Recordo-me da angústia que sentia na minha adolescência por não conhecer ninguém LGBT, de me sentir a única lésbica da escola ou da aldeia onde nasci. Felizmente, apanhei ainda nessa fase o início da massificação da Internet e o surgimento de plataformas de conversa, como as salas de chat (IRC, 1995). Posteriormente, surgiram as aplicações de encontros, como o Tinder (2012), mais popular e generalista, ou as apps voltadas para a comunidade LGBT, como o Grindr (2009) e o Her (2013). Estas plataformas abriram, para mim e para muita gente, uma janela para um mundo de diversidade. Actualmente, são uma das principais formas de conhecer novas pessoas.
Apesar do que trouxeram de positivo, também têm um lado menos bom, com o qual temos de aprender a lidar. Entre os comportamentos menos desejáveis mais comuns, está o ghosting: quando alguém troca várias mensagens contigo, demonstra interesse, mas desaparece repentinamente da conversa, sem qualquer explicação. Há também o breadcrumbing: quando alguém envia mensagens esporádicas apenas para manter a ligação, sem intenção de te levar a sério. Ou o haunting: quando alguém desaparece, mas continua a espreitar as redes sociais (por exemplo, vendo as stories), sem nunca entrar em contacto. Ainda nesta linha, temos o benching: quando alguém te coloca “na prateleira”, como uma opção guardada para o caso de, um dia, apetecer um encontro casual. Ou o chatfishing: quando alguém finge interesse em conhecer-te, mas, na verdade, só quer conversas online. Não há problema em procurar coisas diferentes nas aplicações, seja um relacionamento monogâmico tradicional ou não monogâmico, uma amizade colorida, conversas ocasionais ou apenas sexting. O essencial é sermos honestos sobre as nossas intenções. A falta de transparência leva a um desalinhar de expetativas e, consequentemente, a frustrações e mágoas. Quando todos estão alinhados, as interações tornam-se mais saudáveis e responsáveis emocionalmente. Na minha perspectiva, os comportamentos indesejáveis nas aplicações surgem por diversas razões, entre as quais o facto de estas proporcionarem uma ilusão de abundância. Isso faz com que seja mais fácil tratar as interações como algo descartável, pois há sempre um novo perfil a aparecer.
Adicionalmente, o distanciamento proporcionado pelo digital tornou as interações mais frias e impessoais. Fazer ghosting, desaparecer desconsiderando os sentimentos do outro, é muito mais fácil atrás de um ecrã do que numa situação presencial. Já o comportamento presente no breadcrumbing ou no benching, por exemplo, creio que reflecte atitudes de pessoas que recorrem às aplicações não porque querem efectivamente conhecer pessoas novas, mas apenas para satisfazerem uma carência momentânea, fugirem ao tédio ou porque necessitam de validação. No chatfishing, acresce que estas pessoas procuram viver fantasias sem enfrentar as consequências. No mundo digital, é possível dizer coisas que não diriam cara a cara, explorar o desejo à distância e depois desaparecer, sem lidar com o impacto causado no outro. Em suma, a tecnologia, ao criar distanciamento, facilita o afastamento das consequências das nossas acções. Atrás do ecrã, comportamentos já existentes nas pessoas, como a imaturidade emocional e a falta de empatia e responsabilidade emocional, são potenciados. Se fores vítima destes comportamentos, é importante lembrares-te de que a culpa não é tua. Estas atitudes dizem muito mais sobre quem as pratica e não reflectem o teu valor. Tal como qualquer avanço tecnológico, as aplicações de encontros trouxeram benefícios e desafios. O caminho, no entanto, não é voltar atrás, mas sim aprender a usar estas plataformas com consciência, identificar comportamentos menos saudáveis e proteger-nos emocionalmente. Estas plataformas continuam a ser uma excelente forma de conhecer pessoas com quem nos identificamos e, no caso da comunidade LGBT, têm uma importância ainda maior, pois ajudaram a quebrar a solidão de quem, como eu, sentia angústia por não poder falar com outras pessoas LGBT. Usadas com maturidade e empatia, podem aproximar-nos, criar laços e até transformar vidas.
Se fores vítima destes comportamentos, é importante lembrares-te de que a culpa não é tua. Estas atitudes dizem muito mais sobre quem as pratica e não reflectem o teu valor.
Daniela Alves Ferreira | @daniela.alves.ferreira