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Liniker no Coala Festival: “Reivindicar o afecto também é político”

A voz doce e firme de Liniker ecoou no Coala Festival, numa edição que encheu Cascais de emoção e resistência. Mas quem esperava apenas um concerto encontrou muito mais: uma artista que canta com o corpo todo, que escreve com o coração cheio e que transforma o palco num lugar de cura.

“A minha música está muito no lugar da consciência do que eu vivi, mas também trata do quotidiano do que eu vejo. As pessoas revêem-se nela. Talvez encontrem esse lugar do acalanto, do abraço.”

Liniker falou-nos do seu trabalho como quem descreve um ritual de encontro – consigo própria e com o mundo. Para muitas pessoas trans, racializadas ou migrantes, os seus versos são espelhos que confortam e inspiram. Não porque procure ocupar um espaço de porta-voz, mas porque canta a partir de uma experiência que insiste em florescer, mesmo quando a sociedade tenta marginalizar esse corpo dissidente.

“O meu trabalho não é político porque eu sou preta e trans. Ele é político porque eu estou a reivindicar o afecto e a querer viver isso.”

Liniker

Neste regresso a Portugal, Liniker diz-se ansiosa por reencontrar o público português e os brasileiros que aqui vivem e trabalham. Ver as pessoas a cantar com ela é, diz, “um presente”. No palco, sente que conhece cada um dos presentes pelo “sensível do invisível”.

Há em Liniker uma consciência rara do poder do canto: “o canto é uma energia, o pensamento é uma energia. Tudo o que acontece de sublime no mundo vira música e poesia”. Essa magia atravessa o tempo e os corpos – como quando, recentemente, foi convidada a ocupar o lugar de Elza Soares na Academia Brasileira de Cultura.

“Acho que não posso falar desse posto sem antes falar da magnitude da Elza Soares. Uma mulher preta que viveu muitos atravessamentos. Para chegar onde chegou, comeu o “dobrado” da vida. Ela ser reconhecida como imortal e depois eu poder ocupar esse lugar… é muito especial. Cuido disso com muito respeito, não só com alegria.”

O simbolismo não passa despercebido. No Brasil, o país que mais mata mulheres trans, a nomeação de Liniker à academia cultural é um gesto profundamente político. Não só pelo reconhecimento do seu talento, mas pela força histórica do seu corpo no espaço público – um corpo que canta e exige viver com dignidade e ternura.

Ao longo da conversa, Liniker falou ainda da importância de fazer terapia, de estar rodeada pelas pessoas que ama, de manter os pés no chão. Mas também da leveza que tem conquistado nos últimos tempos.

“Estou a viver sem culpa. Isso tem deixado o meu coração sereno.”

Depois do Coala Festival em Cascais, Liniker regressa a Portugal em Outubro para dois concertos que prometem ser memoráveis: no dia 10 de Outubro no Meo Arena, em Lisboa, e no dia 11 de Outubro no Super Bock Arena, no Porto. Dois grandes palcos para uma artista que canta o amor, o afecto e a resistência com a mesma intensidade com que nos olha nos olhos — e nos toca no coração.

Crédito das fotos: Caroline Lima 

André Castro Soares

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