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"Untitled. The Abortion Pastels" para ver e reflectir em Vila do Conde

Numa sociedade que é difícil ser uma pessoa trans, imagine-se ser gestante e trans e querer abortar

the abortion pastels

O patriarcado, a misoginia, e a cisheteronormatividade têm impactos nos vários níveis da sociedade portuguesa, sendo de destacar os seus efeitos nos serviços de saúde de mulheres, pessoas não-binárias e trans.

Neste sentido, Blue, estudante do 2º Ano de Fotografia na Escola Superior de Media Arts e Design, apresentará a sua exposição intitulada “Untitled. The Abortion Pastels” no Teatro Municipal de Vila do Conde, a 10 de Novembro de 2022 pelas 16 horas.
Este projecto, que é mais uma edição do “Imagens do Real Imaginado”, organizado pelos docentes e alunos dos departamentos de Artes da Imagem e de Multimédia da Escola Superior de Media Artes e Design, é baseado e serve de homenagem à artista Paula Rego. A partir da análise de uma série de pastéis sobre o aborto clandestino criados pela artista em 1998, após a tentativa de legalização a favor do aborto, Blue tenta recriar estes pastéis sob a forma de narrativa fotográfica enquadrando as várias realidades de uma pessoa com útero ao passar por um aborto clandestino.
Trata-se de uma narrativa inclusiva e realista do que é a vida de mulheres, pessoas não-binárias, e homens trans durante o aborto, de maneira a estimular uma reflexão sobre direitos e saúde reprodutiva quando pensados para a população trans, pois os sistemas de saúde portugueses não estão organizados para cuidar da gestação e abortos destas pessoas.
Em Portugal, a interrupção voluntária de gravidez (IVG) foi legalizada por referendo em 2007, sendo permitida apenas até à décima semana de gravidez. Porém, o SNS não está preparado para receber estas pessoas, e esse problema persiste em 2022 pois continuamos a viver numa sociedade opressiva e patriarcal. Mesmo as estatísticas apresentadas relativamente ao número de abortos anuais ignoram homens trans e pessoas não-binárias.
Anualmente, mais de 500 pessoas com útero deslocam-se de Portugal para Espanha, para realizar um aborto clandestino ou dentro do prazo legal espanhol, que é permitido até a 14ª semana de gestação. O reduzido prazo legal de acesso à IVG e os problemas no acesso económico a serviços privados de aborto, levam muitas pessoas, por desespero, a recorrerem ao clandestino, sofrendo traumas irreparáveis e muitas vezes morrendo pelas complicações decorrentes do processo.
Assim, Blue recorre a diferentes relatos anónimos compartilhados pela Liga Feminista do Porto, e disponíveis nos websites esquerdaonline e azmina, para mostrar que um processo que já é extremamente complicado para mulheres, pode ser completamente impossível para pessoas trans com útero. A transfobia e misoginia acabam por andar de mãos dadas, e é urgente criar espaços seguros e destruir a ideologia cisheteronormativa, patriarcal e misógina presente nas instituições da sociedade portuguesa, porque aquelus que não morrem de aborto clandestino, sofrem posteriormente com a culpa, a vergonha, e o conflito pessoal que pode levar ao suicídio. Numa sociedade que é difícil ser-se uma pessoa trans, imagine-se ser-se gestante e trans e querer abortar.  

 

Daniel R. Santos