Em Outubro deste ano, não recordo o dia ao certo, após milhares de exames, pois não queria ver o que era claro como água, lá ganhei coragem e pedi à médica de família um teste ao VIH, sabendo, à partida, que seria positivo.
O resultado (ou a ausência dele) caiu como uma bomba. Fui levantar as análises e estas haviam ido directamente para a médica. Na época, com 34 anos, mas com a maturidade dum amendoim, cheguei a casa e liguei à médica para saber o resultado. Não me quis dizer. Pediu que fosse ao centro de saúde no dia seguinte. O mundo caiu. Chorei, os meus pais assistiram, não foi fácil.
No dia seguinte lá fui. À espera de respostas. O meu conhecimento em relação ao VIH era mais do que nulo. Ao invés de encontrar a médica que sempre me acompanhou desde a adolescência, da qual esperava compreensão e uma palavra amiga, fui recebido por essa mesma médica que, ao falar-lhe dos meus medos, me disse: “Pobres pais, já não bastava terem um filho homossexual, ainda terem de lidar com um filho com SIDA.”
Fui referenciado para o Hospital Fernando da Fonseca. Sempre com muitos medos, dúvidas, perguntas… Durante o tempo de espera entre o diagnóstico e a primeira consulta, tive a sorte de conhecer o João Brito, actual Presidente do GAT (Grupo de Ativistas em Tratamentos), que me recebeu e acolheu e desmistificou tantas coisas que na minha cabeça, então, estavam mal resolvidas. Após a primeira consulta, com a Dra. Diva Trigo, minha médica até hoje, as coisas foram atenuando, os sintomas, as dúvidas, os medos. Durante algum tempo persistiu a depressão e a culpabilização, mas até essas vieram a desaparecer.
10 anos volvidos, que balanço posso fazer? O que não nos mata, fortalece-nos. Nestes anos, temos vindo a observar imensos progressos na medicina. Eu próprio mudei, peguei na minha “fraqueza” para poder dar a mão e ajudar outros.
10 anos. Já ninguém morre de SIDA, já ninguém morre do “cancro gay”. Infelizmente, e muito dentro da comunidade LGBT, vejo um profundo desprezo por nós, os que fomos infectados. Felizmente, hoje em dia há PReP e PeP e imensa informação, há 10, 20 anos não havia. O VIH fez-me parte dum enorme grupo de mulheres e homens corajosos que fizeram da sua vida e da sua morte a sua narrativa, a sua forma de ajudar o próximo, de chegar mais longe.
10 anos volvidos (43 do aparecimento do vírus) quem está em tratamento não morre, no entanto, continuam a morrer diariamente pessoas vítimas do estigma e do preconceito. Sou orgulhosamente seropositivo!
Ricardo Falcato
6 Comentários
Psi
Que relato poderoso e comovente. A luta contra o estigma e o preconceito é contínua, e sua voz faz uma diferença enorme ao trazer luz a essas questões. É doloroso saber que, além do diagnóstico, ainda tem que enfrentar a insensibilidade e o preconceito de profissionais de saúde. Sua resiliência e determinação são um verdadeiro exemplo. Que essa história continue a inspirar e a educar.
Peter Pina
Positivo! És positivo! E que a palavra positivo seja dita do outro lado da ampulheta. Vira-se a perspectiva e fica a positividade! Obrigado pelo testemunho!
Sofia
“Pobres pais, já não bastava terem um filho homossexual, ainda terem de lidar com um filho com SIDA.”
Uma estalada era pouco para essa médica…
Eu sou farmacêutica e já trabalhei com doentes seropositivos e medicação antiretroviral. Para mim que cresci conhecendo os efeitos devastadores da doença, saber que hoje é possível ser-se seropositivo e viver uma vida normal e saudável parece-me um milagre.
Muita força, Ricardo!
Anónimo
O Senhor não me diga que é do benfica.
Anónimo
Anónimo
Porque é que o dezanove aprovou este comentário?