Olhos d’Água, de Conceição Evaristo, colectânea originalmente publicada em 2014, faz a sua estreia em Portugal, editada por Orfeu Negro. Os 15 contos que compõem Olhos d’Água reúnem histórias de dor, conexão e resiliência, nas quais permeia nitidamente a vivência da autora na favela do Pendura Saia durante os seus primeiros anos de vida.
Através da escolha de temas como a discriminação racial, a pobreza e a violência, a autora pinta uma imagem crua da vida na favela brasileira, sem pudor em detalhar os efeitos destrutivos da pobreza. Nesta tecelagem de uma complexa tapeçaria humana, destaca-se a omnipresença da violência contra a mulher, quer violência de género directa (vejam-se as histórias de Natalina, Salinda, Luamanda ou Duzu), quer como consequência ou retaliação da acção dos homens que as rodeiam (como no caso de Ana Davenga ou Maria).
A morte é, no final, o tema central de Olhos d’Água que une tematicamente a maior parte dos contos no livro presentes, morte que neste caso é quase sempre uma consequência da pobreza. Esta pobreza traduz-se não só em carências monetárias, mas em especial na ausência de esperança e de futuro. Através da “escrevivência” (termo cunhado pela autora, que combina “escrever”, “viver” e “se ver”), somos convidados a experienciar o quotidiano da população pobre e negra brasileira, sem romantizar a marginalidade e a violência urbana.
Apesar da possível interpretação fatalista, não deixa de haver espaço para a esperança (veja-se o estreitamento da comunidade perante o nascimento de uma menina, em “Ayoluwa, a alegria do nosso povo”) e para o autoconhecimento (a descoberta de uma sexualidade livre por parte de Luamanda, tanto com homens como mulheres).
No mesmo tema do homoerotismo, também Kimbá se vê envolto num conflito identitário o qual, ao contrário de Luamanda, que aceita com braços abertos a sua vivência sexual com mulheres, é consumido por uma profunda homofobia internalizada.
Conceição Evaristo não procurou suavizar a realidade para conforto do leitor e, como tal, o livro trata de temas difíceis como o suicídio e a violência sexual. É, no entanto, uma leitura belamente dolorosa, um exercício de empatia impactante que nos desafia a olhar para realidades invisibilizadas e a reflectir sobre a persistência das desigualdades.
Editora: Orfeu Negro
Ilustração: Catarina Bessell
1.ª edição 2024
Páginas: 160
EAN 9789899225039
Cláudia Almeida