Na semana passada o jornalista Nico Hines escreveu um texto para o The Daily Beast onde afirmou ter conseguido, numa hora, três encontros gay para sexo na Aldeia Olímpica. O jornalista, assumidamente heterossexual, casado e com filhos, criou conta no Grindr para evidenciar como os atletas gays estão, naturalmente, disponíveis para sexo.
Nico Hines em vez de criar um artigo sobre o sexo nos Jogos Olímpicos e explorar esse universo, optou por algo promíscuo ao arriscar o outing de vários atletas em prol de um clickbait muito mal amanhado.
Por quê só atletas gays?
Há várias coisas a considerar neste episódio. Sendo a mais óbvia o porquê de apenas atletas gays? Porque os gays são naturalmente mais promíscuos? Por mais que tente, não consigo encontrar relevância em seleccionar somente atletas homossexuais e o Grindr, quando se sabe que apps como o Tinder atingem níveis de utilização altíssimos durante este evento. Como também não entendo a curiosidade e o fascínio de um homem heterossexual por sexo homossexual. Garanto (sem garantir nada, claro – permitam-me uma pequena provocação) a qualquer pessoa que passe o seu tempo focada no sexo entre dois homens ou duas mulheres, que a comunidade LGBTI não perde um minuto sequer a imaginar como é o sexo entre um homem e uma mulher.
Nos Jogos Olímpicos de 2016 participam mais de 11 mil atletas e a própria organização distribuiu cerca de meio milhão de preservativos com o slogan “Celebra com um preservativo.” Sendo que não é surpresa nenhuma que existe gente a ter sexo durante o evento. Inclusive, vários atletas falam abertamente sobre isso, independentemente da sua orientação sexual, tal como a futebolista norte-americana Hope Solo e já em 2012, nos Jogos Olímpicos de Londres, a ESPN, estimava que cerca de 70% a 75% dos participantes teriam sexo. Portanto a visão do artigo não era focar esta realidade, mas sim explorar e prolongar estereotipos sobre homossexuais.
Que consequências?
E que consequências traz este artigo? Várias, muitas que se espelham a longo prazo. No imediato, o artigo fez com que muitos atletas criassem um código que provasse a verdadeira intenção dos convites através do Grindr. Mas o pior mesmo é o possível outing de profissionais que, independentemente das suas razões, optam por ocultar a orientação sexual; destaque para atletas de países cuja cultura promove valores anti-LGBTI e cujo impacto do artigo pode ter ramificações que se extendem para família e amigos dos atletas em questão, como Amini Fonua apontou em vários tweets.
Quando de um grupo com mais de 11 mil pessoas é focada uma pequena parte e essa parte representa apenas os atletas gays, isso demonstra que ainda há muito por fazer pela aceitação da comunidade LGBTI. Este não é um voyeurismo saudável. Quando focamos exclusivamente a componente sexual de uma pessoa para mostrar quão diferente ela o é, estamos a desumanizar essa mesma pessoa e a extrair a sua dimensão humana. Estamos a alimentar o preconceito, e foi isso o que aconteceu. Nico Hines usou os atletas gays como isco, como se fossem um ser em exposição que vive completamente fora da norma e do aceitável. Ainda na semana passada, no Reino Unido, dois homens foram chamados à atenção por um segurança da cadeia de supermercados Sainburys porque apresentavam um comportamento inapropriado: fazer compras de mãos dadas. Portanto se isso continua a chocar muita gente, então o que dois homens fazem no seu quarto deve ser para lá de horrível. A minha questão continua a ser: por que importa assim tanto a uma pessoa heterossexual o sexo homossexual?

Qual o futuro?
Pouco depois de a Internet se ter virado contra a publicação do artigo, o The Daily Beast removeu-o e substituiu-o por uma nota dos editores. Pessoalmente acho que o pedido de desculpa está bem escrito, vê-se que foi pensado e escrito cuidadosamente para não suscitar mais questões e acabar, desta forma, com a polémica. Mas a verdade é que pedido de desculpas pode e deve ser aceite, mas o mal está feito. As consequências para alguns atletas são irrevogáveis. E é preciso aprender algo com este incidente. É preciso comunicar mais no sentido da compreensão do próximo. A desumanização das pessoas tem de terminar. O gay não é um ser extraterrestre que vive longe da realidade actual, é o filho, o irmão e o melhor amigo de alguém.
Ângelo Fernandes, artista 3D, faz voluntariado num grupo LGBT em Manchester, Reino Unido.
16 Comentários
Anónimo
“a comunidade LGBTI não perde um minuto sequer a imaginar como é o sexo entre um homem e uma mulher”
Percebi o que o escritor do artigo quis dizer com isto, mas atenção que sexo heterossexual existe na subcomunidade BTI da comunidade LGBTI.
Anónimo
Gostava de saber o que é que @ comentador@ que acha que outing não deveria ser crime tem a dizer sobre isto. Por mim Nico Hines estaria na prisão e o Daily Beast seria obrigado a indemnizar as pessoas expostas por Nico Hines. Pena que o Brasil ainda não tenha criminalizado a homofobia.
Maria vai com todos
Sinceramente, mais do que uma questão ética ou de valores, vejo aqui várias questões legais – direito à privacidade, exposição, etc.
Espero que os atletas visados e/ou os próprios comités levem este caso a tribunal. Até porque não se trata de brincadeirinha.
Imaginemos que usando o Tinder, o jornalista atraía possíveis adúlteros, homens heteros e com família. Quais seriam as consequência?!
Anónimo
“sexo heterossexual existe na subcomunidade BTI”
Não existe sexo heterossexual na subcomunidade T.
Realidade virtual é no Pokemon Go.
Anónimo
“levem este caso a tribunal”
Há nada para levar a tribunal.
Ridículo
Pára tudo que o Anónimo é perito em leis.
Ridículo
Pára tudo que o Ridículo é perito em leis.
luis ramos
Concordo a 100% com o parecer do Ângelo. Para mim é algo macabro, um puro acto de malícia. O que estará por detrás? Não sei se sexualidade mal resolvida ou mesmo pura maldade. Talvez pura maldade. Acredito mais na última hipótese. Pegando nas palavras do Ângelo, um voyeurismo perverso e malicioso.
Espero que os atletas giram esta situação da melhor maneira possível e que nunca se sintam mal por serem quem são e para isso só com boa estrutura emocional para aguentar pressão, nomeadamente aqueles dos países em que ser gay é ilegal.
O jornalista do Daily Beast devia ser processado não só pelos visados, mas também pelo próprio jornal. Mais que o pedido de desculpas, o senhor devia ser alvo de processo disciplinar e vir pedir desculpas em público. Expôr-se tal como fez com a intimidade das pessoas a quem fez esta maldade.
Anónimo
“O jornalista do Daily Beast devia ser processado… pelo próprio jornal”
Ia falecendo!
Anónimo
Comentário transfóbico e completamente inapropriado para um site LGBT.
Anónimo
“Há nada para levar a tribunal.”
Este vive em Marte.
Anónimo
Se ia falecendo, descanse em paz.
Anónimo
“Há nada para levar a tribunal.”
Claro que não há. Quem anda à chuva já sabe que se molha.
Anónimo
Vêem fobias em tudo mesmo que sejam verdades.
Anónimo
“Vêem fobias em tudo mesmo que sejam verdades.”
Verdade? LOL! Verdade tipo as declarações do candidato fascista às presidenciais americanas Donald Trump?
Anónimo
Olha o victim-blaming fresquinho.