Sobre ideação suicida e a comunidade LGBTI
O ser humano, sendo um ser sociável, vive em comunidade, onde cria relações e vínculos com tudo o que o rodeia.
Porém, o que torna cada ser humano único é que ele viva a sua vida por ele, tomando as decisões que lhe interessarem, sem ter em conta o que toda a gente possa dizer ou pensar. Existe uma tendência para os indivíduos viverem com a necessidade de pertencer a algo, contudo, e mesmo conseguindo pertencer a um grupo ou uma comunidade, por vezes, há um sentimento de diferença, vulnerabilidade e exposição. Estes sentimentos estão muitas vezes ligados ao medo de expor as diferenças e ser tratado de forma diferente, levando à necessidade de esconder quem é o que sente, acabando por sofrer em silêncio. De uma forma mais concreta, vários são os autores que descrevem a dificuldade que uma pessoa da comunidade LGBTI tem em ser e viver na sua verdadeira essência. O medo da condenação, das represálias, do julgamento e da falta de respeito, levam-nos a não sentirem a segurança e o conforto necessários para gritarem ao mundo os seus “eus”. O ser humano, vivendo sempre com os mesmos padrões, levou-o a recear e a condenar tudo o que for diferente e, por isso, aquele que “é diferente” tem medo de se mostrar como é.
Vários são os autores que descrevem a dificuldade que uma pessoa da comunidade LGBTI tem em ser e viver na sua verdadeira essência. O medo da condenação, das represálias, do julgamento e da falta de respeito, levam-nos a não sentirem a segurança e o conforto necessários para gritarem ao mundo os seus “eus”.
Esta necessidade de “esconder” tem um forte impacto na saúde mental dos indivíduos da comunidade LGBTI. Estudos têm dado ênfase à forma como a saúde mental desta comunidade tem sido afetada, nomeadamente no que toca à ideação suicida. Por exemplo, vários estudos têm demonstrado que a orientação sexual está associada a elevados níveis de stress emocional, ansiedade e depressão; especificamente, estudos apontam que as lésbicas ou mulheres bissexuais que “saíram do armário”, na adolescência, experienciaram 2 a 2.5 vezes mais a ideação suicida que jovens mulheres heterossexuais. Mais ainda, aquelas que não conseguiram expressar a sua identidade, estiveram mais predispostas a cometer suicídio, comparativamente a mulheres heterossexuais (Koh & Ross, 2006). No caso dos indivíduos gay, estudos apontam que a ideação suicida é acentuada por experiências de abusos verbais e físicos, que ocorrem quando "se abrem", pela dificuldade de se abrirem dentro da família, pelo isolamento e pelo consumo excessivo de drogas (como estratégia de coping). (Gilman et al., 2001; Berg et al., 2008). Outros estudos sugerem ainda que bissexuais relatam grandes níveis de comportamentos autolesivos, ideação suicida e tentativa de suicídio, comparativamente a heterossexuais, gays e lésbicas (Dobinson, 2007). Mais ainda, um estudo aponta que uma elevada percentagem de adultos bissexuais reportou sentirem-se insatisfeitos com a própria vida (13.3%), comparativamente a adultos heterossexuais (5.2%) (Vankin & Padilla, 2010). Por fim, mas não menos importante, estudos indicam que há uma elevada percentagem de pessoas transexuais que relatam terem pensado ou que pensam em suicídio, indo de 38 a 65%. Mais ainda, existem também uma percentagem considerável de pessoas transexuais que relataram terem tentado cometer suicídio (16-32%) (Kenagy, 2005; Kenagy & Bostwick, 2005; Xavier et al., 2007).
Estes valores reforçam a necessidade de actuar com urgência dentro da comunidade LGBTI para trabalhar a promoção de saúde, competências ao nível da regulação emocional e de estratégias de coping adaptativas para momentos de maior stress e ansiedade. É necessário sensibilizar as famílias para promover a receptividade e proporcionar um ambiente seguro para as pessoas poderem ser e estar conforme os seus ideais; alertar as comunidades de saúde para actuar de forma precoce, evitando a necessidade de haver uma abordagem remediativa. Para além de tudo isso, é necessário continuar a trabalhar junto da sociedade no sentido promover o respeito e da tolerância pelo que é diferente e “fora da caixa”.
Ana Isabel Lages
Psicóloga Estagiária
Referências
Berg, M.B., Mimiaga, M.J., & Safren, S.A. (2008). Mental health concerns of gay and bisexual men seeking mental health services. Journal of Homosexuality, 54(3), 293–30
Dobinson, C. (2007) Top ten bisexual health issues. As cited in Miller, M., André, A., Ebin, J., and Bessonova, L. (2007). Bisexual health: An introduction and model practices for HIV/STI prevention programming. New York: National Gay and Lesbian Task Force Policy Institute, the Fenway Institute at Fenway Community Health, and BiNet USA.
Gilman, S.E., Cochran, S.D., et al. (2001). Risk of psychiatric disorders among individuals reporting same-sex sexual partners in the National Comorbidity Survey. American Journal of Public Health, 91(6), 933–939. 31
John T. Hendricks & Christine W. (2016). Young Out and about THE LGBT experience in the legal profession. United States of America: American Bar Association
Kenagy, G. (2005). The health and social service needs of transgender people in Philadelphia. International Journal of Transgenderism, 8(2/3), 49-56. 19
Koh, A.S., & Ross, L.K. (2006). Mental health issues: A comparison of lesbian, bisexual and heterosexual women. Journal of Homosexuality, 51(1), 33–57
Kenagy, G. & Bostwick, W. (2005). Health and social service needs of transgender people in Chicago. International Journal of Transgenderism, 8(2/3), 57-66
VanKim, N.A. & Padilla, J.L. (2010). New Mexico’s progress in collecting lesbian, gay, bisexual, and transgender health data and its implications for addressing health disparities. Albuquerque, NM: New Mexico Department of Health, Chronic Disease Prevention and Control Bureau
Xavier, J., Honnold, J., & Bradford, J. (2007). The health, health-related needs, and life course experiences of transgender Virginians. Richmond, VA: Virginia HIV Community Planning Committee and Virginia Department of Health.
—-
Se estás a ler isto e estás a atravessar um período complicado não te isoles.
Se alguém em teu redor não te parece bem mostra-te disponível para ouvir e conversar sem julgar. Recomenda informação de associações LGBTI+ e contactos úteis como os da lista abaixo:
Linhas de apoio e de prevenção do suicídio em Portugal
SOS Voz Amiga
213 544 545 - 912 802 669 - 963 524 660 (das 16h às 24h)
Linha Verde gratuita - 800 209 899 (das 21h à 24h)
Conversa Amiga
808 237 327 - 210 027 159 (das 15h às 22h)
Voades - Vozes Amigas de Esperança
222 030 707 (das 16h às 22h)
Telefone da Amizade
228 323 535 (das 16h às 23h)
Voz de Apoio
225 506 070 (das 21h às 24h)
SOS Estudante
915246060 - 969554545 - 239484020 (das 20h à 1h)
Todas estas linhas são de duplo anonimato — garantido tanto a quem liga como a quem atende. Para encaminhamento, a linha do SNS24 (808 24 24 24) é assumida por profissionais de saúde.