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Retratos queer da Ucrânia em guerra: a arte de Anton Shebetko em exposição no Porto

Anton Shebetko

“Three Kind Reminders” apresenta três visões sobre a comunidade LGBTQ+ ucraniana desde o início do conflito com a Rússia. Para ver na OKNa – Espaço Cultural até 17 de Dezembro.

 

Desde 24 de Fevereiro que a guerra na Ucrânia marca presença diária nos nossos telejornais mas, como ponto prévio, convém lembrar que o confronto com o vizinho russo já dura há oito anos. Ao longo desse tempo, Anton Shebetko, artista natural de Kiev estabelecido em Amesterdão, tem documentado histórias de pessoas queer ucranianas, quer no seu país natal quer nos destinos de acolhimento por toda a Europa. É autor do livro “A Very Brief and Subjective Queer History of Ukraine”, onde entrelaça a sua fotografia com entrevistas, ensaios e reflexões sobre a difícil mas progressiva conquista de direitos pelo activismo LGBTQ+ na era pós-soviética. A resistência ao invasor, conta-nos, trava-se não só pela independência de um país soberano mas também pela defesa dessas conquistas, que o estado russo vê como uma importação inaceitável do decadentismo ocidental.

Em “Simeiz”, um dos projectos agora expostos, Shebetko narra os últimos anos de liberdade de uma vila costeira da Crimeia que, de praia de nudismo frequentada por alguns homossexuais em meados do século passado, se converteu numa pequena Mykonos do Mar Negro, um refúgio de aceitação sexual cercado por regimes onde a intolerância tem força de lei. Durante o seu apogeu, no início dos anos 2000, Simeiz tornou-se um ponto de encontro para russos, ucranianos, bielorussos, checos, mais de 30 mil em certas temporadas. A anexação da Crimeia em 2014 ditou o fim desse oásis de liberdade, um paraíso perdido que ainda podemos testemunhar através da lente e das palavras do artista. 

Anton Shebetko porto okna

A escolha do povo ucraniano por um caminho de aproximação à União Europeia ficou demonstrada na Revolução de Euromaidan. Para a comunidade LGBTQ+, este rumo era sinónimo de mais direitos civis. A vida na “Gayrope”, termo então vulgarizado, tornou-se um ideal para a Ucrânia queer. O início da guerra atirou muitas dessas pessoas para as cidades da Europa ocidental, onde a realidade se impôs e desfez a visão idílica. Shebetko conta que não foi em Kiev, mas em Bruxelas, que pela primeira vez foi vítima de um ataque homofóbico. Em “To Know us Better”, retrata as vivências dessa diáspora queer espalhada pela Europa, uma comunidade de expatriados que anseia regressar ao seu país e relançar o caminho de conquistas prosseguido nos últimos anos. No âmbito deste projecto, ainda em curso, o artista publicou recentemente um apelo à participação de pessoas LGBTQ+ ucranianas residentes em Portugal. 

 

Os temas abordados por Anton Shebetko não se esgotam nesta exposição e podem ser explorados no seu site. Em contexto de guerra, o trabalho de representação da comunidade queer ucraniana, duplamente ameaçada pelo inimigo externo e pela LGBTQfobia nacional e estrangeira, assume aqui a força de uma etnografia militante, em que a humanização pela imagem é a principal arma contra a intolerância e a invisibilidade. A revisitação da memória recente, em vez de tomar forma de lamento, é invocada como manifesto de defesa e de prevenção de novas perdas. Subjaz a todo o trabalho a esperança no regresso a uma Ucrânia em paz e livre.

 

Pedro Leitão