia democrática do parlamento  Escocês como desqualifica as pessoas Trans de direitos inalienáveis.  

A vida das pessoas trans mostra continuar num interregno entre a disputa de soberania política e afirmação democrática do governo escocês e os ataques  transfóbicos e patologizantes do primeiro ministro e líderes conservadores do  Reino Unido. Ainda que, no mesmo dia deste veto, Rishi Sunak tenha tornado  pública a posição de defesa da proibição das terapias de conversão sexual para  todas as pessoas, mostra o desfasar das suas declarações aquando inviabiliza e  despreza a inteligibilidade das vidas trans.  

Posto isto, a não consagração dos direitos de autodeterminação continua a  precarizar milhares de vidas, colocando-as sobre o risco acrescido de violência e  de diferentes formas de discriminação. Recordamos que em Portugal a Lei  nº 38/2018, sobre o direito à autodeterminação da identidade de género e  expressão de género e à protecção das características sexuais, mostrou ser fulcral  para o acesso digno e respeitoso das pessoas trans a serviços de saúde,  trabalho, habitação, família e educação. Contudo, a consagração desta lei mostra ainda debilidades, quer pela ausência de guias de boas práticas e formação para  profissionais de saúde, educação, justiça e segurança, sobre temas LGBTQIA+,  seja pela perpetuação de actos de perseguição e discriminação transfóbica, ou  ainda a prevalência da prática das terapias de conversão sexual por parte de  profissionais de saúde. 

Num tempo de crise económica e social, uma vez mais, os grupos minoritários  são os mais propensos a sofrer as diferentes e interseccionais formas de  discriminação. Os direitos das pessoas trans mostram a fragilidade dos direitos  democráticos já alcançados pela comunidade LGBTQIA+ no decorrer dos últimos  anos.

Num tempo de crise económica e social, uma vez mais, os grupos minoritários  são os mais propensos a sofrer as diferentes e interseccionais formas de  discriminação. Os direitos das pessoas trans mostram a fragilidade dos direitos  democráticos já alcançados pela comunidade LGBTQIA+ no decorrer dos últimos  anos. Mostra-nos também o reforço e perpetuação de crenças e práticas  patologizantes das identidades de género e das orientações sexuais/românticas.  Ainda, mostram-nos que se embora existindo protecção jurídico-legal nem todas as  pessoas vêem ser garantidos os seus direitos e dignidades, aquelas que nem aos  olhos do Estado são reconhecidas sofrem de processos de desumanização irreversíveis.  

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.