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Conheces os Pixa Bixa? Arte e Liberdade na ponta do pincel

Pixa Bixa

Pixam pela arte. Mas arte com activismo queer à mistura. Podes contemplar este trabalho de libertação da expressão identitária e de protesto em várias ruas de Lisboa e ficar a saber mais nesta entrevista que preserva a identidade dos entrevistados, mas não deixa nada por dizer. Uma entrevista sem piiis, só com pixas. 

 

dezanove: Quando surgiu o vosso projecto? Por quê este nome?

O Pixa Bixa surgiu em Dezembro de 2018 a partir da vontade de fazer arte de rua com a temática voltada para os temas do universo queer. Basicamente, o projecto foi criado depois de sentirmos uma grande ausência destes temas na produção da street art de Lisboa. Decidimos “pixar” as ruas e trazer para elas as questões que são específicas de nossa vivência quotidiana enquanto homens gays.

No Brasil “pixar” é um derivativo de “grafitar”. Em Portugal a gente sabe que “picha” quer dizer caralho. E Bixa…. toda gente sabe, né? Embora o termo tenha sido usado para rotular a comunidade gay masculina durante muito tempo, hoje a gente usa isso como força de resistência. Somos bixas.. e bixas que pixam! O nome é um imperativo: Vai bixa, pixa! Vai bixa, ocupa os muros também com arte! Vai bixa, mostra sua resistência! Assim, o nome também serve como um convite para que mais artistas queer possam investir em acções políticas no espaço público para tornar as questões do universo lgbtqi+ algo visível e legítimo.

O  Pixa Bixa é uma tentativa de um confronto necessário. Consideramos que a cena da arte urbana ainda é dominada por um certo tipo de arte mainstream, perdendo um pouco o seu carácter de arte de intervenção e confronto. A arte urbana tem acabado por convergir para o ramo mais comercial da coisa. Hoje em dia já está tão institucionalizada que já se vê a arte urbana como um instrumento mais de decoração de paredes e muros do que de ruptura e debate social. Como vivemos em Portugal essa impressão veio daqui. Falta imenso trabalho a ser feito a fim de educar a sociedade para aceitar e compreender a cultura queer, mesmo no meio artístico que ainda mantém algum conservadorismo na forma que se expressa nas ruas. No Brasil, de onde viemos, também sentimos alguma ausência, mas não tanto como aqui. Lá já encontramos algumas manifestações dentro do campo da street art que convocam o confronto social em relação aos temas que estamos a tratar aqui.

O  Pixa Bixa é uma tentativa de um confronto necessário. Já se vê a arte urbana como um instrumento mais de decoração de paredes e muros do que de ruptura e debate social.

 

Classificam as vossas iniciativas como activismo de rua? Por quê? E aqueles que vos acusam de vandalismo?

A Linn da Quebrada canta que “ser bixa é também resitir”. Num mundo que ainda há tanta gente a ser assassinada por que é gay, ser bixa é um acto de coragem mesmo. E pensando por este lado, ser bixa é um tipo de vandalismo direto aos valores morais das sociedades conservadoras. Pensando assim, todos as gays são vândalas. Então a gente pode dizer que, se tratando da intervenção urbana que praticamos, somos activistas da causa queer e não só. Interpretamos nossas acções como actos de reflexividade da nossa existência enquanto pessoas queer. É uma expressão artística com o objectivo de manifestar um discurso “enviadescido”, questionador, provocativo, irreverente e colorido.

E a rua é esse lugar que escolhemos “vandalizar”. Ela é um símbolo de liberdade, não é? É um lugar onde não é preciso autorização nem documento para nela estar.  E isso carrega uma ideia que está bem ligada à questão da existência pública das pessoas queer: Trata-se do desejo de existir sem ter que pedir autorização.

A rua é um símbolo de liberdade.

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Diferente das pessoas cis heterossexuais que já nascem “autorizados” a existir do ponto vista da identidade sexual, as pessoas queer precisam “sair do armário”, precisam lutar para ter direitos iguais. A rua traz consigo um imaginário de ruptura com essa cultura de opressão. Nela você pode aparecer com alguma liberdade. Essa liberdade é um ponto importante para compreender o estatuto da arte de galeria, aquela do quadro na parede. Enquanto uma é restrita e elitizada, a de rua pretende ser livre e pública. No entanto este cenário de liberdade tem perdido lugar para uma institucionalização do muro. Tem muito artista de rua que prefere fazer sua arte com autorização do que ter que utilizar a antiga ideia de subversão para se expressar. Muita gente não quer ser considerada vândala, né? Muita gente também não quer se considerada gay. Esse processo tem acabado por moldar a arte de rua para o campo da arte tradicional, considerando que hoje a crítica tem consumido muito o que se chama de arte urbana, fazendo nascer daí grandes nomes da street art. É só parar para pensar.. Quantos muros em Lisboa você já viu pintado ou grafitado com questões ligadas ao mundo queer? Pensa aí...

 

O que pretendem fazer suscitar nas mentes de quem vai na rua e se depara com o vosso trabalho artístico?

Provocar o campo da street art e também promover alguma reflexão tanto para os gays como para as pessoas em geral. A gente quer chamar a atenção, criar algum desconforto, dar visibilidade para as bixas. A gente quer colaborar para que um novo pensamento sobre a arte e a cultura queer possa surgir do encontro com o que produzimos.

É preciso despertar o campo artístico da arte de rua que ainda é um ambiente extremamente dominado por pessoas cis heterossexuais, na sua maioria por machos que produzem peças territoriais, ou seja, que servem para não só demonstrar talento, mas também para afirmar um domínio do espaço público. Importante também deixar claro que a gente tenta aumentar o confronto com os valores sociais. Queremos que todas as pessoas vejam trabalhos artísticos com a temática gay nas ruas, se incomodem com aquilo, que rasguem nossas peças, que tentem retirá-las se for necessário. Esperamos que nossas acções ajudem a revelar a existência da cultura queer nas ruas. A gente ambiciona desconstruir alguns pudores relativos aos padrões sexuais existentes e ensinar mais heterossexuais a respeitar a autodeterminação das pessoas queer. Com o nosso trabalho as pessoas heterossexuais podem perceber que as diferenças não nos fazem diferentes em si, mas iguais na diferença. Por último queremos contribuir com a reflexão das próprias pessoas queer. Muita gente queer não se vê representada na street art por que isso ainda é muito incipiente.

Esperamos que nossas acções ajudem a revelar a existência da cultura queer nas ruas.

Com o nosso trabalho as pessoas heterossexuais podem perceber que as diferenças não nos fazem diferentes em si, mas iguais na diferença.

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Em que ruas e bairros podemos encontrar os vossos trabalhos? 

Um dos últimos trabalhos que fizemos foi feito na região de Arroios, Anjos e Intendente. Essa acção é um desdobramento de outra que fizemos em Belo Horizonte (Brasil) em Fevereiro deste ano e está associada a colagem de cartazes com frases de impactos e de grandes caralhos.

 

Para os leigos na matéria, podem caracterizar e explicar mais em detalhe o vosso trabalho e processo criativo? 

Temos criado basicamente quatro tipos de intervenção urbana: stencil, autocolantes, cartazes e os “pasteups” que são os trabalhos em dimensões maiores. O processo de criação começa por avaliar nossas próprias questões acerca da nossa identidade queer. Trazemos para as nossas criações aquilo que nos incomoda na sociedade neste campo e daí partimos para a elaboração estética que provoque no espaço urbano. É a partir da utilização de imagens e frases que chamem a atenção para o corpo, para a questão sexual que desenvolvemos  o trabalho, ou seja, criamos um impacto visual para chamar a atenção das pessoas. Por enquanto temos trabalhado assim: as mais provocativas são transformadas em auto-colantes e em cartazes A3 e A4 (que colamos principalmente em caixas de electricidade). E os posters/pasteups usamos para chamar a atenção através de uma imagem, seja de uma personalidade do mundo queer (vejam a Lia Clark, colada nas mediações da Rua Maria Pia) ou de um símbolo mais provocativo como a do caralho gigante colado em Arroios.

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Por quê um caralho? Estaremos a perpetuar o falocentrismo? É por que bixa gosta  de um grande pau erecto?

O motivo que nos leva a usar uma piroca como frente de acção tem o objectivo de salientar o quanto o machismo ainda existe e tem se manifestado através de abusos e violência sexual. E nesse contexto o caralho é o símbolo desse poder masculino. Aqui seguimos o exemplo da artista sueca Carolina Falkholt.

Colar uma piroca também tem o objectivo de destacar o quanto o falocentrismo instaurou um certo pavor que muitos homens heterossexuais têm de um pau. O medo é tanto que é comum na cultura machista um homem atribuir um nome de afecto ao próprio pau. Já repararam que muitos homens tem um apelido particular para falar do seu “amiguinho” lá de baixo? É uma estratégia masculina de estabelecer uma relação amigável entre o seu caralho e si mesmo.

quanto o machismo ainda existe e tem se manifestado através de abusos e violência sexual?

quanto o falocentrismo instaurou um certo pavor que muitos homens heterossexuais têm de um pau?

Colar um pau também serve para dizer quanto a cultura falocêntrica continua a ser representada na street art de modo assimétrico. A arte de rua, como mencionamos acima é uma arte feita maioritamente por homems cis-heterosseuais territorialistas. Uma expressão que carrega em si o património do patriarcado em que homens heterossexuais são livres para estarem na rua pixarem. Um gay pixador? Uma lésbica pixadora? Uma mulher pixadora? Uma pessoa trans pixadora? Nop. Colar um caralho representa essa assimetria. É como se quiséssemos dizer ao mundo da street art que o que se vê nos muros são representações artísticas baseadas na cultura falocêntrica, ou seja, naquela historicamente dominante em que o macho se sobrepõe. Naquela que ensina a todos os homens que ter um pau é ter poder.

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Se por um lado o falo representa a naturalização do poder masculino, por outro lado, o caralho absorveu um carácter de afronta social à masculinidade. Não vemos mais a nudez masculina exposta em comparação com a feminina por qual motivo? O caralho ainda causa desconforto, mole ou duro. Erecto um caralho traz consigo uma carga extremamente sexual, ao contrário de uma vagina que aparentemente está sempre no seu lugar, em repouso. O caralho é proibido até nas conversas. Quando queremos xingar, usamos o caralho como manifestação de raiva. Alguém usa “cona” para se expressar assim? Não. Por muito tempo a arte utilizou a nudez masculina como objectivo de representação. Mas isso caiu no esquecimento social. O machismo conseguiu se sobrepor e a arte explora muito a nudez feminina como algo permissível, algo que não choca nem a nossa avozinha.  Quando a gente cola um caralho de 2 metros de altura na rua, a gente também quer manifestar esse medo machista que se tem de um pau. É uma forma visual de confrontar esses pudores. É um protesto também contra a ausência de corpos nus masculinos na arte de rua. É um grito do tipo: “vai pro caralho toda essa castidade artística falocêntrica!

O caralho ainda causa desconforto, mole ou duro. Erecto um caralho traz consigo uma carga extremamente sexual, ao contrário de uma vagina que aparentemente está sempre no seu lugar, em repouso.

Além desses trabalhos que tentam provocar essa masculinidade tóxica, temos desenvolvidos peças orientadas para a afirmar a identidade queer. Dois autocolantes utilizam imagens e frases positivas a fim de alcançar as gays. A frase “bixa, seja fabulosa” tem o objectivo de incentivar as bixas serem como querem ser. É uma forma de dar força a todas as gays que sofrem no seu quotidiano o julgamento alheio por serem diferentes, pintosas e bem coloridas. Já outro com a frase “beijem-se em público” é uma tentativa de trazer a reflexão o quanto as gays são retraídas na manifestação pública dos afectos. A gente sabe que dependendo do lugar em que estamos pode até ser perigoso manifestar afectos homoafectivos. Essa autocolante tem o objectivo de fazer a gente pensar o quanto o espaço público ainda é dominado pela cultura heterossexual machista e o quanto nós gays ainda nos sentimos incapacitados de mostrar o nosso amor em público. A gente acaba por esquecer que podemos fazer isso, que vivemos numa sociedade dita democrática, e acabamos por constranger os nossos afectos.

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Que reacções têm tido?

As reações têm chegado basicamente através da nossa conta no Instagram (pixabixa_lx). Muita gente encontra um dos nossos trabalhos, tira uma foto e publica, marcando a gente. Isso é um sinal de reconhecimento positivo. Além disso, temos o retorno directo de pessoas que nos conhecem que estão a nos apoiar ajudando também a espalhar nosso material. E por fim, a repercussão em alguns veículos de comunicação como o vosso site. Essas reações positivas acabam por nos incentivar a continuar.

 

Onde podemos ver nossos trabalhos?

Já colamos em muitos lugares. Em Alcântara, Campo de Ourique, Região dos Amoreiras, Estrela (Av. Infante Santo) e agora em Arroios, Anjos e Intendente. [Podes ver mais trabalhos em locais e cidades (Braga, Porto,... ) no Instagram dos Pixa Bixa]

 

Estão radicados em Lisboa e pretendem o anonimato…

Por enquanto mantemos o anonimato na medida do possível. Aos poucos essa questão vai diminuindo porque acabamos por divulgar nosso trabalho directamente a algumas pessoas.

 

Que surpresas têm preparadas para 2019, já podem adiantar?  

Para este ano pretendemos continuar o trabalho de divulgação do que fazemos através das acções de colagem. Mais caralhos, mais provocação à cultura machista, mais afirmação da identidade queer. Temos um objectivo de tentar o ocupar mais zonas onde a densidade da street art ainda é muito baixa, por exemplos, bairros mais residenciais onde não se vê quase nada. Queremos fazer do que chamamos de “discurso viado” algo que incomode o fluxo dos cidadãos, queremos arte queer em toda parte.

 

Entrevista de Paulo Monteiro

 

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