Sistema Elu, Linguagem Neutra em Género
O Sistema Elu pretende ser uma proposta de como referir pessoas não-binárias na língua portuguesa. É também uma forma de referir alguém cujo género é desconhecido ou quando um grupo possui pessoas de diferentes géneros ou quando se pretende simplesmente não incluir género na linguagem por se desejar ser o mais geral possível.
Assinala-se hoje o 2º aniversário da nova lei de identidade de género em Portugal. É por isso a ocasião de abordar um assunto relevante dentro das conversações de identidade de género, transgeneridade e não-binaridade.
Este sistema é usado por padrão pela associação portuguesa de jovens LGBTI e apoiantes rede ex aequo, já foi usado em vídeos no canal do YouTube da Google Brasil, apareceu em notícias televisivas brasileiras e já por várias pessoas não-binárias e outras no seu dia-a-dia.
É essencial a existência de um sistema de “Linguagem Neutra Em Género” para a sociedade se referir às pessoas sem implicar referir um género. Isto é especialmente importante para as pessoas não-binárias, excluídas pelo género binário gramatical dentro do seu próprio idioma.
Para se acostumar a esta linguagem é preciso muito treino e “tentativa-e-erro”. Desde que nascemos somos treinades a escrever, ler, falar e ouvir tudo no masculino ou feminino, pois a língua portuguesa foi construída assim. Por isso, é natural que seja muito difícil para ti comunicar de forma neutra no início.
A definição de “neutro” talvez possa levar as pessoas à confusão. Por exemplo, pensar que a “Linguagem Neutra em Género” só pode ser usada para pessoas não-binárias, quando, na verdade, a “Linguagem Neutra em Género” pode ser usada por e para qualquer pessoa, independentemente do seu género.
O sistema de “Linguagem Neutra em Género” é apenas válido para tratar de seres vivos. O tratamento para objectos permanece o mesmo. Por exemplo: a minha cadeira é essa e é roxa. E as palavras continuam a concordar em género. Por exemplo: As pessoas daqui são bonitas. O género da palavra "pessoa" é feminino, mas pode ser aplicada por pessoas independentemente do género, sendo assim neutra em género.
Note que, o uso de “x” ou “@” no lugar de “a” ou “o” não funciona na linguagem oral. Serve somente para escrever, mas não para ler, falar ou ouvir. Por esta razão que o sistema de “Linguagem Neutra” é necessário. A substituição por “x” ou “@” também é capacitista, discriminando pessoas com certas deficiências, por exemplo as pessoas com deficiências visuais que utilizam de programas de leitura através de som, além de indivíduos com dislexia. Ou seja, um desserviço.
A representatividade das pessoas não-binárias deve ser respeitada. Elus tem o direito de ter o seu próprio pronome e terminações neutras no idioma. Portanto, este guia será o seu material de auxílio e aprendizagem.
Aproveite quando não sabe o género de uma pessoa, de um grupo de várias pessoas ou quando está a se referir a um grupo de pessoas de várias identidades de género, para utilizar a “Linguagem Neutra em Género', que inclui todas as pessoas e não discrimina ninguém.
Pratique se possível: escrita, leitura, fala e escuta. Se é ouvinte, é importante treinar a sua escuta. Para se habituar, crie diálogos com alguém e peça para que faça o mesmo consigo. Não desista!
| — — | “Linguagem Neutra Em Género”: Sistema Gramatical | — — |
SISTEMA ELU.
(Elu, delu, nelu, aquelu, elu mesme).
O pronome neutro “Elu” representa e inclui a partir da língua portuguesa, as pessoas não-binárias, e quem necessita de referir-se a uma pessoa sem mencionar género, seja por não saber o mesmo ou de ser um grupo de pessoas de vários géneros. Equivale aos pronomes “ela” e “ele” existentes no idioma, mas de forma neutra.
(Obs.: O “Sistema Elu” é a melhor adaptação neutra desenvolvida para pronomes neutros.
Não basta funcionar para um indivíduo, se não funciona em sociedade. O pronome “Elu”, é o único que apresenta menos problemáticas na sua adaptação. Funciona perfeitamente na fala oral, na escuta auditiva, na escrita, e na identificação visual (cria semelhança entre “ela, ele, elu”). Além de gerar menos estranheza, já que o foco da sua criação é a inclusão, e não de criar um distanciamento e desmotivação na hora de todas as pessoas aprenderem. Sejam elas comunicadoras, escritoras, leitoras, videntes, cegas, falantes, mudas, ouvintes, surdas, sinalizadoras, intérpretes ou tradutoras.
Estamos a lidar com um grande avanço no idioma, e um pronome precisa funcionar em todas as situações. É uma questão delicada que não deve ser analisada de um ponto de vista individual, e sim social. Portanto, o pronome “elu” deve ser aprendido e posto em prática diariamente.)
Pronomes e contrações: elu, elus, delu, delus, nelu, nelus, aquelu e aquelus.
Atenção:
Como é sua primeira vez tendo contacto de forma ampla com a “Linguagem Neutra”, é de extrema importância que leia não apenas as regras gramaticais. Leia também toda a lista de exemplos para a sua mente se acostumar, se habituar e se familiarizar com estas palavras novas. Até que elas deixem parecer estranhas ao serem ditas.
Substituição dos pronomes pessoais “ela(s)” ou “ele(s)” pelo pronome neutro “elu(s)”.
Pronuncia-se como “êlu” ou “élu”.
Se propõe que a palavra “elu” tenha sim duas pronúncias válidas na gramática ao mesmo tempo, e não apenas uma. Isso também facilitaria a transição das pessoas ao falarem, já acostumadas com “êle” e “éla”. As duas maneiras, “êlu” e “élu”, estariam certas, representando o mesmo pronome — “Elu” — mas, a palavra deve ser gravada sem acentuação gráfica. Diferente de quem usa “ela” ou “ele”, que tem apenas uma pronúncia, quem usar “elu”, é livre disso).
Exemplos:
* Ela bebeu muita água. → Elu bebeu muita água.
* Eles são amigos. → Elus são amigues.
Substituição das contrações (preposição + pronome) “dela(s)” ou “dele(s)” por “delu(s)”.
Pronuncia-se como “dêlu” ou “délu”, semelhantemente ao pronome “elu”.
Exemplos:
* Alguém arranhou o braço dela. → Alguém arranhou o braço delu.
* Os olhos dele são castanhos. → Os olhos delu são castanhos.
Substituição das contrações (preposição + pronome) “nela(s)” ou “nele(s)” por “nelu(s)”.
Pronuncia-se como “nêlu” ou “nélu”, semelhantemente ao pronome “elu”.
Exemplos:
* Eu estava a pensar nele de manhã. → Eu estava a pensar nelu de manhã.
* Sam deu um beijo nela. → Sam deu um beijo nelu.
Substituição dos pronomes demonstrativos “aquela(s)” ou “aquele(s)” pelo pronome neutro “aquelu(s)”.
Pronuncia-se como “aquêlu” ou “aquélu”, semelhantemente ao pronome “elu”.
Exemplos:
* Aquela menina é minha filha. → Aquelu menine é minhe filhe.
* Aquela amiga-me ensinou. → Aquelu amigue-me ensinou.
Adenda:
Para reconhecer, representar, respeitar, reivindicar e VALIDAR a existência de pessoas não-binárias é necessária a criação de novas regras gramaticais para “quebrar” a binaridade aplicada no idioma, porque sim.
Activistas e educadores em vários países já estão a fazer isso.
Não são mudanças na gramática, mas sim SOMAS.
Adicionando adaptações, para INSERIR essas pessoas, e não mais EXCLUI-LAS. Pois, há uma dívida pré-histórica pelo apagamento das suas existências, até hoje.
Devemos aprender, seja por dever ou dívida. Elus merecem viver e estarem visíveis ao mundo.
Quando a palavra com flexão de género termina em “-o” ou “-a”, substitui a desinência por “-e”.
Exemplos:
* Menino/a. → Menine.
* Adulta/o. → Adulte.
* Velho/a. → Velhe.
* Filho/a. → Filhe.
* Tia/o. → Tie.
* Aluno/a. → Alune.
* Todos/as. → Todes.
* Querido/a. → Queride.
* Namorado/a. → Namorade.
* Marido/a ou Esposo/a. → Maride / Espose.
* Apaixonada/o. → Apaixonade.
* Talentoso/a. → Talentose.
* Lindo/a. → Linde.
* Gostoso/a. → Gostose.
* Criativa/o. → Criative.
* Maravilhosa/o. → Maravilhose.
* Ansiosa/o. → Ansiose.
* Stressada/o. → Stressade.
* Cansado/a. → Cansade.
* Atrasada/o. → Atrasade.
* Dona/o. → Done.
* Funcionário/a. → Funcionárie.
* Bem-vindo/a. → Bem-vinde.
* Obrigada/o. → Obrigade.
Obs: A maioria das palavras (substantivos, adjectivos, numerais, etc.) sofrem “flexão de género”.
“Flexão” é o nome do movimento que altera o estado das palavras.
Flexões podem alterar o género (feminino, masculino ou neutro), o número (singular ou plural), ou o grau (aumentativo ou diminutivo) delas.
“Flexão de género” é o movimento que altera a palavra de um género para outro.
Esta alteração de género ocorre quando se troca a “desinência nominal” das palavras.
“Desinência” é o nome das letras que ficam na parte final dessas palavras.
É a terminação delas (a forma em que elas terminam), o “finalzinho”.
“Desinência nominal” é a parte final da palavra, que trata e indica especialmente o género.
Por exemplo, são aquelas vogais “-a” ou “-o”, que estão no final (menin-A, menin-O).
Além dessas vogais, existem também outros tipos mais elaborados de “desinências nominais”, e que variam quando as palavras estão no singular e plural.
Quando a palavra com flexão de género termina em “-co” no masculino e “-ca” no feminino, substitui a desinência por “-que”.
Exemplos:
* Médica/o. → Médique.
* Técnico/a. → Técnique.
* Autêntica/o. → Autêntique.
* Transfóbico/a. → Transfóbique.
Quando a palavra termina em “-go” no masculino e “-ga” no feminino, substitui a desinência por “-gue”.
Exemplos:
* Amigo/a. → Amigue.
* Psicóloga/o. → Psicólogue.
* Biólogo/a. → Biólogue.
* Cega/o. → Cegue.
* Leigo/a. → Leigue.
As pessoas não-binárias não são obrigadas a usar o “pronome elu” e a “Linguagem Neutra Em Género” com elas mesmas, mas é um direito de todas elas.
Quando a palavra com flexão de género termina em “-r” no masculino e “-ra” no feminino, substitui a desinência por “-re”.
No plural, quando termina em “-res” no masculino ou “-ras” no feminino, substitui a desinência por “-ries”.
Exemplos:
* Professor/a. → Professore.
* Professores/as. → Professories.
* Pintor/a. → Pintore.
* Pintores/as. → Pintories.
* Trabalhador/a. → Trabalhadore.
* Trabalhadores/as. → Trabalhadories.
* Administrador/a. → Administradore.
* Administradores/as. → Administradories.
* Ator / Atriz. → Atore.
* Atores / Atrizes. → Atories.
Atenção para não confundir o plural das palavras com flexão de género terminadas em “-r” com o das terminadas em “-o” antecedidas de “r-”.
Note:
* Criado-r brasilei-ro. → Criado-re brasilei-re.
* Criado-res brasilei-ros. → Criado-ries brasilei-res.
Neste último caso, o plural é terminado em “-os” no masculino, “-as” no feminino e “-es” no neutro. É apenas uma substituição das desinências “-a” e “-o” por “-e”, com acréscimo de “-s”.
Exemplos:
* Estrangeiro/a. → Estrangeire.
* Estrangeiros/as. → Estrangeires.
* Pedreiro/a. → Pedreire.
* Pedreiros/as. → Pedreires.
* Enfermeiro/a. → Enfermeire.
* Enfermeiros/as. → Enfermeires.
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Este texto foi estruturado a partir do guia original de Ophelia Cassiano, com uma adaptação para a variante do português de Portugal e remoção de conteúdos do original de forma a encurtar o guia. Podes continuar a aceder ao guia aqui.
O conteúdo está aberto a críticas, alterações e acréscimos futuros para acompanhar as pautas sociais. O seu conhecimento pode começar pelo guia, mas não termina aqui. A evolução é um movimento constante e não estático. Nenhum dos sistemas propostos está formalizado na língua portuguesa, sendo actualmente somente uma proposta, sem obrigação de uso por nenhuma pessoa e com a possibilidade de mudanças em como funciona.
Pedro Valente