O caso de Celso Esteves tem um ano. Um folheto anónimo espalhado pelo campus da Universidade de Aveiro acusava-o de não poder integrar a comissão de praxes por ser homossexual. O estudante da Universidade de Aveiro (UA) denunciou o caso junto da Reitoria da Universidade, Celso não se calou, o caso foi até noticiado na comunicação social, mas a queixa acabou arquivada por falta de provas.
Poucos dias depois a Salgadíssima Trindade (entidade alegadamente autora do folheto) repudiava, através de um comunicado, o documento distribuído assegurando que este era “na sua totalidade falso”, visto que defendem uma praxe “inclusiva, que fomenta valores como a união, o companheirismo, a solidariedade e a igualdade de direitos cívicos”.
A comissão de praxes em causa, sempre negou quaisquer envolvimentos no folheto, demarcou-se do caso e explica o afastamento de vários estudantes, incluindo Celso, da comissão de praxes, ainda em 2014, por incumprimento de regras como “praxar à noite, à chuva ou sem autorização”, referia João Pais, Mestre do Salgado (entidade máxima das praxes na UA) a um jornal local há um ano.
No arranque do novo ano académico o dezanove.pt quis saber como olha o estudante da Licenciatura em Línguas, Literaturas e Culturas para o seu próprio caso e sobre a homofobia nas praxes universitárias.
dezanove: Quem te acompanha nas redes sociais voltou a deparar-se com este tema. Por que razão voltaste a falar publicamente neste assunto agora?
Celso Esteves: Voltei a falar no assunto porque acho que devia uma explicação a muita gente de como ficou a situação. Diariamente recebia mensagens a perguntar se o caso tinha sido resolvido.
Quanto tempo demoraram a analisar a queixa que apresentaste?
Apresentei queixa aos órgãos competentes da universidade, não apenas a repudiar esta situação, que considerei insultuosa e infame, como a solicitar que fossem tomadas medidas relativamente aos autores da mesma, no mínimo por uso indevido do símbolo da instituição. Ainda que futuramente o uso de tal símbolo deixe de poder ser utilizado em actividades associadas à praxe. O processo de inquérito durou dois meses e, como é do conhecimento público, o caso foi arquivado por não existirem elementos suficientes que permitissem concluir quem foi o autor dos panfletos.
Qual é a tua situação neste momento? Na altura um dos motivos que te apontaram para te retirar da comissão de praxe era teres já seis anos de matrículas e acusavam-te de “falta de amor ao curso”. Para pagares os estudos tens de trabalhar. É isso?
Neste momento estou a trabalhar e a estudar.
Recebes mensagens de outras pessoas vítimas de bullying LGBTfóbico nas praxes?
Muitos dos estudantes que são vítimas de homofobia nas praxes lidam sozinhos com a situação. Poucos são os jovens que recorrem a amigos ou que procurarem ajuda especializada. O medo de admitir o que se passa perante as autoridades, das quais desconhecem qual vai ser a reacção, e, com isso, terem de revelar a sua orientação sexual, são as razões.
Baseio o que digo em testemunhos de pessoas que vêm falar comigo por terem tido conhecimento do meu caso, dizem-me que não apresentam queixa, por medo e sobretudo por vergonha. Outros referem que não querem que os pais saibam da sua orientação sexual.
Mas as praxes não são tidas como um sítio privilegiado onde se exerce bullying, muitas vezes homofóbico e transfóbico, sob os caloiros? Se assistisses a um episódio assim como reagirias?
Obviamente que ia intervir. Se necessário parava a praxe e chamava as autoridades. Nenhum ser humano será humilhado e espezinhado à minha frente. Existem valores dos quais nunca vou abdicar e um deles chama-se companheirismo. Como escreveu Fernando Pessoa: “Somos todos anjos de uma só asa, e só podemos voar quando nos abraçamos uns aos outros”.
Um ano depois qual o conselho que deixas aos estudantes que são vítimas de homofobia durante as praxes?
Devem apresentar queixa e expor o problema a entidades superiores capazes de resolver a situação porque dentro da praxe todos são iguais e não existem distinções de género, raça ou religião. A solução nunca passa por ouvir e calar porque depois o abuso e a humilhação começa a ser maior por parte dos praxistas.
Sentes que ainda há muita homofobia em contexto académico?
A homofobia incita o ódio, a violência, a difamação, a injúria, a perseguição e a exclusão. Além de prejudicar a imagem das pessoas – alunos, interfere na aprendizagem e no abandono académico. No caso da Universidade de Aveiro não sinto que existam muitos casos de homofobia, o meu, talvez, foi mesmo aquele que teve um maior impacto nos media por eu ser uma pessoa que não tenho receio algum de dizer aquilo que sou, assim como de andar na rua como quero e entendo. Não devo qualquer explicação sobre a minha vida a ninguém. Outros LGBT têm medo de falar e, desse modo, serem colocados de parte ou então receio de que lhes aconteça o mesmo que aconteceu comigo.
Entrevista de Paulo Monteiro
12 Comentários
João Miguel Gomes Delgado
Eu posso confirmar que ainda existe muita homofobia nas praxes.
Estudei no ISEL, em Lisboa, e nesse politécnico havia cânticos claramente homofóbicos, que até eram cantado dentro do campus do politécnico frente de funcionários, docentes e afins, onde a homossexualidade era usada como insulto e era vista como uma coisa repugnante, mais grave é que essa homofobia passa para dentro do restante meio académico.
Na altura reportei o caso as organizações lgbti das quais a rede ex aequo, onde a minha denuncia foi mencionada no relatório do observatório de educação lgbt, denunciei o caso a inspecção geral do ensino superior, e a minha denuncia foi também mencionada na comunicação social.
O caso foi arquivado e nunca houve grande seguimento por parte da instituição de ensino.
Como resultante disto acabei por ser marcado pelos meus colegas e fui alvo de retaliação, inclusive chegaram ao ponto de fazer esperas a entrada dos wc do politecnico.
É bom que este caso sejam falados e sejam denunciados que para ver que ver se este tipo de situações deixam de acontecer
DD
As praxes são uma forma legal por permitida de abusos vários a pessoas hierarquicamente vulneráveis e por parte de “abutres” que só dessa forma extravasam as suas frustações. Tem de ser ilegalizada para ontem!
Anónimo
A frase – “Somos todos anjos de uma só asa, e só podemos voar quando nos abraçamos uns aos outros” não é de Fernando Pessoa, mas do Empresário Italiano Luciano de Crescenzo.
Anónimo
Concordo. O único problema é que, sendo os envolvidos maiores de idade, não dá para proibir as praxes (do mesmo modo que não se pode proibir o consumo de álcool ou tabaco). No entanto as universidades deveriam ter a obrigação de proibir as praxes dentro das universidades. Se os alunos querem participar em rituais retrógrados e fascistas, que o façam fora das universidades e deixem quem está lá para aprender em paz.
Nuno Rainha
Eu conheço o Celso, muito querido até, desinibido como as gentes do norte. Já fui vítima há algum tempo atrás, antes de se falar deste tema como se fala hoje. Sempre lidei com estes termos e sozinho.
Seguir em frente, ignorar comentários vindos de baixo e cabeça erguida. É nestas 3 frases que os estudantes devem basear. Afinal, e como tenho constatado, quase 89% dos estudantes seja em redes sociais gays ou não, discotecas, festas particulares, na rua de dia os mais assumidos, a noite os que são timidos de dia desinibem-se ao lusco fusco, noite fora. Em grupo são machões, sozinhos é que se vê quem são. Vejo e aprendo todos os dias. Eu estou e estarei ao lado do meu amigo Celso e de todos os que queiram falar comigo sobre tal. Acho, uma tertúlia, uma “discussão” do tema num café, aberto a estas situações levaria a compreender muita gente.
Existe grande abertura atualmente, pese embora coexista muita pessoa retrógrada. Pensemos, o amor existe para amar quem gostamos. Força Celso, eu estou do teu lado
João Delgado
Estas coisas resolve com um uma mudança de mentalidade das Associações académicas e associações de estudantes, estas associações podem ter um grande poder na mudança de mentalidade no ambiente académico, e podem e dever ser uma grande forte apoio para todos os estudantes que sofre este tipo de problemas
Já há muito tempo que defendo que esta na a luta pelas questões LGBTI passa por estas saírem do “meio LGBTI” e deixar de ser umas questões exclusiva das organizações LGBTI e ser uma questão de toda a sociedade.
Não basta estar-mos a criar grupos locais LGBTI ou equipas desportivas LGBTI. Temos de ir muito mais alem, temos de envolver toda a sociedade nestas questões e temos de começar a ter mais voz, temos ter ter uma posição mais firme nestas questões em vez de ficar-mos calados.
Eu quero ser aceite sem todo lado, e não estar condado a só ser aceite em alguns espaço/organizações LGBTI
Anónimo
O meu comentário não foi aprovado.
Não há lugar ao contraditório na comunidade LGBT?
rui
Eu não demonizo a praxe e certamente que haverá aspetos positivos inerentes à mesma. Ainda assim, é um facto que de uma forma geral esta é machista e homofóbica. Em todos os cânticos, ser mulher e ser gay é usado como um insulto. Não deixa de ser lamentável existerem tantas mulheres e homossexuais a colaborarem neste tipo de prática.
Anónimo
O que dizia o seu comentário? Se continha discurso de ódio, acho muito bem que não seja aprovado.
Anónimo
Se mulheres a defender a praxe já é mau que chegue, gays a defender a praxe é ainda pior…
Anónimo
Mas este afinal anda lá há 6 anos a fazer o quê?
A tirar o curso não deve ser.
Não percebo como um homossexual participa em praxes que rebaixam e descriminam homossexuais.
Anónimo
A mim não me interessa há quanto tempo estão a tirar o curso ou não. O que interessa aqui é que a praxe é um ritual misógino, homofóbico e fascista.