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A Escravatura Reconfigurada: Lições de Tolstói para os nossos dias

A Escravatura dos Nossos Tempos Lev Tolstói

Vivemos hoje sob a sombra de uma nova escravatura: a dos algoritmos. Redes sociais que manipulam as nossas atenções, sistemas digitais que transformam estafetas de distribuição de comida e motoristas de transporte privado em subordinados de aplicações, comandados à distância por empresas que se isentam de qualquer responsabilidade laboral ou social. Estes trabalhadores, desprovidos de direitos básicos, enfrentam um regime de exploração moderna que redefine o conceito de servidão, revelando a pertinência intemporal da obra A Escravatura dos Nossos Tempos, de Lev Tolstói, editado com a chancela da editora Antígona.

Escrito em 1900, num período pré-revolução bolchevique que iria transformar a Rússia no paradigma da União Soviética, Tolstói realiza uma análise mordaz das estruturas de poder que perpetuam a exploração humana. Para Tolstói, a escravatura não terminou com a abolição formal da servidão iniciada pela expansão marítima portuguesa e espanhola, apenas se transfigurou em novos modelos de dominação, apoiados pelas empresas e instituições governamentais. A opressão da maioria, afirma o autor, é sustentada pela violência e pela coerção exercidas por uma minoria privilegiada.

Tolstói rejeita, contudo, as soluções violentas propostas pelos socialistas da sua época. A revolução, diz ele, não pode ser o caminho para a verdadeira emancipação. A sua proposta é de resistência pacífica e de desobediência civil, numa linha que influenciaria mais tarde figuras como Gandhi. Tolstói acredita na reforma através da consciência individual, incitando à recusa de participar nos sistemas que alimentam a exploração. Esta mensagem ressoa fortemente nos dias de hoje, quando formas modernas de escravatura são mascaradas como "inovação" ou "economia de partilha."

A obra de Tolstói ganha ainda mais relevo num momento em que a Europa assiste a um preocupante retrocesso nos direitos humanos e laborais. A desumanização do outro, que Tolstói denunciou como base da exploração, regressa através de organizações políticas que pregam a intolerância e rejeitam o humanismo que deveria caracterizar os regimes democráticos europeus. O abandono dos migrantes é o exemplo mais gritante dessa nova desumanização, que transforma pessoas em "problemas" a serem descartados, negando-lhes dignidade e direitos.

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Tolstói, um escritor vindo de uma família abastada que terminou os seus dias na pobreza voluntária, soube identificar como poucos as dinâmicas de poder que desumanizam e exploram os mais vulneráveis. A Escravatura dos Nossos Tempos é uma obra urgente e indispensável, pois confronta-nos com a necessidade de denunciar e resistir às formas modernas de exploração. É também um apelo à recuperação de um sentido profundo de justiça e humanismo, sem os quais a nossa sociedade corre o risco de perder a sua alma.

Ao lermos Tolstói, somos desafiados a questionar os sistemas que nos rodeiam e a recusar a passividade diante da injustiça. Neste mundo cada vez mais regido por algoritmos e indiferença, a voz de Tolstói permanece uma chamada à acção e à desobediência perante a desumanização.

"Primeiro levaram o meu vizinho, e eu não fiz nada, porque não era comigo. Depois levaram outras pessoas, e eu continuei a não fazer nada. Quando finalmente vieram por mim, já não havia ninguém para me defender. — Bertolt Brecht"

 

Editora: Antígona

Tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra

Concepção gráfica: Rui Silva

Ilustração da capa: Miguel Carneiro

Data: Abril 2024

Páginas: 104

ISBN: 978-972-608-464-8

 

André Castro Soares