Junho chega, e com ele, uma explosão de cores, de memórias, de reivindicações. Mês do orgulho, sim — mas também de escavar os silêncios, dar nome às que vieram antes. A visibilidade nem sempre foi celebrada em praça pública; por vezes, nasceu à margem, costurada por mãos anónimas, impressa em papel dobrado. Assim nasceu Organa, uma revista breve, mas luminosa, que ousou existir — num tempo em que ser lésbica ainda era sinónimo de invisibilidade. Neste especial sobre publicações lésbicas em Portugal, começamos por aí: onde antes só havia ausência, a Organa abriu caminhos de dizer, de comunicar, de existir.

Organa nº 1, capa (1990)

Organa nº 1, capa (1991)
Entre 1990 e 1992, em Amadora, duas mulheres deram vida à Organa — uma revista que nasceu de uma vontade profunda e urgente: fazer-se ouvir, criar um espaço onde o invisível pudesse finalmente ganhar forma. No início, financiada exclusivamente por elas, a revista era um acto de coragem e entrega. À medida que as edições avançavam, mais mulheres passaram a colaborar, enviando textos, depoimentos e partilhando experiências, tecendo uma rede crescente de vozes que se entrelaçavam e fortaleciam.
“A ORGANA nasce de um sonho de libertação que tu, semelhante a mim, também tens. Será a nossa comunicação, o sair da sombra, inteligente e alegremente, certamente! Gostaria que a nossa mensagem atravessasse a ponte. Tu e eu estamos na mesma margem, falamos a mesma linguagem”. (Organa, nº1, p.3, 1990)
Era mais do que falar — era revelar-se, partilhar desejos e identidades que até ali se mantinham ocultas.
“Ser lésbica é uma das experiências mais profundas das nossas vidas. Estar apaixonada por outra mulher é um dos pontos mais altos desse percurso.” (Organa, nº1, p.3, 1990)
Dentro das suas páginas, a Organa era um caleidoscópio de vozes e experiências sobre o universo sáfico. Reunia textos que refletiam e informavam sobre o processo de assumir-se e a busca pela aceitação, explorava o significado da palavra lésbica e dos símbolos sáficos. Também acolhia poemas que celebravam o desejo e a intimidade. Entre receitas, depoimentos pessoais, entrevistas e notícias, estas sempre ligadas a acontecimentos e lutas LGBT, apresentava ainda sugestões de filmes e livros. Abordava temas essenciais como sexo e saúde, e abria espaço para a troca de cartas — um delicado fio invisível que unia leitoras.

Organa nº 2, índice (1990)

Organa nº 2, p.9 (1991)
Para quem quiser conhecer de perto este legado, a Organa está disponível para consulta no Centro de Documentação da ILGA, em Lisboa.
Celebrar o orgulho é também lembrar que houve quem ousasse escrever, editar, colar, distribuir. Houve quem dissesse: “nós existimos — e estamos a criar”. A Organa é uma dessas vozes. Que neste mês de junho, ao abrirmos a história, possamos ouvi-la.

Organa, nº9, p.47 (1992)
Letícia Emília Batista