"Sinais de Saturno", poesia homoerótica sem pudor ou embaraços
Sinais de Saturno é uma obra colectiva e anónima, inserida na coleção Mutatis-mutantis #22 da não (edições). Um pequeno livro que nos traz a poesia homoerótica sem pudor ou embaraços.
Parafraseando o seu prefácio: “Sem pertencer a homens nem a mulheres, nem a corpos nem a almas, esta é uma obra que pertence só a quem tenha cu. Se você não tem um, portanto talvez seja melhor que pare de ler por aqui, evitando maçar-se com assuntos alheios. A todos os que têm um cu, resta-nos desejar que estas poesias, que humildemente reconhecem e homenageiam esse facto, sejam pequenos fulgores, ora luminosos, ora taciturnos, nos quais se possam rever e com os quais se posa, uma vez por outra, comover.”, percebemos no estranhamento da sua abertura se tratar de uma leitura subversivamente queer.
Entre os 33 poemas que congregam esta obra encontramos o erotismo, a sátira, o gozo de uma linguagem poética a versar sobre temas tantas vezes remetidos ao universo do privado e do não dito. Encontramos, em cada estrofe, uma inverosimilhança de experiências e de géneros que nos informam do universo de possibilidades e de prazeres que não os tipicamente privilegiados cis-heteronormativos. Encontramos na sua enigmática materialidade artística o carácter ficcional, imaginário e metafórico de uma leitura que rompendo com ideologias, acolhe a alteridade e se mostra empoderada.
Uma leitura que indo para além do texto nos lembra como a literatura queer e homoerótica em Portugal não é uma realidade estanque ou passiva. Que não só entre os enormes e pioneiros do homoerotismo literário português: Abel Botelho (1856-1917); Fernando Pessoa (1888-1935); Florbela Espanca (1894-930); António Botto (1897-1959); Raul Leal (1886-1964); Irene Lisboa (1892-1958); Jutith Teixeira (1880-1959); Virginia Vitorino (1895-1967); Natália Correia (1923-1993); Al berto (1948-1997); Luis Miguel Nava (1957-1995); David Mourão‑Ferreira (1927-1996); Eugénio de Andrade (1923-2005); Cesariny (1923-2006), entre outros/as, encontramos novas e renovadas autorias que subvertendo paradigmas arcaicos e hegemónicos nos incentivam a desfazer o armário da leitura e da poesia.
Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.