Turquia abandona Convenção de Istambul por “normalizar a homossexualidade”
A Turquia abandonou a Convenção de Istambul, na madrugada de Sábado através de publicação no Diário Oficial do Estado, alegando, posteriormente, num comunicado em representação do Governo e do Presidente da República, Recep Tayyip Erdoğan, que o acordo “foi sequestrado para normalizar a homossexualidade, incompatível com os valores sociais e familiares da Turquia”.
Já no Verão passado, pressões por parte de sectores ultra-conservadores sobre o Governo exigiam que a Turquia se retirasse da Convenção com a justificação de esta “promover a homossexualidade”.
Contudo, o acordo não faz menções à homossexualidade, nem às questões LGBTQI+, pontua, sim, que as medidas não devem discriminar “com base na orientação sexual”.
É de recordar que a Convenção de Istambul, assinada em 2011 por 45 países e pela União Europeia, incluindo a Turquia aquando Erdoğan era primeiro-ministro, constitui um importante marco no combate à violência de género e a todos os tipos de violência contra as mulheres, exigindo a adopção de legislação em conformidade por parte dos governos.
Este caso remete-nos para os murmúrios, nas últimas semanas, sobre a possibilidade da retirada da Polónia da mesma convenção, apesar de a ter ratificado em 2015. A este respeito, a Polónia tem feito campanha junto de outros países para substituir a Convenção por uma alternativa “pelos Direitos da Família” que baniria o aborto e o casamento gay para protecção da “família tradicional” contra a imposição da “ideologia de género”.
Face à onda de LGBTQI+fobia perpetrada na e pela Polónia, concretamente na nomeação por parte de autoridades locais de “zonas livres da ideologia LGBTQI+”, traduzidas em “zonas livres de pessoas LGBTQI+”, é importante lembrar a resposta do Parlamento Europeu ao declarar, através de uma resolução este mês, a União Europeia como uma “zona de liberdade LGBTQI+”.
A mesma onda de hostilidade alastra-se à Hungria de Viktor Orbán, conhecido pelos retrocessos nos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQI+. Após o país assinar a Convenção em 2014, em 2020 o Parlamento recusou-se a ratificá-la alegando as mesmas bases que a Polónia: a promoção de “ideologias de género destrutivas” e referências à igualdade susceptíveis de poder ser instrumentalizadas pela comunidade LGBTQI+ para uma aceitação mais ampla na sociedade.
Estas retóricas difundidas da arena política para a arena pública promovem atitudes negativas e discriminatórias em relação às pessoas LGBTQI+ nas sociedades em questão, ao mesmo tempo que procuram influenciar outros países a não ratificarem a Convenção e que bloqueiam o progresso discursivo e legislativo europeu no que toca aos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQI+, (re)produzindo e perpetuando a sua condição minoritária na sociedade.
Não obstante, a decisão do governo turco foi recebida com indignação interna, pela oposição política e por milhares de manifestantes que protestaram em várias cidades do país; e internacional com a condenação por parte da União Europeia, do Conselho da Europa, da Organização das Nações Unidas e dos Estados Unidos da América. O Alto Representante da União Europeia para a Política Externa, Josep Borrell, advertiu, ainda, que esta decisão “envia uma mensagem perigosa” a todo o mundo.
Mariana Vilhena Henriques
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