"A nossa liberdade sexual e individual está ameaçada"
Fundado a 25 de Junho de 2020 o Volt Portugal é partido pan-europeu e progressista. Fomos falar com os co-presidentes Ana Carvalho e Duarte Costa, os primeiros e únicos líderes políticos abertamente LGBTQIA+ em Portugal e saber o que querem para o país.
dezanove: Em primeiro lugar seria bom saber algo mais sobre ambos: idades, região de origem, o que estudaram e em que trabalham?
Ana Carvalho: Tenho 26 anos, sou bissexual, sou engenheira electrotécnica e trabalho na área das energias renováveis. Estou também a tentar salvar o mundo nessa área. O meu segundo trabalho é ser activista.
Duarte Costa: Tenho 34 anos, sou formado em Geografia e especialista em alterações climáticas e políticas públicas. Somos ambos de Lisboa.
dezanove: Podem descrever o vosso processo de aproximação ao Volt?
AC: Comecei no Técnico no Queer IST. Quando fui para a Alemanha estudar continuei no activismo LGBT e aqui continuo na política a fazer o mesmo. Na Alemanha enquanto participava em marchas LGBT e pelo clima, conheci o VOLT. Criei um pequeno grupo de trabalho com outros colegas na cidade onde estava e depois quando regressei a Portugal passei a Secretária-Geral. Depois do meu trabalho, os membros decidiram eleger-me como a co-presidente.
DC: Ao longo dos últimos 12 anos estive a trabalhar nessas áreas fora de Portugal e entretanto percebi que o desafio das alterações climáticas resolve-se com política e foi isso que me aproximou ao Volt por achar que enquanto partido pan-europeu, tem maior capacidade de resposta. Em Junho fomos eleitos para liderar o VOLT e por isso estou desde então a residir em Portugal. Percebi que o VOLT em questões climáticas era muito ambicioso, mas também, enquanto pessoa LGBT, via frequentemente as bandeiras nos eventos do partido e nos eventos do Pride, isto foi algo que me fez sentir seguro e confortável. Somos o partido que elegeu a primeira liderança abertamente LGBT e com igualdade de género em Portugal - isso é especial. É uma responsabilidade sermos os primeiros.
Como se sentem sendo os primeiros e únicos líderes políticos abertamente LGBTQIA+ em Portugal?
AC: Sinceramente, por um lado é um pouco assustador, pois sentimos a falta de representatividade na política em relação a género, étnia, identidades e sexualidades diversas. Por outro lado, na nossa vida privada, somos muito abertamente LGBT, vamos aos eventos de orgulho LGBT, estamos com grupos de amigos LGBT, o que nos traz esperança. Se estamos aqui, outras pessoas também vão estar. Esperamos que este caminho de representatividdade que estamos a começar leve a que se sigam mais representantes diversos na política portuguesa.
DC: Acho que estar na política enquanto pessoa LGBT eventualmente será um sinal de normalidade. Nós fomos eleitos pelos membros do VOLT que obviamente não são todos LGBT e estão de parabéns por terem escolhido pessoas com vidas normais, com Grindr no telemóvel, ou com uma vida sexual que não é aquela padronizada numa sociedade tradicional. Isso faz diferença na forma como fazemos política e representamos outras pessoas no sistema político. Ainda não há uma representação significativa da comunidade LGBT no sistema político português, mas queremos muito representar essa normalidade fora do padrão tradicional, de forma autêntica e numa sociedade cosmopolita e mais progressista em que vivemos.
AC: Até era bom para a política portuguesa se houvesse outros líderes políticos a ir ao Trumps...
DC: Ou à Trombeta ou a outros sítios...
Como é que o Volt Portugal planeia combater a discriminação baseada em orientação sexual ou identidade de género, por exemplo em questões concretas como o acesso a habitação ou a um emprego digno?
AC: Habitação afecta toda a gente, e em particular a população LGBT. Sabemos, por exemplo, que muitos jovens trans têm de sair de casa e não têm alternativa senão ir para associações. Neste caso, o segredo é mesmo criar pontes entre as associações LGBT e os senhorios porque se fizermos essa conexão poderemos monitorizar se está a haver algum tipo de discriminação ou não. O Estado poderia incentivar este tipo de contactos entre senhorios, promovendo a criação de espaços seguros para a comunidade LGBT. As associações deveriam ser incentivadas a fazer consultas regulares junto das pessoas LGBT para perceber se estas estão a ser discriminadas. As associações têm esse papel importante.
DC: No emprego e em várias outras circunstâncias em que as pessoas LGBT, em particular as pessoas trans, são discriminadas, são necessárias políticas de inclusão laboral. Além disso, é preciso estabelecer mecanismos que permitam denúncias efectivas e com consequências que possam a modelar os comportamentos das entidades patronais e que fazem recrutamento das pessoas. Para que se reduza assim o viés de orientação sexual.
O Volt tem uma agenda política para legalizar o trabalho sexual. Sabemos que muitas vezes o trabalho sexual é a única saída laboral para pessoas trans. Se por acaso não ouviram o podcast da Yolanda Tati com a Keyla Brasil, eu recomendo muito porque ela descreve isso com muita propriedade. Legalizar o trabalho sexual é permitir a um conjunto de pessoas que está numa situação de exclusão laboral que tenham muito mais condições económicas e de segurança, rendimento e dignidade.
Legalizar o trabalho sexual é permitir a um conjunto de pessoas que está numa situação de exclusão laboral que tenham muito mais condições económicas e de segurança, rendimento e dignidade.
Neste binarismo que é a política portuguesa, entre esquerda e direita, onde se situa o Volt?
DC: A resposta é "ao centro" porque é o lugar mais longe dos dois extremos. Mas já que me perguntas digo que existe aqui um problema de compatibilidade. Geralmente à esquerda temos partidos mais progressistas e à direita mais conservadores. Mas à esquerda também temos partidos mais colectivistas e à direita mais individualistas. E na questão dos direitos LGBT há liberdades individuais que têm de ser asseguradas. Um partido que se afirma de direita deveria também assegurar estas liberdades individuais e nem sempre isso acontece. E um partido de esquerda deveria ter uma agenda progressista, o que nem sempre acontece. Para o Volt, não interessa se se é de esquerda ou direita, mas sim assegurar os Direitos LGBT que são direitos humanos.
Para o Volt, não interessa se se é de esquerda ou direita, mas sim assegurar os Direitos LGBT que são direitos humanos.
O que o Volt Portugal pensa sobre o abismo de programas políticos no que toca a medidas que combatem discriminação LGBTQIA+ entre partidos de esquerda e direita?
AC: É bastante visível que os partidos de esquerda têm objectivamente muito mais políticas no que respeita a questões LGBT. Isto deve-se a razões históricas principalmente. Quer queiramos quer não, foi o Bloco de Esquerda que trouxe a agenda LGBT para Portugal, mas o ideal seria que as políticas LGBT estivessem distribuídas por todo o espectro político. Gostávamos de ver mais partidos como a IL, o PSD e partidos de direita a defender abertamente e vocalmente os direitos LGBT. A nossa ideia é que, apesar deste grande trabalho inicial dos activistas LGBT dos partidos de esquerda, aos quais devemos agradecer, não devemos lealdade aos partidos de esquerda apenas por causa disso. A comunidade LGBT é muito diversa. Temos visões económicas muito diversas.
DC: Hoje as pessoas LGBT vivem um nível de liberdade sexual, e penso em pessoas gay como eu, que temos o nosso trabalho, a nossa casa, o nosso Grindr no telemóvel, as nossas festas, o nosso relacionamento, muitas vezes aberto, festas com consumos de todos os níveis e uma liberdade de vida muito ampla. Quando estamos numa sociedade que assiste ao crescimento de projectos políticos conservadores de ultra direita que preveem fazer alterações legislativas que prejudicam uma sociedade como esta, porque têm uma visão extremamente conservadora e tradicional, isto prejudica-nos de duas formas: pode haver mudanças legais, mas há sobretudo uma legitimação de uma sociedade, já vivida no Brasil e noutras partes do mundo, em que ser LGBT já não é assim tão aceitável, frequentar determinados espaços já não é tão aceitável. Neste cenário, é preciso voltar a estar escondido e há o risco de violência contra as pessoas LGBT. O que queremos é combater isto e queremos mais liberdade. Porque nós não alcançamos ainda a plena liberdade para toda a gente e o meu apelo para esta entrevista é que toda a gente se mobilize em termos políticos e cívicos para defender os nossos interesses, a nossa liberdade sexual e individual porque ela está, de facto, ameaçada por projectos políticos que permitem e legitimam actos de violência e discriminação na rua e nas redes sociais. Queremos prevenir isto antes que seja proliferado, porque isto já acontece em Portugal e precisamos de evitá-lo. Há um partido de extrema direita que é o Chega que está a crescer e nós precisamos de nos unir para combater esse crescimento e defender a nossa segurança e a nossa liberdade.
Acho que estamos cada vez mais num momento onde a homofobia está a sair do armário. O crescimento e visibilidade de projectos ultraconservadores estão a fazer com que pessoas LGBT-fóbicas sintam a legitimação para se comportarem de formas que há uns anos não se sentiriam confortáveis para fazer.
O meu apelo para esta entrevista é que toda a gente se mobilize em termos políticos e cívicos para defender os nossos interesses, a nossa liberdade sexual e individual porque ela está, de facto, ameaçada por projectos políticos que permitem e legitimam actos de violência e discriminação na rua e nas redes sociais. [...] A homofobia está a sair do armário.
Que razões tem um jovem de 18 anos para votar no VOLT?
DC: Ter 18 anos hoje em Portugal é muito diferente de ter 18 anos aquando da primeira eleição que houve em Portugal. Acho que hoje nós temos um espectro político muito diferente dos partidos que fundaram a democracia. O Volt é um partido muito jovem em Portugal. A Ana é uma co-líder feminina muito jovem, eu um co-líder masculino muito jovem, o nosso secretário-geral Yannick Schade também é muito jovem. São os membros que fazem as políticas e dessa forma representamos os jovens. Nós como pessoas LGBT estamos atentos aos problemas que enfrentamos e queremos soluções para eles. No caso da população LGBT achamos que a educação sexual é uma das áreas que mais está a fazer falta aos jovens em Portugal numa perspectiva de saúde mental e sexual. Estar na política enquanto jovem permite trazer soluções para estas áreas que nos afectam.
A educação sexual é uma das áreas que mais está a fazer falta aos jovens em Portugal numa perspectiva de saúde mental e sexual.
AC: Sendo um partido europeu e jovem, com uma idade média de cerca de 30-35 anos, representamos melhor os jovens de hoje, que são mais cosmopolitas e europeus.
Há um grande descrédito na política actualmente. Como pretendem combater isso?
Há dois problemas chave sobre o descrédito da política. O primeiro está relacionado com a vulnerabilidade social e económica de algumas pessoas que precisam de medidas robustas (e não avulsas como recordo aqueles 125 euros). Que diferença é que isso fez que não tenha sido pontual? O que o Volt defende são medidas robustas e sistémicas que permitam ao Estado ter um papel activo no combate à pobreza. Uma mudança que gostávamos de testar é o Rendimento Básico Incondicional que garantisse uma base mínima para pessoas em situação de desemprego, com baixa remuneração ou incapacidade de trabalho de forma a poderem suster a sua subsistência.
A segunda razão deste descrédito da política portuguesa é o crescimento de um partido de extrema-direita que se alimenta destes casos e casinhos que temos de incúria e incompetência na administração que temos visto. Isto é um facto, não é uma opinião minha. Estamos a caminhar para um sistema político muito polarizado e com pessoas descrentes da democracia de Abril. Isto é preocupante e prejudica as pessoas mais vulneráveis. Podemos estar a caminhar para um sistema menos democrático onde seremos menos livres.
Estamos a caminhar para um sistema político muito polarizado e com pessoas descrentes da democracia de Abril. Isto é preocupante e prejudica as pessoas mais vulneráveis.
Que mensagem deixam a uma pessoa desempregada ou que não consegue ter orçamento para chegar ao fim do mês?
A primeira coisa que diria é que na questão financeira, o melhor a fazer é procurar nos círculos de amigos, família, junta da freguesia e do município que opções existem para complementar o rendimento. Não dá para ficar com dinheiro a menos do que o necessário para garantir a subsistência e as necessidades mais básicas. Depois, as pessoas que não estão tão vulneráveis devem ter a preocupação de defender quem está em situação mais vulnerável, seja através das políticas ou de associações. Isto porque o que vemos é a pobreza a aumentar, os rendimentos a baixar e o governo de centro-esquerda a não saber dar resposta. Estas mudanças acontecem quando os cidadãos são mais activos na política e assim defendem uma sociedade socialmente mais justa em Portugal, que é o que o Volt defende.
O que faria uma pessoa desempregada votar no Volt?
Há que dizer, já agora, que neste momento em Portugal a situação de emprego é muito boa, temos praticamente pleno emprego e uma taxa de desemprego muito baixa. Mas aqui penso mais em pessoas que estão empregadas mas com baixo rendimento (pessoas que trabalham e estão no limiar da pobreza) ou em situação de precariedade, para as quais o Volt tem uma agenda de inovação económica que permitiria à economia portuguesa aproximar-se das economias europeias, isto é, ter sectores altamente competitivos e produtivos na economia portuguesa que gerariam valor acrescentado, que permitiriam à sociedade e ao estado ter mais rendimento e este ser redistribuído por todas as pessoas que não trabalham nesses sectores de valor acrescentado.
Comunicam muito através das plataformas digitais. Como pensam chegar com a vossa mensagem à população mais idosa, mais desfavorecida e isolada tecnologicamente tendo em conta que a pirâmide etária se está a inverter e a crescer rapidamente em Portugal?
É verdade que comunicamos muito através do Instagram porque grande parte dos jovens está no Instagram e os jovens são esta população a que queremos chegar maioritariamente. Falaste de descentralização e o que fizemos por exemplo nos prides foi ir a locais diferentes do país fora dos centros urbanos falar com as pessoas. Por exemplo, estivemos em Serpa e participamos numa manifestação a favor do hospital. Sempre que temos recursos vamos directamente aos sítios falar com as pessoas. Temos membros jovens, mas também somos bem recebidos pela população mais velha que quer estar no Volt e nos dizem "eu quero um futuro melhor para o meu neto" ou "para o meu filho".
Sabendo desta vossa perspectiva Europeia do Volt e o avanço já existente do nosso país nesta matéria, é dada prioridade aos direitos LGBTQIA+ no nosso país? Ou quais são os vossos focos/objectivos principais?
DC: Os Direitos LGBT são uma prioridade. Embora a lei tenha avançado em Portugal, em matérias de direitos das pessoas trans, por exemplo, ainda há assuntos por avançar. E a realidade não está a acompanhar a lei. Há um estudo europeu recente da Universidade do Porto com mais de 1500 respostas de jovens do 3º ciclo e do ensino secundário em que vemos níveis de bullying e violência junto de pessoas LGBT muito preocupantes. Mais 90% dos casos de agressões reportados por esta amostra acontecem dentro escola, seja nos corredores, seja na sala de aula. Vemos que sair do armário ainda não é transversal aos jovens. Achamos que hoje é mais fácil ser jovem e LGBT do que quando éramos mais jovens, mas essa realidade ainda não é muito positiva. Mais de 30% até aos 19 anos ainda não revelaram a ninguém que são LGBT. Portanto, há uma realidade desfasada face à legalidade e para além das leis que estão no papel são precisas políticas que promovam estas mudanças societais que garantam que ser LGBT seja seguro e uma coisa normal e não alvo de discriminação e ataques, que muitas vezes não são previstos pelas próprias leis.
Há uma realidade desfasada face à legalidade e para além das leis que estão no papel são precisas políticas que promovam estas mudanças societais que garantam que ser LGBT seja seguro e uma coisa normal e não alvo de discriminação e ataques, que muitas vezes não são previstos pelas próprias leis.
AC: Como partido pan-europeu conseguimos olhar lá para fora e ver o que faz falta implementar aqui. Por exemplo criminalizar as terapias de conversão, olhar para o exemplo de Malta e despatogizar as identidades trans, olhar para a Holanda e permitir que as pessoas não tenham o sexo no seu documento de identificação ou incluir as terapias hormonais e de reafirmação de género no SNS. Direitos LGBT vão ser uma prioridade do Volt porque mesmo se cá dentro a situação estiver bem, lá fora temos países como a Polónia e a Hungria onde há muita coisa a fazer e estamos na frente da luta política.
E os vossos outros objectivos?
Para além das políticas LGBT, porque não votamos apenas nessas propostas, defendemos um conjunto políticas para o clima. Defendemos ao nível europeu que a UE tenha uma política mais ambiciosa na descarbonização. Precisamos de mais mobilidade pública e clicável e desincentivar o uso do carro, precisamos de fazer uma transição na área alimentar e promover políticas de baixo carbono e à base de plantas. Estamos a tentar formular estas políticas de sustentabilidade e onde todos são bem-vindos a colaborar já para as próximas eleições europeias. Para além disso, estamos a promover políticas mais eficientes para um estado mais inteligente, queremos uma reforma da UE para que esta não fique à sombra das políticas dos EUA e seja mais sustentável, mais democrática e se possa afirmar como mais humanista e progressista. Este são valores que guiam a UE e devem ser garantidos em qualquer Estado-Membro como linha de base em 2023 e no século XXI.
Indiquem três medidas concretas que implementariam se chegassem a um governo (de coligação, por exemplo).
AC: A primeira medida seria criminalizar as terapias de conversão de pessoas LGBT, que ainda acontecem e representam a maior falha legal em relação a esta comunidade.
DC: Em termos de política económica, uma das medidas que tentaria acelerar seria baixar o IRC das empresas em função dos salários que pagam. Já ouvi o PS a mencionar nisso. Ou seja, quem pagasse salários acima da média e tivesse um menor intervalo entre os salários mais altos e os mais baixos, teriam benefícios fiscais e veriam o IRC ser reduzido o que permitiria aumentar o rendimento das pessoas.
AC: Iríamos também implementar a nossa agenda europeísta de forma a democratizar as instituições europeias. Queremos dar mais poder a Portugal e aos europeus dentro do Parlamento Europeu. Queremos fazer mais força para que o Parlamento Europeu tenha mais poder legislativo.
DC: Portugal é ainda muito conservador e eurocéptico relativamente à evolução de uma União Europeia mais democrática e não tão dependente dos governos nacionais. Devem ser os europeus a definir o rumo da UE.
Entrevista de Paulo Monteiro