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oscar wilde guerra e paz

Nos dias que correm e numa sociedade marcada pela intoxicação das notícias falsas e pela polarização de discursos, onde os factos muitas vezes se diluem em narrativas convenientes, as artes e as liberdades criativas tornam-se terrenos de luta. Em Portugal, assistimos a um preocupante retrocesso, com episódios como a perseguição a apresentações de livros por grupos de extrema-direita, que tentam silenciar vozes críticas e diversificadas. Num cenário onde a arte e a liberdade de expressão estão sob ataque, ler A Intransigente Defesa da Arte, transcrição do julgamento de Oscar Wilde, é mais relevante do que nunca.

Este livro, publicado pela Guerra e Paz Editores, insere-se na colecção Livros Negros e apresenta a quase totalidade da transcrição do julgamento mais sensacional do século XIX. Wilde, no auge da sua carreira após a estreia triunfante da peça de teatro The Importance of Being Earnest (em português “A importância de ser prudente”), viu a sua vida desmoronar em menos de cem dias. O julgamento, que começou como uma tentativa do próprio Wilde de limpar o seu nome, mas acabou por se tornar num momento de acusações e numa exposição humilhante da sua vida privada, conduzida por uma sociedade vitoriana moralista e conservadora de finais do século XIX.

O ponto alto do julgamento foi o confronto entre Oscar Wilde e o advogado Edward Carson, que utilizou a obra O Retrato de Dorian Gray como prova da suposta imoralidade do escritor. Carson, num tom provocador, sugeriu que o romance poderia ser visto como um exemplo de literatura imoral. Wilde, num momento de brilhantismo e coragem, respondeu com a icónica frase: "Só para brutos e iletrados. As opiniões dos filisteus sobre a arte são incomensuravelmente estúpidas."

Esta passagem não é apenas uma defesa pessoal; é um manifesto intemporal contra a censura e a mediocridade. Wilde não estava apenas a responder às acusações; ele estava a posicionar-se como defensor da liberdade da criação artística, argumentando que a arte não deve ser julgada por valores morais ou utilitários. A sua resposta é um eco para os dias de hoje, onde movimentos artísticos e literários são frequentemente atacados por ousarem desafiar normas ou expor realidades desconfortáveis.

No contexto do julgamento, Wilde enfrentava as consequências de um duelo iniciado por si próprio. Acusado pelo Marquês de Queensberry de ser sodomita, Wilde processou o Marquês por difamação, negando inicialmente a relação amorosa com Alfred Douglas, filho do Marquês. Este erro estratégico colocou Wilde numa posição vulnerável quando surgiram provas que contradiziam a sua narrativa. Em vez de vencer o processo, Wilde foi arrastado para o tribunal, julgado e condenado por "indecência grosseira", terminando como um prisioneiro comum numa Inglaterra que simultaneamente venerava e castigava os seus génios.

Intransigente Defesa da Arte é muito mais do que um registo histórico. A edição, com prefácio de Manuel S. Fonseca, é um testemunho da luta pela liberdade criativa e pela integridade intelectual. A obra apresenta a verdadeira voz de Wilde no momento mais vulnerável e mais brilhante da sua vida, transformando um julgamento em manifesto estético.

Ler este livro hoje é compreender os paralelismos entre o conservadorismo opressor da Inglaterra vitoriana e as ameaças actuais à liberdade de expressão em Portugal e no mundo. É um apelo à resistência contra os "filisteus" do presente, que tentam limitar o poder transformador da arte e das ideias. Wilde, mesmo na sua queda, permanece uma inspiração para todos aqueles que acreditam que a beleza e a verdade transcendem as convenções e os preconceitos.

Num ambiente político bastante literal e vazio acompanhado por perseguições culturais, A Intransigente Defesa da Arte é uma leitura essencial para quem acredita que a arte deve ser livre, que a criatividade é uma forma de resistência e que a liberdade de pensamento é um direito inalienável.

 

Editora: Guerra e Paz

Colecção: Livros Negros

Nº de Páginas: 128

Ano de Edição: Janeiro 2022

ISBN: 978-989-702-706-2

 

André Castro Soares

 

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