Turmas com sotaque
De cada vez que oiço palavras baratas e sujas sobre a imigração, choca-me a falta de sensibilidade e empatia da população portuguesa. Na verdade, a nossa comunidade emigrante é bastante expressiva, principalmente às portas de cidades como Paris, Londres, Luxemburgo, etc.
No meu caso específico, como professora num país que tem uma natalidade tão baixa, as escolas ganham um novo fôlego com a chegada de famílias angolanas, cabo-verdianas e brasileiras, com as quais partilhamos a língua portuguesa, bem como outras que vêm da Ucrânia, Moldávia ou Bangladesh.
Numa turma tenho cerca de seis adolescentes brasileiros/as. Tratam-me por «Senhora Professora» e eu procuro que me chamem «teacher» ou «Miss Soares». Explico-lhes que, para melhorarem o seu Inglês, devem ver as séries e filmes na língua nativa e optar pelas legendas, ao invés das dobragens. Confesso não saber se seguem este meu conselho, porém, vejo o seu esforço e empenho, procurando recuperar o caminho que outros, que sempre viveram em Portugal, já levam de avanço. Observo o tal «brilhozinho nos olhos», quando respondem correctamente a uma pergunta, quando participam por iniciativa própria, ou quando lhes digo que a pronúncia está a melhorar. Apesar da sua juventude, agarram-se à escola com muito respeito e perseverança, valorizando a longa viagem feita pelos seus familiares, com o objectivo de melhorarem a sua qualidade de vida, valorizando a escola pública. Num outro grupo, a jovem premiada como aluna de mérito chegou da Ucrânia há dois anos, uma referência para os seus pares, tendo aprendido a língua em tempo recorde.
Na minha turma de português, um dos alunos mais empenhados é ucraniano, queria deixar a sua turma de Português Língua Não Materna (PLNM) e ingressar na minha o quanto antes. Leu o Ulisses nas férias de Natal e consultou toda o material que deixei na plataforma online. O seu colega, de origem moldava, tem os melhores resultados e é o primeiro a responder correctamente às minhas perguntas. Uma menina, que mistura o sotaque angolano e brasileiro, explicou que a sua família é multicultural e pergunto-lhe muitas vezes sobre as diferentes expressões idiomáticas que existem naqueles países.
Sim, também tenho alunos e alunas que trabalham pouco, com atitudes que roçam a falta de educação, com um desempenho fraco e pouco motivados/as, porém, isso não está ligado a nenhuma cultura em específico, sendo transversal às diversas nacionalidades. O 1º dos/as discentes é sempre melhor quando há condições para aprender, tanto em casa como na escola e, principalmente, quando as suas famílias são funcionais e proporcionam tudo o que favorece o seu bem-estar físico e psicológico – estabelecimento de regras e rotinas, alimentação saudável, acesso à cultura e ao desporto, interesse pela sua vida social e académica, bem como um ambiente familiar equilibrado. Se a família tem tempo para coexistir e comunicar, a escola torna-se num veículo para levar todas estas crianças e jovens a bom porto, apostando em currículos adequados.
Ganhamos muito com esta diferença e comove-me ver que entre as crianças não há cores nem pronúncias, os comentários racistas e xenófobos partem de casa e o mesmo se diz de todos os preconceitos que, geralmente, estão interligados. As crianças brincam, ponto. A mentalidade adulta é que lhes fabrica as barreiras do medo.
Nota: Uma palavra de apreço às/aos docentes de Português Língua Não Materna (PLNM), que fazem um trabalho extraordinário, mesmo com os poucos meios à sua disposição. Admiro muito o seu trabalho e entrega perante tantas crianças que lutam para transpor a barreira da língua.
Márcia Lima Soares
Professora de Português/Inglês
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