O projecto Qüir chegou ao fim. “Temos lutado, mas as circunstâncias não nos permitem continuar este projecto com o empenho que ele merece. Por este motivo, e acima de tudo com muito respeito pelos nossos leitores, comunicamos o seu encerramento”, avançaram os responsáveis do projecto no próprio site.
A revista dirigida ao público LGBT começou a ser publicada em papel, com periodicidade bimestral, em Maio de 2012. Já em Março deste ano a edição em papel foi suspensa, ficando apenas com uma versão digital.
3 Comentários
Filipe
Em Portugal os homossexuais e os bissexuais não se identificam como parte de uma comunidade ou população, integrada na sociedade, mas com algumas características e uma dinâmica próprias.
Pelo contrário, os homossexuais e bissexuais portugueses -na sua maioria, e especialmente no Norte do país ou na ilha da Madeira, regiões mais conservadoras- continuam a identificar-se como heterossexuais, e o seu coming-out interno continua por fazer, o que não raras vezes gera distúrbios nas suas atitudes e comportamentos, e em casos extremos, depressão e outros problemas de foro psicológico ou psiquiátrico.
Veja-se por exemplo o elevado número de homossexuais ou bissexuais que nos últimos anos passaram por «reallity shows», telenovelas ou outros programas da nossa televisão. Homens que namoraram outros homens, que são figuras públicas, que em Lisboa e Porto fizeram passagens pela noite gay. Quantos se assumiram? Pelo contrário, muitos apresentaram-se como grandes machos latinos: já tinham tido dezenas ou centenas de mulheres. Quando surgiram fotos ou testemunhos que indiciavam outra realidade, apareciam de imediato justificações barrocas, indignações, comentários de amigos e familiares a negar o óbvio: como se a homossexualidade ou a bissexualidade fossem os piores defeitos ou pecados do Homem.
Se em Portugal a maioria dos homossexuais/bissexuais não se identifica como parte de uma minoria sexual, como sucede no mundo anglo-saxónico ou em países das Europa Continental, então qualquer projecto como a Quir nunca terá sucesso.
Apesar dos grandes avanços legislativos, a revolução da liberdade sexual das minorias continua por fazer. Qual a origem do medo? Por que motivo os gays portugueses nem se assumem perante si próprios, e vivem uma ilusão? Por que motivo têm um problema tão grave com as palavras, um medo patológico de dizer «sou gay», e simultaneamente têm uma vida sexual… homossexual… que não condiz com a imagem ilusória que criam perante si próprios e perante os seus amigos e familiares, perante o mundo fora do «meio gay».
Repito: qual a origem do medo?
Nuno
Caro Filipe,
Discordo mas respeito a sua opinião.
Sendo eu madeirense assumido a minha orientação (homossexual) sexual desde 2001 (aquando do início da discussão pública sobre a Lei da União de Facto) perante a Família e Amigos não compreendo o medo da comunidade em causa assumir-se.
Apesar da minha “saída do armário” ter alguma antiguidade e consequentemente considerar-me feliz numa relação monogâmica com oito anos com meu companheiro, quer a nível micro quer a nível macro, economicamente falando, no meu cartão de identificação civil(1) nada consta sobre a minha orientação sexual, nem sobre a minha crença religiosa nem tão pouco a cor política. Quando eu falo com pessoas não tenho que dizer em “primeira mão” que sou homossexual (…), apenas identifico-me com o meu nome próprio tal como consta no meu doc.(1) pessoal. Somente caso as pessoas me questionam directamente, raras vezes devo confessar, é que digo a verdade, olhos nos olhos.
Vamos regularmente tomar refeições e/ou momentos sociais com os diversos parentescos da nossa Família e/ou Amigos. Fazemos um vida normal.
Sou feliz e a minha Família contente por ver-me feliz, inclusive a minha Mãe já disse várias vezes que gosta do meu companheiro. A minha sogra também já disse-me que gosta de mim. Partilhamos também fotos, comunicações, férias, religião, momentos bons e maus.
Tudo o que um ser humano deve fazer em Família.
Tudo tem que ser partilhado com transparência, honestidade e humildade em local e tempo próprio.
Quem mente, engana-se a si próprio antes de enganar o próximo.
No entanto, não sou perfeito nem tão pouco modelo para ninguém, apenas saboreio a vida diariamente com humildade, sendo feliz fazendo os outros felizes.
Se possível, gostaria de vos transmitir isto: quanto mais cedo assumir internamente a orientação sexual melhor é a inclusão familiar e/ou externa. Digo isto por experiência própria.
Quem não deve, não teme. Melhor dizendo, é livre!
Ainda assim, acredito que em Portugal melhores dias virão.
Paz & Amor!!
Filipe
Dou-lhe os parabéns pela coragem, transparência e honestidade, mas o meu percurso de vida, partilha de experiências com dezenas de homossexuais de várias faixas etárias e leituras mostraram-me que casos como o seu, infelizmente, ainda são uma minoria.
Não critico os homossexuais ou bissexuais que não se assumem publicamente. Todos nós temos direito a manter a nossa vida íntima privada, e muitos até poderão ser avessos a «rótulos». Pessoalmente considero que o conceito de homossexualidade tem algo de constructo social, tal como tem o conceito de heterossexualidade. Em boa verdade creio que somos todos bissexuais em diferentes graus, ou pelo menos quase todos, mas isto é um tema complexo que não discutirei aqui numa caixa de comentários.
O que critico em parte da população homossexual ou bissexual portuguesa é a mentira e a hipocrisia. São as pessoas que não tendo coragem, vivem infelizes e chegam ao ponto de enganar e causar sofrimento a pessoas do sexo oposto, por algo de certa forma fútil que é a «imagem» perante os pares e a família. Contudo, no fundo, sei que são pessoas em sofrimento e que precisam de ajuda. Acredito que a maioria da população portuguesa continua no armário. Tem de ser assim? Não tem nem deve ser, até porque a Ciência demonstra que os homossexuais recalcados estão mais sujeitos a diversos problemas de saúde. E para além disso, esta situação tem outras implicações graves para a sociedade, por exemplo, dificulta a luta contra as DST’s e contra a homofobia.
Sei que contudo estamos a mudar, e espero que mais homossexuais e bissexuais como o Nuno apareçam nos próximos anos. Mas para já, estou em crer que os armários estão bem trancados.
Pergunto: quantas figuras públicas disseram, preto no branco, «eu sou gay»?
Quantos políticos disseram «preto no branco» que são gays? Até em Itália há vários políticos que se assumiram.
Mais uma vez repito que não critico quem não se assume, critico apenas o problema geral da sociedade com as palavras e tentativa de se criarem imagens públicas de heterossexualidade em homossexuais. Tudo isto demonstra que há muita homofobia na sociedade portuguesa, velada, subtil, mas há. E essa homofobia vaga pode ser ainda mais perigosa.
Há um longo caminho a percorrer. E o medo dos homossexuais é um poderoso inimigo que deve ser abatido.