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Análise aos direitos das pessoas transexuais na Europa

Quando nascemos é-nos de imediato atribuído um sexo (por vezes confundido com género), baseado apenas em características anatómicas ou biológicas. Sendo assim, ou se pertence ao sexo feminino ou ao sexo masculino.

O género, pelo contrário, não é um conceito biológico. É um conceito social e cultural, que resulta dos vários paradigmas e estereótipos existentes numa determinada sociedade. Logo, é desde a nascença que começamos a interiorizar aquilo que “deve” ser o nosso género.

Uma pessoa transexual é, assim, alguém que possui e/ou manifesta uma identidade de género diferente do sexo que lhe foi atribuído à nascença. Ou seja, se uma pessoa nasce anatomicamente homem (sexo) e mentalmente se identifica como mulher (identidade de género), estamos perante uma mulher transexual. Se, pelo contrário, uma pessoa nasce anatomicamente mulher e mentalmente se identifica como homem, estamos perante um homem transexual.

É preciso ter também em conta que a discriminação sentida pelas pessoas transexuais prende-se com a sua identidade de género e não com a sua orientação sexual. Uma pessoa transexual tanto pode ser homossexual como heterossexual ou bissexual.

Em Portugal já existem algumas medidas legais que protegem as pessoas transexuais em diversas situações, nomeadamente, na possibilidade de alterar o nome e a menção ao sexo nos documentos de identificação, ou na recente inclusão da categoria “identidade de género” nas leis anti-discriminação. Dentro do quadro da União Europeia, podemos até considerar que Portugal possui das legislações mais inclusivas, no que à proteção das pessoas transexuais diz respeito, em comparação a países como a Áustria ou a Alemanha.

Em Portugal é de sublinhar que, para alterar o nome e a menção ao sexo nos documentos de identificação, apesar de serem reconhecidos os direitos humanos das pessoas transexuais (sem que haja obrigatoriedade de alterações corporais irreversíveis ou de esterilização forçada), ainda é exigido um diagnóstico psiquiátrico atestando a transexualidade (e consequentemente a identidade de género) da pessoa.

Em termos europeus, em países como a França ou Irlanda (para dar apenas alguns exemplos), o direito à alteração dos documentos de identificação não é reconhecida. Da mesma forma, um pouco por toda a União Europeia (Bélgica, Croácia, Grécia, Itália ou Holanda, para citar alguns) não existem políticas efetivas de reconhecimento da identidade de género, sendo exigidas alterações corporais irreversíveis (como uma cirurgia genital de reatribuição de sexo) e esterilização forçada.

De facto, se em países como Portugal, Espanha, Reino Unido, Suécia, Islândia, Estónia, Bielorrússia, Polónia, Alemanha, Áustria e Hungria, não é requerida a esterilização, em 24 outros países – onde se inclui a França, Noruega, Rússia, Itália, Suíça ou Dinamarca – esta é exigida, consagrando-se esta prática num grave atentado contra os direitos humanos.

Sem qualquer legislação que reconheça direitos às pessoas transexuais temos a Irlanda, Arménia, Lituânia, Eslovénia, Bósnia e Herzegovina, Sérvia, Kosovo, Bulgária, Montenegro, Albânia ou Macedónia, existindo assim um buraco negro que não permite qualquer reconhecimento dos direitos destes cidadãos.

Isto significa que em plena Europa existem países que impedem as pessoas transexuais de uma participação ativa na sociedade, tornando situações como a procura de emprego, a abertura de uma conta no banco ou a marcação de um voo em tarefas complicadas, se não mesmo impossíveis.

 

O ponto de partida desta crónica foi o mapa publicado pela associação ILGA Europe no Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia.

 

Carla Ramalho, socióloga 

7 Comentários

  • F

    Sei que não é um tema pacífico mas querem-me explicar como é que se poderia impedir que uma pessoa que não fosse realmente trangénero mudasse de sexo sem uma avaliação psicológica prévia? O que é facto é que esta “seleção” pode evitar erros que podem ser lamentáveis.
    Sei que os transsexuais não gosta que se associem os médicos e psicólogos ao tema mas, de facto, todos os processos envolvidos na mudança de sexo são complexos e de uma elevada carga emocional. Em vez de verem os médicos como inimigos, como muitas vezes vejo, poderiam em vez disso vê los como uma ajuda para facilitarem todo o seu processo de mudança.

  • tripleM

    Ninguém está a dizer que é mau fazer esta avaliação psicológica, ou que ela não é necessária, simplesmente que faz parte do processo de mudança legal de sexo (nos países que o permitem).
    Eu aliás acho esta avaliação imprescindível, não para impedir quem não seja trans de o fazer (não vejo porque é que o quereriam fazer), mas para ajudar a pessoa a passar por esta fase, que tem um impacto enorme na sua vida. Especialmente agora que cada vez mais crianças/adolescentes querem fazer a mudança antes da puberdade e visto este período ser bastante confuso psicologica e fisicamente.

    O que acho aberrante é haverem países que obrigam à esterilização e a cirurgia. Por acaso não sei se as cirurgias de reatribuição de sexo em Portugal são comparticipadas, mas de qualquer maneira podem haver milhares de razões uma pessoa pode não querer fazer a cirurgia. E as leis de esterilização parecem vindas da idade média…

    Quanto ao que dizes de os transexuais não gostarem de se associar a médicos, penso que seja mais pelo facto de ainda haver muita transfobia na comunidade médica, e às vezes ser difícil fazer a mais simples das consultas, e não pela obrigatória consulta de psicólogo (até porque aposto maior parte das pessoas trans já frequenta um psicólogo antes de fazer esta decisão).

  • EAS

    Actualização: na Dinamarca já não é exigido nenhuma esterilização, aliás a Dinamarca deu o exemplo na Europa quando a partir de 1 de Setembro entrou em vigor a primeira lei despatologizante europeia (ver http://portugalgay.pt/news/Y020914A/dinamarca_identidades_trans_despatologizadas ). Já agora a OMS propôs a retirada das identidades trans da classificação das doenças mentais, onde nunca deviam ter estado (ver http://portugalgay.pt/news/Y260814A/internacional_proposta_da_oms_identidades_trans_nao_sao_doenca_), classificando-as como condição médica. Portanto não há razão (nem nunca houve) para consultas psiquiátricas forçadas. Quem tiver necessidade que as tenha como qualquer outro cidadão, mas no sentido de ser ajudado e não julgado como acontece presentemente.

  • gustavo

    Concordo com o teu comentário. Não acho que os médicos, se devidamente especializados e habilitados a tal, devam ser vistos como inimigos. Sou transexual e em todo o processo eles foram fundamentais para me ajudar. Se nao fossem eles provavelmente até teria realizado na altura, cirurgias de reatribuição sexual que na altura desejava e que neste momento, nao vejo como algo essencial. Dessa forma poderia ter posto a minha vida em risco.

    Ha que lutar pelos direitos dos transexuais sim, mas retirar o diagnostico e abrir portas a qualquer pessoa para mudança de género é banalizar um assunto que é bastante sensível. Já para não falar que pessoas com perturbações mentais reais, perturbações de personalidade, tivessem acesso a tais medidas, a meu ver, nao ajuda em nada, as pessoas transexuais.

  • Marisa Silva

    Boa tarde.Gostava de mudar de sexo Feminino para Masculino e como você é transexual masculino gostava de puder falar consigo!Obrigada