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Quem foi Felipa de Sousa? A algarvia condenada por se assumir lésbica durante a Inquisição

A 26 de Janeiro de 1592, em Salvador, no Brasil, ocorreu aquele que, para muitos, é considerado o caso mais tocante de homofobia da história do Brasil.

Este foi também o primeiro caso de perseguição sexual e a primeira condenação pela prática de “lesbianismo” durante a Inquisição no Brasil. Felipa de Sousa, natural de terras algarvias, tornou-se um ícone histórico do movimento LGBT+ devido à sua coragem e perseverança.

 

As suas origens
Felipa de Sousa nasceu em Tavira em 1556 e era costureira. A sua mudança para o Brasil, embora não se saiba a data exacta, ocorreu com a condição que casaria com um cristão, serigueiro (produtor de seda) de Salvador. Anos mais tarde teve um segundo casamento desta vez com um pedreiro. Felipa não teve filhos de nenhum dos seus casamentos.

 

A acusação, confissão e a condenação
Em 1591 deu-se a primeira visita da Inquisição Portuguesa, com o intuito de obter confissões e denúncias de heresias e práticas de judaísmo. Felipa da Sousa foi denunciada por Paula Siqueira a 18 de Dezembro. A denúncia ocorreu na sequência da descoberta de uma novela que relatava a relação de duas pastoras, obra que constava no Index de livros proibidos pela igreja.
Felipa de Sousa confessou a sua afeição por mulheres, afirmando ser algo natural e sem pecado. Na sua confissão revelou ainda os seus casos amorosos com mulheres, sendo o último caso com Paula Siqueira e, após ter sido confrontada com as acusações de Paula Siqueira de assédio sexual e de coação, Felipa de Sousa revelou ainda ter na sua posse várias cartas de amor que havia trocado com a mesma, sendo estas usadas mais tarde como provas do seu crime em julgamento.
Das 29 mulheres acusadas de “práticas nefandas”, sete foram julgadas e condenadas, sendo Felipa Sousa a mais severamente punida, apesar de, no entanto, ter sido poupada da pena de morte na fogueira devido ao seus actos sexuais não envolverem penetração. A sua acusadora, Paula Siqueira, teve uma pena mais suave, especula-se que devido ao seu casamento e consequentemente, por possuir um título e posição hierárquica mais alta. 

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A 26 de Janeiro de 1592 Felipa de Sousa foi retirada dos calabouços da Casa da Inquisição e obrigada a andar descalça pelas ruas da cidade, num cortejo de humilhação, até à Igreja da Sé, onde escutou a sua sentença, de pé, com uma vela acesa nas mãos, identificativa daqueles que eram acusados de heresia. Foi condenada ao açoite, degredo perpétuo, a fazer jejum de pão e água durante 15 sextas-feiras e nove sábados e a rezar 33 vezes um salmo. Após a sua recuperação foi ainda obrigada a pagar o  equivalente a três meses de trabalho, sendo expulsa a 31 de Janeiro e não havendo qualquer informação deste então sobre o seu paradeiro ou fim de vida.

 

O seu legado
Felipa de Sousa acabou por se tornar um ícone da comunidade LGBT+ após ter sido descoberta a sua história. Esta descoberta foi impulsionada pelo professor e antropólogo brasileiro Luiz Mott e pelas suas obras, produzidas através dos documentos do Santo Ofício arquivados na Torre do Tombo, em Lisboa, que fizeram com que o julgamento de Felipa de Sousa, outrora esquecido e omitido, se tornasse conhecido do público.

Em sua homenagem, deu-se o seu nome a uma ONG e, pelo mesmo motivo, a International Gay and Lesbian Human Rights Commission e a OutRight Action International criaram o Prémio Felipa de Sousa, principal distinção internacional de direitos humanos das pessoas LGBTI+, em reconhecimento à coragem daqueles que lutam pelos direitos das pessoas homossexuais, lésbicas, bissexuais e transgéneros em todo o mundo.

 

Margarida Candeias

4 Comentários

  • Anónimo

    Mil obrigadas à Margarida Candeias que escreveu o artigo. Já tenho mais uma inspiração

  • mitologia.pt

    É importante corrigir algumas informações pouco correctas neste artigo, sob pena de enganarem quem vos lê.

    O chamado “pecado nefando” consistia, geralmente, no da sodomia – assim o chamam em virtude do antigo crime bíblico de Sodoma – entre dois homens. Não existia, pelo menos nos períodos em que estudámos, o crime de “lesbianismo”, nem andava a Inquisição por aí fora a julgar mulheres que se envolviam com outras mulheres. Isso não era qualquer crime!

    O que acontecia em muitos destes casos, como o de Felipa de Sousa, é que normalmente quem era preso por estas coisas tinha também feito outras coisas que, essas sim, eram crime – e neste caso em particular, vocês até admitem ali que ela tinha em sua posse uma “obra que constava no Index de livros proibidos pela igreja” (possivelmente “Menina e Moça” ou “Diana”, só indo ver no manuscrito, mas não o conseguimos encontrar).

    O que acontecia nestes casos, repita-se, não era uma condenação por uma mulher gostar de outras mulheres, mas sim porque ela cometeu vários crimes, entre eles, frequentemente e no caso feminino, de andar a introduzir coisas estranhas no corpo (usar os dedos era normal, não era crime), em particular – e perdoem-nos os mais novos que leiam as linhas a seguir a esta – introduzir objectos no traseiro… isso sim, considerado sodomia e, portanto, crime!

    Há uns dias falámos sobre o caso de Agustina Ruiz ( https://www.mitologia.pt/agustina-ruiz-a-mulher-que-fazia-amor-542448 ), que andava supostamente a ter sexo com a Virgem Maria e com os santos. No processo dela há um momento muito esclarecedor em que lhe é perguntado se ela usava outras coisas para ter o seu prazer, nomeadamente se introduzia coisas no rabo ou utilizava objectos externos – ela respondeu que não, que apenas utilizava os seus próprios dedos, e isso não era qualquer crime. Foi condenada, sim, mas só pelo facto de acreditar que andava a ter relações sexuais com figuras santas – se eram homem ou mulher, isso era irrelevante para o caso, até porque o processo dela descreve, com um rigor quase pornográfico e que muito inquietou o interrogador, como é que ela e a Virgem Maria tinham o seu prazer juntas.

    Assim, dizer que esta vossa Felipa de Sousa foi “condenada por se assumir lésbica durante a Inquisição” é falso. Ser lésbica não era crime, na altura, excepto se essas mulheres introduzissem coisas externas no seu traseiro – e mesmo aí, era crime pela sodomia, em si mesma, e não por elas serem mulheres!

  • João Felgar

    se o que conta da inquisição no Brasil, de me uma prova desse acontecimento, do passado, num livro da Monarquia se faz favor.

    Vou lhe deixar algo do ano 1500 e repare que D. Manuel I era rei Judeu, onde estava a inquisição? E até antes com D. Afonso Henriques 1 rei Português pela casa de David

    Confirmar’ona refurreyçam co grande poder, is. ir com’o Sinetiflimo Sacramento o inundo. Icunn. 19. est inibi omnis porestas in cælo, & in rerra. azer o Anjo cita advertencia à S. Iofcpli no E quc a Lgreja canta neste dia, fazia Dios a mef. Hul. 28. ncia a Portugal: jofeph fih David! Recognofce fumet domui David: Mlustres Portuguclis rc., cit: Principe, que nasce en dia tan alegro, a 1.do Rcy.prometido a el Rey D. Alfonso Henriques: primsyro fūd.dor de sua Cafe Real.Vcde ncileco molc dcfcmpenba Dcos de sua palavra, como cumpre sua promeffa for hūa no hcr a Sereulli na Senhorabo. na Catherina:l’ide impletum in ea:Scovedes incftcdi.R cncuberto,veliolicys a seu tempo Rey descuberto,feftis jalohcys mays avāti Rey cöfirma Jo: Recognofce quod promissum cst doinui David. Pfal.18.n. Melhor o Propheta Rey. Diz, que os dias (cfallam:Dies diei eructai verbum:& nox nofti indicar scientiam:

    DAVID ÆTHIOPIÆ REX. Legatio David Aethiopiæ Regis, ad Sanctissimum D. N. Clementem Papā VII. vnà cū.obedientia, eidem sanctiss. D. N. præstita. Eiusdem Dauid Aethiopiæ Regis Legatio, ad Emanuelem Portugalliæ Regem. Item alia legatio eiusdem Dauid Aethiopiæ Regis, ad Joannem Portugalliæ Regem. De Regno Aethiopiæ, ac populo, deq moribus eiusdem populi, nonnulla. Bononiæ apud Jacobum Kemolen Alostensem. Mense Februario. An. M.D.XXXIII. 4to.

    Eu só quero perceber como é que consegue inventar coisa, não entendo, eu trago em latim da época, não é da República dos dias de hoje que mentem, se faz favor o registo dessa inquisição.

    João Felgar